O ‘sim, porque sim’ e a decisão do júri
O ‘sim, porque sim’ e a decisão do júri
A instituição do Tribunal do Júri sempre rendeu muitas abordagens e foi objeto de muita polêmica.
O debate em torno da Constitucionalidade deste procedimento vai além de uma reflexão da validade pela própria previsão constitucional, pois necessitam de uma apreciação que verifique se a instituição dialoga com os preceitos constitucionais que estruturam o Estado Democrático de Direito.
O júri possui previsão constitucional, mas isto, por si só, não garante que a instituição esteja em consonância com os princípios reitores de nossa Constituição.
Por óbvio que a instituição demanda uma apreciação muito mais aprofundada, que analise o seu componente democrático, a sua efetiva capacidade de colocar os destinatários da prova (jurados) em condições de compreender toda a discussão que fora travada ao longo do processo, bem como a validade das decisões de acordo com os ditames legais e constitucionais vigentes.
O júri é um palco fascinante, é o ápice do exercício da atividade jurídico-criminal, tanto para a acusação como para a defesa. É a possibilidade da comunidade exercer diretamente o papel de um dos Poderes do Estado.
Entretanto, dentro de todo este glamour do júri existem uma série de “misérias” que, por vezes, são ignoradas.
Poderíamos elencar aqui a falta de representatividade democrática, a ausência de produção probatória perante o Conselho de Sentença, a disparidade de armas, o notório espaço de dúvida em uma decisão de 4 a 3, a quesitação confusa que pode levar o Jurado a decidir sem entender, dentre vários outros aspectos.
Contudo, no estreito limite desta coluna, falaremos da motivação da decisão ou no caso, da ausência desta.
Será que poderemos admitir, ainda hoje, que tenhamos uma decisão penal baseada no “sim, porque sim” ou “não, porque não”. Em nossas situações mais banais de nosso cotidiano, repugnamos as decisões que não apresentam motivos, isto desde a infância, portanto, como imaginar que em um júri popular, a decisão que condena ou absolve alguém se dê nestas bases?
O princípio da motivação das decisões judiciais é um princípio basilar de nosso ordenamento jurídico, uma vez que para que se exerça um controle da eficácia do contraditório e do direito de defesa, bem como de que existe prova suficiente para sepultar a presunção de inocência, é fundamental que as decisões judiciais estejam suficientemente motivadas, pois somente a devida fundamentação permite avaliar a racionalidade da decisão que predominou sobre o poder, premissa fundante de um processo penal democrático. (LOPES JR., 2006, p. 263).
Assim, a Motivação é que constitui a decisão. Pois ela que permite o exercício do controle de racionalidade. Em outras palavras, um juiz pode decidir com base naquilo que bem entender, mas terá que apresentar fundamentos razoáveis para sua decisão, o que não ocorre no Tribunal do Júri, pela simples razão de que o jurado não fundamenta a sua decisão.
Por isto, a sempre precisa lição de BETTIOL (1974, p. 260) de que a motivação das sentenças significa, numa perspectiva histórica, uma conquista da liberdade por parte e a favor do cidadão, necessita ser compreendida.
A garantia da motivação obriga, de um lado, que o juiz baseie o seu convencimento em argumentos expostos e isto faz com que, de um outro lado, seja possível à sociedade controlar tal convencimento (MALATESTA, 1995, p. 56).
Portanto, para que as partes e a sociedade como um todo possam exercer um controle racional sobre a decisão, a motivação é imprescindível.
Nunca saberemos ao certo o que levou um juiz a tomar determinada decisão, mas a garantia da motivação exigirá dele que apresente os elementos racionais que o levaram a decidir. No júri, portanto, nunca saberemos as razões pelas quais um jurado decidiu.
Isto implica em uma problemática muito grande, pois decisões tanto condenatórias como absolutórias podem se basear em elementos que extrapolem a apreciação jurídica do caso e o enquadramento legal do fato.
Sabemos que isto é a razão da essência do júri, mas o que queremos questionar é se isso, em pleno século XXI pode dialogar com as garantias que edificam um modelo constitucional democrático de Estado.
Quantas vezes o jurado decide por questões de cunho pessoal, por preconceitos, por medos, por influências ou, mesmo, por desconhecimento? Devemos aceitar os custos de decisões injustas (para ambos os lados) pela manutenção desta instituição?
Será que não devemos lutar por mecanismos que permitam ao Jurado uma fundamentação?
Simples questionários, onde haverá a preservação da identidade do jurado pela garantia do sigilo, mas que possibilitem conhecer, ainda que minimamente, qual a razão do seu voto, poderiam reduzir os problemas da ausência de motivação.
Como já referido, apenas com esta motivação, a sociedade poderá conferir legitimidade ao ato decisório, bem como, somente assim, se possibilitará o direito da parte irresignada de submeter o feito à uma outra análise, à um outro olhar, por um julgador distinto.
O exercício recursal resta extremamente comprometido pela soberania do júri e, principalmente, pela ausência de motivação, uma vez que é extremamente complicado questionar uma decisão quando se desconhece os elementos que a compuseram.
Decisão que define um caso penal, não pode ser despida de fundamentação, pois isto viola um princípio fundante de nossa estruturação jurídica. Aceitar a decisão pela decisão é abrir a possibilidade para diversos erros judiciais, para diversas decisões que não levem em conta a história dos autos e tornaram o júri um terreno fértil para decisões equivocadas.
Rediscutir o júri é fundamental para a sobrevivência da instituição e da própria justiça.
REFERÊNCIAS
BETTIOL, Giuseppe.Instituições de Direito e de Processo Penal. Trad. Manuel da Costa de Andrade. Coimbra: Coimbra Editora. 1974.
LOPES JR. Introdução Crítica ao Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006.
MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Volume I, Tradução Waleska Girotto Silverberg. Conan Editora. Campinas – SP, 1995.