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A delação premiada e a ética no fundo do poço

A delação premiada e a ética no fundo do poço

Um dos assuntos mais comentados dos últimos dias foi a jogada de mestre do pessoal da JBS. Eles, juntamente com a Globo e o MPF, vazaram os áudios com o Temer e o Aécio envolvidos em crimes: de pagamento de propina, de Responsabilidade e etc.

Resultado da delação: a Bolsa de São Paulo perdeu R$ 219 bilhões. O dólar explodiu. Os caras da JBS, espertamente, compraram US$ 1 bilhão na baixa e, diante da hecatombe que eles mesmos provocaram, venderam na alta, lucraram e pagaram a multa que lhes foi imposta no acordo de delação premiada.

Genial; mas imoral – mas quem disse que há moralidade nesse mundo dos negócios, não é?

A grande questão é: há ou não há uma banalização da Delação Premiada na Operação Lava-Jato? Importa lembrar quando o procurador da República, Manoel Pastana, acerca das prisões na Operação Lava Jato, chegou a dizer que “passarinho para cantar precisa estar preso”. Aí fica aquilo: passarinho para cantar precisa estar preso e tem passarinho que canta para não ser engaiolado…

Mas queiramos ou não, a delação está presente em nosso ordenamento jurídico. Sobre ela diversas leis tratam do assunto, a exemplos da lei dos crimes hediondos (lei 8072/1990); o Código Penal (CP, artigo 159, parágrafo quarto); lei de lavagem de dinheiro; lei de proteção a vítimas e a réus colaboradores (lei 9807/1999); lei antidrogas (lei 11343/2006) e lei de crime organizado (lei 12850/2013).

Delação premiada é um benefício legal concedido a um criminoso delator, quando este aceita colaborar na investigação ou entregar seus companheiros.

Ela pode beneficiar o acusado com:

  • Diminuição da pena de 1/3 a 2/3;
  • Cumprimento da pena em regime semiaberto;
  • Extinção da pena;
  • Perdão Judicial.

Até aqui tudo certo, mas vamos falar primeiramente sobre a afirmação que eu fiz no começo do parágrafo acima: “delação premiada é um benefício legal concedido a um criminoso delator”. Desenhando a frase agora: é um criminoso que ajuda o Estado a cumprir o seu papel, combater o crime.

Segundo o advogado baiano Gamil Foppel,

a delação premiada é o reconhecimento da absoluta e manifesta falência do sistema investigativo estatal. [...] É dizer, utilizar-se de um criminoso para combater o próprio crime é, a um só tempo, valer-se de um meio de questionável padrão ético, confessando, ao mesmo tempo, que o estado não teve capacidade para identificar e comprovar a autoria e a materialidade de fatos puníveis.

O Estado Brasileiro, tal como em Gotham City, está em plena decadência e precisa de um Batman para combater o crime. Aqui não temos Batman, mas somos ajudados pelos próprios criminosos.

Acontece que é aqui que eu quero chegar: somos ajudados?

Não, não somos ajudados. Ajuda é coisa gratuita, pois do contrário estamos falando em onerosidade, bilateralidade, sinalagmatismo ou quaisquer outros termos bonitos assim do Direito Civil que versem sobre contratos. Sim, Delação Premiada é, antes de tudo, um contrato onde o criminoso se compromete a falar a verdade e o Estado, a retribuí-lo por isto. Aqui então, senhores e senhoras, chegamos ao fundo do poço: a verdade virou moeda de troca.

Falar a verdade é uma obrigação humana. Obrigação esta que quando não cumprida coloca toda a segurança e organização do tecido social em perigo.

Negociar a verdade? Já vi que o dinheiro pode comprar a liberdade, mas não o bom caráter. Aliás, por falar em dinheiro, é o amor a ele que é a raiz de todo o crescimento do mau caratismo na essência humana. Foi por dinheiro que os delatores que estão na mídia se corromperam…

Ainda segundo Gamil Foppel,

(a delação premiada) é medida de duvidosa moralidade (moralidade que é um dos princípios basilares do ordenamento constitucional), tendo em vista que o estado se vale da palavra de um investigado para condenar os demais e, em uma troca de concessões, propor-lhe penas mais brandas ou, até mesmo, a extinção da punibilidade pelo perdão judicial.

A delação premiada encontra seu alicerce não no arrependimento do criminoso, mas numa nova investida reprovável do cidadão que cometeu o crime para se beneficiar e se compromete a colaborar com as investigações, se for beneficiado. É o ápice da corrupção e da degradação humana.

E a coisa beira ao escárnio quando vemos que muitos estão fazendo a delação justamente para obter o perdão judicial. Mas surge a pergunta: é legal a forma como as delações que ofertam o perdão judicial estão acontecendo? Pelo menos no que diz respeito a esta delação do Joesley Batista, não.

Por que não? Porque perdão judicial só pode ser concedido por sentença ou acórdão do poder judiciário, sendo causa extintiva de punibilidade, que faz “coisa julgada material”. Isto é: para que haja o perdão judicial é preciso que tenha havido, primeiro, um processo contra aquele que gozará do perdão judicial.

Ou melhor desenhando: perdão judicial não é a mesma coisa que “não oferecimento da denúncia”. Não existe em nenhum lugar, em especial da lei 12.850/13, autorização para que alguém faça delação e, sem processo contra si em tramitação, goze do perdão judicial. Além do mais, o perdão judicial é a ultima ratio, devendo, antes dela, o magistrado reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos.

É interessante o que diz a lei 9.807/99 acerca do Perdão Judicial. Segundo ela,

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Veja: poderá(!) conceder o perdão judicial – sendo que a concessão do perdão judicial levará em conta a repercussão social do fato criminoso. Ora, quem duvida que o país está cansado de tanta corrupção e que não é correto vermos um empresário sucateando o Brasil, comprando político e, após uma delação onde demonstra o seu envolvimento com pagamento de propinas, ter como prêmio o direito de ir morar em Nova York?

Sabe aquela história que o crime não compensa? Pois: da forma como as delações estão sendo feitas aqui no Brasil, o crime compensa e muito. O que é lamentável.

Wagner Francesco

Bacharel em Teologia e Direito (BA)

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