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Como seria a defesa penal perfeita?

Como seria a defesa penal perfeita? Amigos, pensei muito sobre essa coluna.

Ao mesmo tempo em que observamos o genial Advogado Juarez Cirino dos Santos sendo devidamente combativo nas audiências e honrando a Advocacia Criminal, percebemos um número crescente de defesas padronizadas, citações descabidas de jurisprudência/doutrina e audiências em que o Advogado parecia estar pensando “na morte da bezerra”, como diz minha mãe.

Quem atua na área criminal inevitavelmente encontrará peças de outros Advogados, seja porque há mais de um réu, seja porque alguém atuou na fase policial em caso de prisão em flagrante. Em razão disso, todos os Advogados Criminalistas já viram, pelo menos uma vez, algum pedido de liberdade com várias ementas jurisprudenciais e citações doutrinárias, mas nenhuma menção ao fato concreto, à primariedade do agente ou a outras questões relevantes. Peças que, com a mudança do número do processo e do nome do réu, serviriam para crimes de ameaça ou latrocínio, indistintamente.

Assim, surgiu uma indagação em minha mente: como seria a defesa penal perfeita?

Neste texto, mencionarei, com frases curtas e sem muita preocupação estética, como imagino que seria uma defesa penal perfeita, considerando tudo que aprendi com grandes Advogados Criminalistas ou Defensores Públicos, assim como algumas coisas que vi, ouvi ou apliquei durante a minha experiência na apaixonante área criminal.

Evidentemente, como explico ao final deste artigo, isso que descrevo não é um modelo, tampouco um “tipo ideal”. É recomendável que não se imagine a defesa como um modelo pronto, abstrato e cabível para toda e qualquer hipótese semelhante. A defesa deve ser artesanal, mesmo que o termo esteja sendo tão vulgarizado ultimamente.

Aliás, quando digo “defesa penal perfeita”, não desconsidero que é impossível chegarmos à perfeição. Refiro-me, portanto, ao mais próximo possível da qualidade irrefutável. Aquela atuação que, mesmo se condenado, o cliente saberá que teve a melhor defesa possível.

Ao Advogado Criminalista que busque uma defesa penal perfeita cabe, conforme lição de Manoel Pedro Pimentel, “coragem de leão e brandura do cordeiro; altivez de um príncipe e humildade de um escravo; fugacidade do relâmpago e persistência do pingo d’água; rigidez do carvalho e a flexibilidade do bambu”.

A defesa penal perfeita seria corajosa, reconhecendo que não é subordinada aos Juízes, Promotores ou a quem quer que seja. Respeitaria todas as autoridades, mas não se calaria diante das arbitrariedades.

Contudo, seria calma e conciliadora, demonstrando serenidade, clareza e lucidez nas suas manifestações. Levantaria o tom da voz apenas quando necessário.

Teria a postura de quem sabe que desenvolve a atividade jurídica mais importante, qual seja, evitar, em todos os graus e em todas as áreas, o exercício arbitrário do poder. Teria orgulho de dizer que é Advogado Criminalista e que sua função não é apenas legitimar resultados processuais.

Seria humilde para admitir seus erros e para ouvir atentamente os mais experientes ou aquele com mais conhecimentos. Ouviria, igualmente, os menos experientes, pois a dúvida deles pode ser a “certeza inabalável” do prepotente.

Participaria das audiências em plena fugacidade. Teria rapidez para reverter as situações aparentemente prejudiciais e espontaneidade para fazer as perguntas às testemunhas. Evitaria esquemas ou listas de perguntas para as audiências, pois as melhores indagações surgem das respostas anteriores.

Seria persistente em todos os momentos: para acessar os autos quando houvesse negativa, para despachar com o Juiz, Desembargador ou Ministro… enfim, não aceitaria negativas que não se coadunem com suas prerrogativas.

Seria rígida em todas as suas postulações, não aceitando afirmações de que a defesa está sendo inconveniente ou está fazendo chicana. Inconveniente é quem exerce uma função à míngua da responsabilidade que detém ou dos subsídios/salários/honorários que recebe.

Teria flexibilidade para aceitar novos caminhos durante o processo, mudando a estratégia

defensiva, quando necessário.

A defesa penal perfeita torceria para enfrentar sempre, em todos os processos, a acusação perfeita. Ora, é impossível se defender adequadamente caso não se saiba qual é a acusação formulada. A terceira Lei de Newton diz que a toda ação corresponde uma reação de mesmo módulo, mesma direção e de sentidos opostos. Portanto, quanto melhor a acusação, maior a possibilidade de uma defesa penal perfeita.

Seria sempre combativa. Combateria cada prejuízo ao seu cliente: instauração de inquérito, indiciamento, denúncia, recebimento da denúncia, recusa de perguntas nas audiências, perguntas indevidamente formuladas pela acusação etc.

