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Quem ganha com a suspensão do julgamento sobre a descriminalização do uso de drogas do STF?

Quem ganha com a suspensão do julgamento sobre a descriminalização do uso de drogas do STF?

Com o oculto pretexto de acatar o “pacto entre os poderes”, o presidente do STF suspendeu e adiou o julgamento do RE n. 635.659 interposto pela Defensoria Pública de São Paulo em 2011, sobre descriminalização do uso de drogas, iniciado em 2015, que teria prosseguimento nesta quarta-feira (05/06).

Descriminalização do uso de drogas

Não obstante, nos últimos anos temos presenciado em diversas nações, após passarem por décadas de política proibicionista de drogas, flexibilizarem, aos poucos, a repressão penal.

Especialmente no que tange ao uso, depois da Holanda, tem-se, recentemente, os Estados Unidos da América (em alguns estados), Austrália (também em alguns estados) a Turquia, Portugal, Espanha e o Uruguai. Ainda, pode-se citar casos como o da Itália, Argentina, Bélgica, Peru, Colômbia, México, Ucrânia, Suíça, entre tantos outros.

Enfim, estima-se que em pelo menos 30 democracias do mundo possuem uma política de drogas menos punitiva que a do Brasil, às vezes pela liberação de pequena quantidade para consumo, ou mesmo para uso medicinal.

Muito bem, para além da ala moralmente conservadora que comemorou essa suspensão do julgamento do STF, há grandes grupos interessados na “Guerra às drogas”.

Antes, porém, cabe algumas reflexões sobre as origens da proibição de drogas, para, após, analisarmos as razões do fracasso da denominada “Guerra às Drogas”, e, por fim, evidenciar quem se beneficia com essa política criminal de drogas.

Neste sentido, para se entender bem a origem da criminalização das drogas (uso e/ou venda), é importante ficar claro, primeiramente, que a principal razão foi de natureza político-econômica, de modo que a questão da segurança pública, desde o início, foi sempre um subterfúgio, uma desculpa para encobrir os reais interesses, aprimorada, naturalmente, com o passar das décadas.

Muito bem, a criminalização teve início nos Estados Unidos, de forma que, em meados da década de 1910, começou-se a proibir o uso de ópio, substância que era fumada pelos imigrantes chineses. Poucos anos depois da proibição, veio a criminalização.

Mas o real interesse era exatamente a reserva de mercado de trabalho para os americanos, já que a quantidade de imigrantes acirrava a concorrência, o que exigiu, assim, uma desculpa para neutralizar esta população.

Neste ponto é bom destacar que as pesquisas (especialmente do juiz Luis Carlos Valois) apontam que, como a identificação dos usuários se dava pela fumaça do ópio, os chineses, para disfarçar, passaram, neste período, a injetar heroína (substância semelhante), o que piorou, naturalmente, contribuindo para a proliferação de doenças pela reutilização das seringas.

Agora, o que levou à conclusão de que a proibição se dava por essas razões, é exatamente o fato de que outras drogas como a cocaína, utilizadas pela elite da época, não foram proibidas. Aliás, poucos anos antes, no velho continente, o Papa Leão XIII defendia o uso e o próprio Sigmund Freud – psiquiatra, e pai da psicanálise – ainda prescrevia (apesar de ter depois se arrependido, após constatar a dependência) a seus pacientes o uso da cocaína para curar depressões.

E essa política americana de repressão criminal às drogas foi, aos poucos, se expandindo de forma tão forte, e chegando a alcançar outras drogas, até atingir o seu apogeu em governos como o de Richard Nixon (1969/1974) e Ronald Reagan (1981/1989).

Assim, através deste discurso fácil e sedutor, de que as drogas são o maior mal da atualidade e que a única solução são as cadeias, essa política, com origens eminentemente político-econômicas, foi-se proliferando para os quatro cantos.

Ocorre que, com as evidências das contradições e ineficácias desta postura, seguindo diversos países (já citados acima), nos últimos anos os Estados Unidos vêm, como já dito, abandonada essa estratégia e buscando alternativas.

