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Setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Na data de 10 de dezembro de 1948, era proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, através da Resolução 217 A da Organização das Nações Unidas. O documento histórico de trinta artigos permanece, setenta anos depois, como um ideal ainda a ser alcançado pelas nações do mundo inteiro, inclusive o Brasil.

Resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial, a DUDH foi pioneira em muitos aspectos e abriu espaço a uma nova fase do Direito Penal Internacional, com penalização de países e agentes de Estado que cometerem crimes, e também foi notável influência para o Direito interno de cada país.

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Apenas a título de exemplo, a DUDH foi a pioneira em condenar explicitamente a prática de tortura. Condenar a tortura deveria ser algo óbvio para qualquer país dito democrático, mas até então não havia qualquer previsão normativa nesse sentido:

Artigo 5°

Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Durante muitos períodos históricos, a prática de tortura a título de obter a confissão do réu era corrente por autoridades da polícia e do Judiciário:

Até o advento dos Códigos Penais modernos, no curso do século XIX, todo processo penal fundava-se na confissão do réu, considerada a rainha das provas. No plano internacional, porém, ela só veio a ser expressamente condenada com a Declaração Universal de Direitos do Homem. A Convenção Europeia de Direitos Humanos, que lhe é posterior, não contém disposição alguma a respeito. O mandamento do Artigo V foi desenvolvido pelas Nações Unidas em três tratados da maior importância: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984 e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998. (COMPARATO, Fábio Konder. Ninguém será submetido à tortura. In Os Direitos Humanos desafiando o século XXI. Vários Autores. Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão Nacional de Direitos Humanos, 2009, pg 55).

No Brasil colonial, a tortura de presos era prevista em lei:

Somos herdeiros de uma longuíssima tradição de torturar presos e mesmo simples detentos, não só para arrancar-lhes a confissão, mas também, simplesmente, como castigo pelos delitos de que são acusados. Nas Ordenações Filipinas, o capítulo 133 do Livro V regulava “os tormentos”, determinando em que casos deviam ser infligidos, excetuando da prática “os fidalgos, cavaleiros, doutores em cânones ou em leis, ou medicina, feitos em universidade por exame, juízes e vereadores de alguma cidade. (Idem, pg. 57). 

No Brasil, a punição da tortura está prevista na Lei 9.455, que “define os crimes de tortura e dá outras providências”, lei somente publicada no tardio ano de 1997:

Art. 1º Constitui crime de tortura: 

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Declaração Universal dos Direitos Humanos e tortura

Além da proibição expressa de tortura, o artigo 5º da DUDH veda a questão das penas cruéis. Considerando que muitos países dito democráticos ainda tem previsão de pena de morte, é de se questionar a interpretação e o alcance de tal norma internacional, e de como os países tem se esforçado por cumprir os termos da Declaração.

Outro aspecto notável da DUDH está expresso no artigo 11:

Artigo 11°

1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

2. Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido.

O princípio da presunção de inocência, expresso acima, está previsto na Constituição no inciso LVII do artigo 5º:

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Prisões antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória deixaram de há muito o status de exceção para virar moeda corrente no processo penal brasileiro. Além da óbvia afronta a um princípio constitucional, viola o previsto em documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A proibição de prisão arbitrária está no artigo 9º da Declaração:

Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Na atual questão da imigração e dos refugiados, é de se questionar se tal artigo vem sendo respeitado por países do ainda chamado “primeiro mundo”. Muitos migrantes permanecem meses e até anos em centros de detenção, por questões quase sempre burocráticas.

Também no mesmo sentido, assim estabelecem os artigos 13 e 14:

Artigo 13°

1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.

2; Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14°

1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países.

2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Como visto, apesar do aniversário de setenta anos, a Declaração Universal de Direitos Humanos, documento histórico que inaugurou uma nova era, ainda não é integralmente cumprida ou seguida à risca por seus países signatários. Buscar o cumprimento integral de seus trinta artigos é dever de todos os seus países signatários, para que tão importante documento não se torne apenas uma relíquia histórica.


REFERÊNCIAS

Os Direitos Humanos desafiando o século XXI. Vários Autores. Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão Nacional de Direitos Humanos, 2009.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (aqui)

Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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