Seria insatisfeita! Havendo fundamento legal, jurisprudencial ou doutrinário, recorreria para anular, absolver, desclassificar, reduzir pena, buscar meios que substituam a prisão (suspensão condicional da pena e penas restritivas de direito, por exemplo) etc.

Saberia manejar os remédios constitucionais no processo penal, principalmente o “habeas corpus” e o mandado de segurança.

Buscaria teses não apenas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, mas também na de todos os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais.

Teria como princípio norteador a ética, não aceitando opções obscuras ou ilícitas, por mais tentadoras que possam parecer.

Faria uma contínua análise dos atos processuais, postulando a nulidade daqueles que violem princípios ou regras. Para tanto, estudaria, até a exaustão, todas as causas de nulidade, lembrando-se delas em cada minuto de sua atuação.

Preocupar-se-ia com os fatos, e não apenas com a legislação. Em suas peças processuais, não permaneceria limitada às questões jurídicas, mas também abordaria detalhadamente as questões fáticas.

Trataria o Direito Penal e o Processo Penal de forma interdisciplinar, estabelecendo um diálogo entre o fato objeto do processo criminal e outras disciplinas que não integram o Direito, como a Literatura, a Filosofia, a Sociologia e a Política.

Em caso de réu solto, usaria os prazos processuais quase que em sua integralidade, considerando que o passar do tempo é benéfico à defesa, porque possibilita a prescrição. Ora, se o prazo da resposta à acusação é de 10 dias, por que um Advogado devolveria o processo antes disso? Aliás, no decorrer do prazo, surgem novas teses e possibilidades normalmente não percebidas durante aquele indesejável senso de urgência para entregar os autos em pouquíssimos dias de carga. Em outros casos, as novas teses surgem quando o senso de urgência decorre da proximidade do fim do prazo. De uma forma ou de outra, a defesa penal perfeita utiliza o máximo de tempo possível para se manifestar.

Cumprindo seus prazos, a defesa penal perfeita exigiria o cumprimento do princípio constitucional da duração razoável do processo, principalmente em caso de réu preso. Não aceitaria o processo penal como tortura temporal ou o tempo como tortura processual.

Também não aceitaria negociatas quanto aos direitos do acusado. Assim, não aceitaria a realização de audiência sem a presença do réu preso, tampouco a inversão na ordem de oitiva das testemunhas. “Ah, mas o juiz me pediu para aceitar isso porque, caso contrário, atrasaria a pauta”. Não há justificativa! O processo penal não é lugar para “favorzinho”, mas sim para exercício de direitos.

Não aceitaria audiências curtas, com poucas perguntas, que apenas legitimam a condenação. Faria das audiências um momento profundo de análise do processo, mesmo que o julgador e o acusador estejam apáticos com apenas mais um processo na vida deles.

A defesa penal perfeita consideraria cada audiência criminal o momento mais importante da vida, assim como o faz, com razão, o acusado.

Na defesa penal perfeita, o Advogado Criminalista estaria em evidente e constante “estado de júri”, aquela sensação maravilhosa descrita por Evandro Lins e Silva, na qual a adrenalina está no auge e há uma infinitude de ideias e argumentos prontos para serem externados. Teria preocupação constante quanto ao processo, tentando desvendar e explorar cada detalhe de suas inúmeras

possibilidades materiais e processuais.

Diria ao cliente que o resultado não é garantido, mas, em seu íntimo, trataria o processo como se fosse uma obrigação de resultado.

Exigiria o cumprimento de todas as suas prerrogativas, do início do inquérito policial até a publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal.

A defesa perfeita teria experiência penal, resultados anteriores e conhecimentos acadêmicos ou, se ausentes algum desses requisitos, contrataria uma consultoria penal para acompanhar passo a passo o processo.

Conversaria com outros Advogados Criminalistas de confiança – respeitando o sigilo – sobre questões processuais, esperando ter novas ideias para a defesa.

Atuaria psicologicamente em prol do seu cliente. Demonstraria que há inúmeras opções para não ser preso (transação, suspensão condicional do processo, sursis, PRD…) e que, se ele for preso preventivamente, há inúmeras medidas cabíveis para revogar ou relaxar essa prisão. Salientaria, sempre que possível, que sabe da importância do processo e que não o considera apenas um amontoado de folhas.

Iria aos meios de comunicação (jornais, rádios, TV…) defender o cliente, quando necessário, sem objetivar a autopromoção do seu trabalho.

Em suma, a defesa penal perfeita seria única, concreta, artesanal e não poderia ser carreada a nenhum outro processo, ainda que relativo ao mesmo tipo penal, pois, por mais semelhantes que sejam, todos os processos envolvem especificidades incalculáveis. E a defesa penal perfeita é isto: cuidar da especificidade.

Evinis Talon

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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