Delegado de Polícia tem prerrogativa de foro?
Por Ruchester Marreiros Barbosa
Um tema que pode ser discutido em prova para ingresso ao cargo de delegado de polícia dos Estados é, certamente, se poderia a Constituição Estadual conferir foro por prerrogativa de função ao delegado. Por esta razão teceremos alguns comentários sobre o assunto, em especial, uma pequena análise à luz da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, de cuja lógica é perfeitamente aplicável a outros Estados da federação.
O Estado do Rio de Janeiro possui previsão em sua Constituição Estadual de foro ratione personae, em seus atuais artigos 161, IV, alíneas c e d, e 345, V. Por esses dispositivos, a Constituição Estadual prevê o Tribunal de Justiça como competente para o julgamento de crimes comuns do Vice-Governador do Estado e dos Deputados Estaduais. Para o caso de crimes comuns e de responsabilidade, o Tribunal de Justiça também julgará os Secretários de Estado, ressalvados os crime de responsabilidade conexos com o de Governador do Estado, caso em que o julgamento dar-se-á pela Assembleia Legislativa; os juízes estaduais; os membros do Ministério Público; os membros das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública; os delegados de polícia; os prefeitos; os vice-prefeitos; e os vereadores.
Embora haja essa delimitação no âmbito da Constituição Estadual, alguns desses dispositivos encontram-se sub judice, pois foram objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 558, que ainda pende de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
O Procurador-Geral da República questionou a constitucionalidade do foro por prerrogativa de função atribuído aos membros das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública, aos delegados de polícia, vice-Prefeitos e vereadores, sob a alegação de que os dispositivos seriam atentatórios ao Princípio do Juiz Natural, retirando-lhe a competência para julgamento. A referida ação também questiona diversos outros dispositivos constitucionais e seu pedido de medida cautelar não contemplou as normas relativas ao foro especial; logo, enquanto não ocorrer o julgamento final da demanda, as regras ainda estarão em vigor. Contudo, pela via incidental, o Tribunal de Justiça manifestou-se pela inconstitucionalidade do foro especial concedido a vereadores, na Argüição de Inconstitucionalidade nº 1/2006. No julgamento das Peças de Informação nº 38/2001, o Egrégio Tribunal de Justiça entendeu ser o Órgão Especial incompetente para o julgamento de Delegado de Polícia, concluindo pela inconstitucionalidade da norma estadual que assim dispõe.
Com relação aos membros das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública, na Queixa Crime nº 04/2005, firmou-se a interpretação no sentido de que a Constituição Estadual refere-se ao Procurador-Geral do Estado, ao Procurador-Geral da Assembleia Legislativa e ao Defensor Público Geral, não conferindo foro especial aos membros das instituições, mas apenas aos Chefes institucionais, razão pela qual declarou o Órgão Especial incompetente para o julgamento da ação penal respectiva. Ainda em se tratando do Procurador-Geral do Estado, cumpre esclarecer que, apesar de ter seu foro pro prerrogativa de função questionado na Ação Direta de Inconstitucionalidade junto à Corte Suprema já mencionada, o cargo integra o Secretariado Estadual, segundo o artigo 5º da Lei Complementar Estadual nº 15, de 25 de novembro de 1980, o que gera a concessão da prerrogativa em virtude da simetria com a Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2587-2 (2004), entendeu pela inconstitucionalidade da norma do Estado de Goiás que concedeu o foro especial ao delegado de polícia, mas julgou a demanda improcedente, reconhecendo a constitucionalidade da prerrogativa conferida a defensores públicos, procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa, resolvendo a questão.
