E se houvesse a descriminalização da maconha?
A ideia do projeto E SE? é incentivar os leitores do Canal Ciências Criminais a pensar sobre o futuro do sistema criminal brasileiro como um todo e permitir reflexões sobre a forma como estamos o conduzindo. Semanalmente serão formuladas perguntas envolvendo temas polêmicos, com a finalidade de estimular debates e discussões.
Pergunta de hoje
E se houvesse a descriminalização da maconha?
Respostas
Conforme dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aproximadamente 1/3 dos presos foram condenados por crimes ligados ao tráfico de drogas. Com a legalização da maconha, o número de encarcerados diminuiria e a questão poderia ser tratada no âmbito da saúde pública. Também poderia diminuir o número de crimes contra o patrimônio, já que muitos desses delitos são praticados por usuários de drogas, e com a legalização, juntamente com uma política voltada à prevenção e tratamento dos viciados, estes seriam retirados da marginalidade.
FLÁVIO LUCIO LEITE JÚNIOR – Assistente Judiciário TJSP e Especialista em Ciências Penais (UFJF)
O assunto acerca da descriminalização das drogas no Brasil, principalmente referente ao uso da maconha, vem a tempos sendo discutido e divide opiniões. A lei 11.343/06 veio flexibilizando a legislação, onde houve o descarcerização do artigo 28, no qual o usuário não será preso quando estiver com a posse para uso. Outrossim, a lei em seu teor, há a disponibilização gratuita para o infrator de estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. Ocorre que, na prática este encaminhamento não acontece, o que prejudica a finalidade da Lei. Concordo que encarcerar o usuário não seja a solução, mas precisamos dar maior atenção por se tratar de saúde pública, bem como, devemos aplicar a Justiça Terapêutica, trabalhar e direcionar o usuário e a população em geral para prevenção e tratamento. Um ponto de grande relevância, é que a decisão de usar substâncias entorpecentes interfere sim no direito coletivo, pois segundo dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), indicam que, para cada dependente de drogas, existem mais quatro pessoas afetadas, em média, no âmbito familiar e de diversas formas, atingindo cerca de 30 milhões de brasileiros. Outrossim, descriminalizar a maconha não combaterá o Tráfico Internacional de Drogas, pois este já está enraizado e conectado mundialmente, inclusive em países que já legalizaram o uso da mesma. Não existe absolutamente nenhuma evidência que a legalização esteja resolvendo o problema no mundo. Segundo pesquisas, no Brasil, o álcool, o tabaco e a maconha são as principais drogas utilizadas pelos adolescentes. Segundo Storr: ‘Os problemas de comportamento grave podem estar relacionados com maior risco para o uso de todas as drogas, mas a associação com relação ao comportamento delinquente pode ser mais forte para o uso da maconha que para o uso do álcool ou do tabaco.’ Outrossim, vários estudos apontam que a maconha é a substância mais usada por adolescentes e está associada a atos infracionais, ou seja, o uso de drogas precede a prática delinquente. Em uma pesquisa realizada em Porto Alegre permitiu concluir que 54% das vítimas de homicídio apresentaram resultado positivo para alguma das três substâncias (bebida alcoólica, THC, cocaína ou alguma combinação entre elas), Do total de exames, foi constatado que 30% das vítimas de homicídio apresentaram resultado positivo para THC, ou seja, maconha. Legalizar talvez não seja a melhor solução, mas podemos começar as mudanças, fixando uma quantidade mínima de droga para tipificação entre tráfico e porte. Também, fixando penas mais brandas para usuários e pequenos traficantes. Vale ressaltar que penas mais brandas não significa descriminalizar.
BÁRBARA FUZÁRIO – Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal, Professora em Segurança Pública e Privada
A descriminalização seria um avanço, já que diversos projetos de lei, inclusive de iniciativa popular, foram propostos nesse sentido (veja-se, a título de exemplo, o projeto de lei 7270/14 e sugestão 8) graças tanto a resultados positivos obtidos no campo terapêutico, quanto ao sucesso da referida legalização em outros países que, ao contrato de previsões pessimistas, não incrementou a criminalidade, mas diminuiu o nível do tráfico. Nesta senda, ainda é preciso considerar a evidente disparidade de tratamento em relação a substâncias tão ou mais devastadoras, tais como o álcool e o tabaco, de maneira que há latente violação à proporcionalidade na criminalização da maconha, o que gera ao réu medida muito mais gravosa sem qualquer justificativa constitucional. Enfim, atualmente verifica- se a prevalência de interesses econômicos se sobrepondo à lógica das opções legislativas.