Já o nosso Brasil, como de costume, sempre correndo atrás, ainda tem dificuldades em entender a importância de alternativas à repressão penal às drogas!

Agora, não bastasse a claramente questionável motivação originária para a criminalização das drogas, as consequências sempre foram por demais desastrosas, cabendo aqui analisar a questão da seletividade da denominada “guerra às drogas” (expressão nomeada primeiramente pelo presidente americano Richard Nixon).

Para tanto, importante dividir o fenômeno da criminalização em duas partes: a da escolha de quais drogas proibir; e a de quem perseguir/investigar/punir.

A começar pela escolha das substâncias proibidas, importante destacar que, como se sabe, embora haja a Lei 11.343/06 que prevê como crimes o tráfico e o consumo, é através de portaria do Ministério da Saúde (Anvisa) que se determina quais drogas proibir.

E daí que se questiona quais são os critérios de seleção do que proibir, já que não se apresentam justificativas. Por isso que é importante ressaltar a incoerência de uma sociedade como a nossa, em que pessoas vivem à base de medicamentos como o Rivotril, mas proíbe substâncias como a maconha, que proporciona sensações de calmaria semelhantes (ao Rivotril), a ponto de inclusive estar sendo comprovado por pesquisas recentes que, com a dose certa, a maconha tem servido como importante meio de tratamento de doenças como epilepsia, Alzheimer ou mesmo dores crônicas.

Ainda, em relação à questão da violência, sabe-se que drogas como a maconha não estimulam comportamentos violentos, já que ocasiona como principais efeitos o aumento do apetite (fome) e o relaxamento (às vezes até sonolência). Por outro lado, substâncias como bebidas alcoólicas, acabam por, não raras vezes, fomentar comportamentos agressivos. Não por outra razão que as estatísticas apontam que a maior parte dos crimes praticados sob efeito de substâncias, o é sob efeito de álcool – que é legalizado.

Já em relação à segunda questão, os alvos das persecuções penais, infelizmente há também uma seletividade. Isto porque, como se sabe, a “guerra às drogas” só alcança os pequenos e pobres traficantes, uma vez que os grandes traficantes estão imunizados. Seja pela corrupção, pela seletividade inconsciente ou, ainda, seja pela precariedade de nossas agências penais (tanto de formação do pessoal, quanto a estrutura e tecnologia disponibilizada).

E isto, como se percebe, não é por acaso! O Poder Público não tem interesse em aprimorar as agências penais, já que isto pode colocar inclusive os seus membros em risco.

Por outro lado, não parece que a criminalização seja a única opção, tendo em vista que há sim alternativas, como as políticas de desincentivo das campanhas educativas ou outros tratamentos – como adesivos com nicotina – que, nos últimos anos, combateram e muito o vício por cigarros. E, na época, como se pode pensar hoje em relação às drogas, se dizia que era impossível educar para se largar o vício de cigarros…

Apesar de menos punitivos, não significa que estes tratamentos alternativos às drogas sejam menos eficazes. Pelo contrário, já que, no Brasil, desde que se tem apostado tão somente no Direito Penal para combater as drogas, a traficância e a violência só têm aumentado.

Mas afinal, quem se beneficia com a suspensão do referido RE n. 635.659?

Os reais interessados nesse proibicionismo, na realidade, são poucos, como: os grandes traficantes, as milícias e as organizações criminosas, que lucram diretamente; políticos financiados; os fomentadores da cultura do medo, para garantir vultuosos patrocínios midiáticos e justificar altos salários das agências penais, bem como de honorários dos advogados; indústria bélica; instituições mais suscetíveis à lavagem de dinheiro, como ligadas ao futebol, joias, gados, algumas igrejas etc.

Todos esses grupos, como se observa, estão imunes à “Guerra às drogas”!

A bem da verdade, como explicou Zaffaroni, a questão das drogas não é um problema jurídico, mas econômico, especialmente porque, com Sebastian Scheerer, entendemos que é impossível o direito penal revogar uma lei de mercado, da oferta e da procura!


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Núbio Mendes Parreiras

Mestrando em Direito Penal. Especialista em Ciências Penais. Advogado.

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