O Regimento Interno do Tribunal de Justiça determinou que a competência para julgamento das ações penais contra Prefeitos Municipais por crimes comuns será da Seção Criminal. Todavia, o foro especial é garantido aos Prefeitos pela Constituição Federal, não podendo persistir qualquer dúvida acerca de sua constitucionalidade. Apenas o que fez o Tribunal foi delegar a um de seus órgãos fracionários a competência para o julgamento. Ainda no Regimento Interno, delimitou-se a atuação do Órgão Especial, órgão fracionário representativo do Tribunal Pleno, no sentido de sua competência originária para processar e julgar o Vice-Governador, os Deputados Estaduais e os Secretários de Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade, quando não conexos com o de Governador do Estado, repetindo dispositivo da Constituição Estadual não questionado pela via abstrata. Também será competente o Órgão Especial para conhecer das ações penais originárias contra juízes estaduais e membros do Ministério Público. Ao Órgão Especial compete, ainda, o processo e julgamento dos Procuradores-Gerais da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressaltando que essas autoridades gozam de prerrogativas de Secretário de Estado, razão pela qual reconhece o Tribunal de Justiça sua competência para julgá-las (RITJ, 2009).
Com relação ao Vice-Prefeito, a Constituição Estadual garantiu-lhe o foro especial no Tribunal de Justiça. Esse dispositivo, contudo, se encontra no rol dos discutidos na ADI nº 558, sendo certo que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça Estadual não o incorporou a seu texto. Conclui-se, então, que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro confere o foro por prerrogativa de função a autoridades estaduais e municipais, chegando a exceder o limite da simetria constitucional.
O Tribunal de Justiça, por sua vez, confere novo limite, por meio da incorporação de algumas das competências em seu Regimento Interno e da declaração incidental de inconstitucionalidade do foro especial para outras autoridades. Apesar das já mencionadas restrições, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 721, cujo enunciado estabelece que “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”.
A Corte Suprema, por esse enunciado, parece ter entendido que as Constituições Estaduais podem estabelecer foro especial que não sejam meras normas de repetição da Constituição da República Federativa do Brasil. Ou seja, as normas estaduais poderia ir além da mera distribuição de atribuição interna de organização judiciária, o que, certamente, se coaduna com o princípio federativo e a autonomia dos entes federados.
No que pese esta análise, entendemos que o foro deve se referir a crimes praticados no exercício da função, sendo teratológico qualquer julgamento dissociado desta lógica.
tido em prova para ingresso ao cargo de delegado de polícia dos Estados é, certamente, se poderia a Constituição Estadual conferir foro por prerrogativa de função ao delegado. Por esta razão teceremos alguns comentários sobre o assunto, em especial, uma pequena análise à luz da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, de cuja lógica é perfeitamente aplicável a outros Estados da federação.
O Estado do Rio de Janeiro possui previsão em sua Constituição Estadual de foro ratione personae, em seus atuais artigos 161, IV, alíneas c e d, e 345, V. Por esses dispositivos, a Constituição Estadual prevê o Tribunal de Justiça como competente para o julgamento de crimes comuns do Vice-Governador do Estado e dos Deputados Estaduais. Para o caso de crimes comuns e de responsabilidade, o Tribunal de Justiça também julgará os Secretários de Estado, ressalvados os crime de responsabilidade conexos com o de Governador do Estado, caso em que o julgamento dar-se-á pela Assembleia Legislativa; os juízes estaduais; os membros do Ministério Público; os membros das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública; os delegados de polícia; os prefeitos; os vice-prefeitos; e os vereadores.
Embora haja essa delimitação no âmbito da Constituição Estadual, alguns desses dispositivos encontram-se sub judice, pois foram objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 558, que ainda pende de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
O Procurador-Geral da República questionou a constitucionalidade do foro por prerrogativa de função atribuído aos membros das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública, aos delegados de polícia, vice-Prefeitos e vereadores, sob a alegação de que os dispositivos seriam atentatórios ao Princípio do Juiz Natural, retirando-lhe a competência para julgamento. A referida ação também questiona diversos outros dispositivos constitucionais e seu pedido de medida cautelar não contemplou as normas relativas ao foro especial; logo, enquanto não ocorrer o julgamento final da demanda, as regras ainda estarão em vigor. Contudo, pela via incidental, o Tribunal de Justiça manifestou-se pela inconstitucionalidade do foro especial concedido a vereadores, na Argüição de Inconstitucionalidade nº 1/2006. No julgamento das Peças de Informação nº 38/2001, o Egrégio Tribunal de Justiça entendeu ser o Órgão Especial incompetente para o julgamento de Delegado de Polícia, concluindo pela inconstitucionalidade da norma estadual que assim dispõe.