PEDRO CÂMARA BARBOSA – Acadêmico de Direito e Estagiário do TJ/PR
Muitas discussões são travadas a respeito da descriminalização da maconha, o que não se percebe é que o imbróglio levantado no STF, gira em torno da descriminalização do porte de maconha para o consumo pessoal. Do mesmo modo que aconteceu com o tabaco e com as bebidas alcoólicas, com a maconha não pode ser diferente, o caminho é descriminalizar o porte para consumo pessoal, o que por si só, notabilizaria-se uma redução drástica nas contas das facções criminosas que possuem o monopólio das drogas em geral, arrecadando bilhares e bilhares de dólares com o comércio ilegal das substâncias ilícitas, no caso, a maconha. Ora, milhares de pessoas são presas diariamente pelo crime de tráfico de drogas por portarem pequenas quantidades de maconha, o que visivelmente seria para consumo pessoal. O plano de incentivo ao combate às drogas do Governo fracassou (são 50 anos de combate), há muito que não temos uma solução concreto (foram bilhões de dólares investidos) e milhares de morte, pelo contrário, só aumenta o poder inverso daqueles que dominam esse comércio ilegal de drogas, e que se analisarmos diversas estatísticas e artigos, perceberemos com a maior facilidade que o consumo aumentou. Nota-se, de forma cristalina, que os presídios estão sendo cada vez mais preenchidos por “usuários” e traficantes. Outrossim, estamos em ótica inversa, fechando os olhos, será que estamos resolvendo mesmo o problema? Ou, estamos cada vez mais dando poder às facções? É nítido, que a maior população carcerária é preenchida por traficantes, e, ademais, os presídios são totalmente dominados por facções criminosas; Significa dizer, Senhores(as), que nossas políticas só estão formando exércitos obscuros com manifesto poder bélico, patrimonial e corruptível. Não para delongar a presente opinião, mas concordo com posição já explícita do Min. Luis Roberto Barroso, onde devemos fixar premissas “droga é uma coisa ruim”, e a partir daí, qualquer política pública deverá ser em prol de desincentivar o consumo, tratar os dependentes e combater o poder do tráfico. E o primeiro passo a ser dado, além dos já levantados, é combater o poder opressivo do tráfico nas comunidades carentes. O tráfico impede que o pai e a mãe eduque honestamente e sob princípios os seus filhos, posto que o tráfico coopta os indivíduos, ainda jovens e promover uma falsa ideia de dinheiro e poder, e o que aquela população mais almeja, “condições melhores de vida”. Não que o tráfico é melhor do que trabalhar, mas aqueles que passam fome e não tem dinheiro para comprar bens para sua própria casa ou comida para seus filhos, logicamente se sentirá absurdamente atraído. Por fim, penso que o Estado deveria tratar a maconha tal como trata o tabaco (cigarro), como atividade econômica, assim, podendo tributar, regular e exigir informações, cláusulas de advertências e contrapropagandas. Ao longo dos anos, poderíamos perceber, talvez, o mesmo que aconteceu com o cigarro, uma redução abrupta, em pouco mais de duas décadas de 35 para 15% o consumo. Assim, o Estado poderia regular e fiscalizar o mercado, monitorando, de toda sorte, a segurança pública.
MACKYSUEL MENDES LINS – Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal e Processual Penal
Descriminalizar a Cannabis seria um acerto ao Estado de Direito, respeitando, assim, o direito à liberdade, bem como a retirada da produção e comércio gerenciados pelo mercado negro, quiçá se tendo um efetivo controle organizado pelo Estado. Outrossim, a pessoa tem o direito de fazer da própria vida o que bem entender, por exemplo, a prática de suicídio, conduta esta (obviamente) não criminalizada em nosso país. Seguido esse raciocínio, questionamos: se alguém tenta retirar a própria vida e não é punido, mas sim ajudado (CVV, telefone 188, p. ex.), por quais motivos imputaríamos uma sanção a alguém que faz uso de substancias psicoativas? E se fosse disponibilizado uma espécie de centro de controle ao uso de drogas, prestando apoio ao usuário imoderado (de fato demonstrando preocupação com a saúde)? Ademais, o número de presos (condenados e provisoriamente) por tráfico de drogas vem aumentando, entrementes, temos também um gritante aumento no poderio de facções criminosas. Igualmente, a opção por repressão penal sobre drogas ilícitas se mostrou onerosa e ineficaz em questões de saúde pública, pois em nada enfraqueceu traficância, não controlou o uso, as drogas estão cada vez mais potentes, as penitenciárias mais cheias de “pequenos traficantes de drogas” e guerras entre grupos seguem aterrorizando a sociedade. Ainda, o mercado ilícito de drogas é extremamente rentável, sendo o tráfico responsável por movimentar bilhões de reais, o que boa parte desse capital poderia estar se dirigindo ao poder público. Estamos no caminho certo?
