Cristofobia: um sacrilégio hediondo?
Por Yuri Felix
Cada dia que passa fico mais e mais surpreso com a criatividade humana. O problema é quando toda esta verve vem acompanhada de muita desinformação e, principalmente, inutilidades e desserviços daqueles que cumprem funções essenciais para a democracia. Eis abaixo o Projeto de Lei a que fomos brindados nos últimos dias:
PROJETO DE LEI Nº ___, DE 2015.
(Do Sr. Rogério Rosso)
Altera o art. 208 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para aumentar a pena; e altera a Lei nº 8072, de 25 de julho de 1990 para considerá-lo como crime hediondo.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º – Esta Lei tem o objetivo de aumentar a pena do crime “ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo” tipificado no art. 208 do Código Penal, bem como, alterar a Lei nº 8.072/1990 para considerá-lo como crime hediondo.
Art. 2º O art. 208 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 208-……………………………………………………………………………….. Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. ……………………………………………………………………………………..” (NR)
Art. 3º Acrescenta inciso IX ao art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 julho de 1990, com a seguinte redação:
“Art. 1º …………………………………………………………………………… ……………………………………………………………………………………… IX- ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo (art. 208). ………………………………………………………………………………….. “(NR)
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Sim, leitores, a redação trazida acima é de autoria do Deputado Federal Rogério Rosso (PSD-DF) que visa fazer com que o crime de “Ultraje, impedimento ou perturbação de ato religioso” (art. 208 CP) tenha suas penas extremamente aumentadas e, claro, passando a integrar o rol de Crimes Hediondos. Mais uma vez estamos diante da crença de que o Direito Penal possui o condão de modificar pensamentos, culturas ou até mesmo atender demandas políticas e sociais. Mas não fica por ai, esta é a justificativa do Projeto de Lei apresentado:
“A presente proposição tem por fim aumentar a pena para o crime “ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo” tipificado no art. 208 do Código Penal, bem como considerá-lo com crime hediondo. A intenção desse projeto de lei é proteger a crença e objetos de culto religiosos dos cidadãos brasileiros, pois o que vem ocorrendo nos últimos anos em manifestações, principalmente LGBTS, é o que podemos chamar de “Cristofobia”, com a prática de atos obscenos e degradantes que externam preconceito contra os católicos e evangélicos. Alguns manifestantes que participam de “Paradas LGBTS” ou “Parada Gay” têm zombado e desrespeitado a fé dos cristãos, agindo reiteradamente de forma desrespeitosa contra os símbolos do cristianismo. Para o Doutor Valmor Bolan, perito em Sociologia e conselheiro da Organização Universitária Interamericana (OUI-IOHE) no Brasil e, membro da Comissão Ministerial do Prouni (CONAP), “O fato mais chocante da parada gay deste ano, foi a forma como se apropriaram de uma frase (fora de contexto) do Evangelho, para insinuar que o amor proposto por Jesus seria também gay. E ainda mais usando imagens sagradas de santos católicos para ainda fazer as pessoas concluírem que tais santos eram gays. Tudo isso pode se resumir numa palavra pouco mencionada hoje em dia, mas tratou-se de um sacrilégio”. Assim, no intuito de proteger a liberdade de crença consagrada em nossa Constituição, é de suma importância à aprovação deste projeto, razão pela qual contamos com o apoio dos nobres pares”.
Alguns detalhes precisam ser apontados. Inicialmente cabe destacar que a pena atual deste delito é de “um mês a um ano de detenção, ou multa”, ou seja, o que é proposto no referido Projeto de Lei é uma acentuada majoração que visa punir, com regime inicial fechado segundo a Lei de Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), uma conduta que, com todas as venias, não subtrai nenhum patrimônio e muito menos ataca a vida, maior bem em nossa sociedade. Assim, mais uma vez banalizando o significado do mandado de criminalização contido na Constituição Federal de 1988 (art. 5°, XLIII) o legislador infraconstitucional de maneira simplória apresenta uma visão de mundo consubstanciada em um Projeto de Lei, ou seja, mais fácil fazer uma lei penal do que propor uma política de educação e respeito às diferenças.
Não se desconhece que a crença e religiosidade de uma comunidade é um traço característico desta e que necessita ser respeitada e protegida pelo Estado. Porém, como sabido e demonstrado na prática, a criação de tipos penais e o incremento de penas, sobretudo privativas de liberdade, não fará com que as pessoas passem a adotar esta ou aquela conduta, leitores esta ideia é uma ilusão paranóica e fantasiosa e precisa ser desmistificada. O Estado é laico sim, mas claro, precisa ele tutelar a liberdade e crença de cada indivíduo, mas a resposta não está no direito penal, muito menos na malsinada Lei dos Crimes Hediondos.
Precisamos acompanhar muito de perto esta proposta legislativa, afinal robustas agremiações partidárias do cenário nacional “compraram a ideia” e o atual presidente da Câmara já manifestou urgência na votação do Projeto de Lei que passou a ser denominado como aquele que visa criminalizar a “Cristofobia”. Talvez, partindo da premissa que as denominadas “Paradas LGBTs” visam a reivindicação de direitos, sobretudo de igualdade, caso o Estado brasileiro tivesse de muito reconhecido tais direitos nenhum destes acontecimentos, ou muitos deles, teriam ocorrido. Sendo assim, necessitamos de mais propostas voltadas à educação e cultura de respeito tanto da crença religiosa quanto da diversidade e menos hediondez legislativa.