Com relação aos membros das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública, na Queixa Crime nº 04/2005, firmou-se a interpretação no sentido de que a Constituição Estadual refere-se ao Procurador-Geral do Estado, ao Procurador-Geral da Assembleia Legislativa e ao Defensor Público Geral, não conferindo foro especial aos membros das instituições, mas apenas aos Chefes institucionais, razão pela qual declarou o Órgão Especial incompetente para o julgamento da ação penal respectiva. Ainda em se tratando do Procurador-Geral do Estado, cumpre esclarecer que, apesar de ter seu foro pro prerrogativa de função questionado na Ação Direta de Inconstitucionalidade junto à Corte Suprema já mencionada, o cargo integra o Secretariado Estadual, segundo o artigo 5º da Lei Complementar Estadual nº 15, de 25 de novembro de 1980, o que gera a concessão da prerrogativa em virtude da simetria com a Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2587-2 (2004), entendeu pela inconstitucionalidade da norma do Estado de Goiás que concedeu o foro especial ao delegado de polícia, mas julgou a demanda improcedente, reconhecendo a constitucionalidade da prerrogativa conferida a defensores públicos, procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa, resolvendo a questão.
O Regimento Interno do Tribunal de Justiça determinou que a competência para julgamento das ações penais contra Prefeitos Municipais por crimes comuns será da Seção Criminal. Todavia, o foro especial é garantido aos Prefeitos pela Constituição Federal, não podendo persistir qualquer dúvida acerca de sua constitucionalidade. Apenas o que fez o Tribunal foi delegar a um de seus órgãos fracionários a competência para o julgamento. Ainda no Regimento Interno, delimitou-se a atuação do Órgão Especial, órgão fracionário representativo do Tribunal Pleno, no sentido de sua competência originária para processar e julgar o Vice-Governador, os Deputados Estaduais e os Secretários de Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade, quando não conexos com o de Governador do Estado, repetindo dispositivo da Constituição Estadual não questionado pela via abstrata. Também será competente o Órgão Especial para conhecer das ações penais originárias contra juízes estaduais e membros do Ministério Público. Ao Órgão Especial compete, ainda, o processo e julgamento dos Procuradores-Gerais da Assembleia Legislativa e da Defensoria Pública, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressaltando que essas autoridades gozam de prerrogativas de Secretário de Estado, razão pela qual reconhece o Tribunal de Justiça sua competência para julgá-las (RITJ, 2009).
Com relação ao Vice-Prefeito, a Constituição Estadual garantiu-lhe o foro especial no Tribunal de Justiça. Esse dispositivo, contudo, se encontra no rol dos discutidos na ADI nº 558, sendo certo que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça Estadual não o incorporou a seu texto. Conclui-se, então, que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro confere o foro por prerrogativa de função a autoridades estaduais e municipais, chegando a exceder o limite da simetria constitucional.
O Tribunal de Justiça, por sua vez, confere novo limite, por meio da incorporação de algumas das competências em seu Regimento Interno e da declaração incidental de inconstitucionalidade do foro especial para outras autoridades. Apesar das já mencionadas restrições, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 721, cujo enunciado estabelece que “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”.
A Corte Suprema, por esse enunciado, parece ter entendido que as Constituições Estaduais podem estabelecer foro especial que não sejam meras normas de repetição da Constituição da República Federativa do Brasil. Ou seja, as normas estaduais poderia ir além da mera distribuição de atribuição interna de organização judiciária, o que, certamente, se coaduna com o princípio federativo e a autonomia dos entes federados.
No que pese esta análise, entendemos que o foro deve se referir a crimes praticados no exercício da função, sendo teratológico qualquer julgamento dissociado desta lógica.