MARTIN GROSS – Acadêmico de Direito
E se houvesse a descriminalização da maconha? Basta uma breve pesquisa em sites de buscas para verificar que diversos países já regulamentaram a comercialização e consumo da substância, popularmente conhecida como maconha, porém o Brasil ainda resta inerte sobre o tema, sem previsão de data para votação pelo Supremo Tribunal de Federal, desde o ano de 2015. Umas das principais argumentações em defesa da descriminalização da maconha é que haveria uma redução razoável, ou até mesmo a extinção – para os mais confiantes – do tráfico de drogas, porém, é claro, que o aniquilamento em si jamais seria atingido, visto que, em relação à comercialização ilícita de entorpecentes, não se está envolto apenas a maconha. Observando o senso comum, muitos propalam a ideia de que da maconha seria a porta de entrada para drogas ilícitas “mais pesadas”, entretanto, tal opinião resta amplamente rebatida, sendo comprovado que é o consumo do álcool que impulsiona o ser humano ao uso de demais entorpecentes que causam severa dependência química. Deve-se atrelar à ideia de que, consideravelmente, nos países que aderiram a descriminalização da maconha, índices de criminalidade diminuíram, principalmente no que diz respeito a condenações judiciais por tráfico de drogas. O tema é extremamente abrangente, mas necessita de uma análise cautelosa para se chegar a descriminalização da maconha de forma generalizada, levando-se em conta, exclusivamente, o seu uso terapêutico para tratamento de doenças raras, sendo este, talvez, o ponta pé inicial para que se regularize o uso desta substância de forma mais ampla, que não somente para tratamento medicinal. Quanto a este assunto, sabido é que o uso terapêutico da cannabis sativa tem salvado milhares de pessoas de doenças incuráveis, é claro que não sanando a doença em si, mas sim amenizando os sintomas pelo uso do extrato da planta, pois o tratamento viabiliza a esses enfermos qualidade de vida sem dores frequentes e, principalmente, constantes ataques epiléticos, entre outros sintomas. Portanto, a discussão do tema é de suma importância, pois não abrange somente o teor da criminalidade em si, mas também, o uso da substância para fins terapêuticos que restam mais do que comprovados a sua grande eficácia para aqueles que, desesperançosos se encontram, por não possuírem outras opções de tratamento de saúde. Assim sendo, seria uma grande vitória para o Brasil se a maconha fosse descriminalizada, ao menos, para proporcionar bem estar àqueles que dependem de tratamento especial para determinadas enfermidades.
SIMONE KREMER – Pós-graduada em Direito Penal e Processo pela pela Unicuritiba
Antes de tudo, é de grande valia esclarecer que o direito penal deve ser a ultima ratio, isto é, nem todo bem jurídico merece a tutela do direito penal, além disso, apenas as condutas mais inaceitáveis merecem o tratamento em matéria penal. Salienta-se, também, que o uso da maconha não atinge bem jurídico alheio. Com isso, de acordo o princípio da alteridade, não existe crime quando a conduta não atinge bem jurídico de terceiro. Pois bem! Partindo por esse ponto surge um questionamento: será que o uso da maconha deve ser tutelado pelo direito penal? Em comparação com algumas drogas lícitas, a exemplo do álcool e o tabaco, a maconha tem um grau de prejuízo para o organismo comprovadamente menor. Lembrando que, descriminalizar a maconha não é liberar o uso para todos, uma vez que o fato de haver a descriminalização não vai induzir a quem não faz uso da droga passar a usá-la. A maior fonte de incentivo ao tráfico da maconha é justamente tratá-la como droga ilícita, uma vez que para que o usuário tenha acesso à droga ele precisa ir ao encontro do traficante. O tráfico de drogas é uma das maiores causas de homicídio no país, haja vista a guerra do tráfico. No Brasil, um em cada três presos responde por tráfico de drogas. Com a descriminalização da maconha, o mundo do tráfico perderia uma grande fonte de financiamento para o tráfico de drogas no país. A atual política de combate às drogas no país é totalmente ineficaz, é um gasto de verba pública absurda sem resultado satisfatório. Com a descriminalização da maconha, sendo esta comercializada e controlada pelo Estado, boa parte da verba oriunda das vendas da maconha podem ser revertidas em programas de conscientização sobre eventuais riscos da droga, bem como para desestimular o uso, como é feito com o tabaco, por exemplo, e de tratamento para os usuários que busquem a reabilitação e queiram deixar de usar a maconha. Ademais, o Estado pode fazer o controle de qualidade da maconha comercializada para reduzir a ofensividade da droga adulterada ao organismo, além de poder também controlar a quantidade de maconha que uma pessoa possa guardar ou possuir para uso, para, assim, diferenciar o usuário do traficante. Ou seja, a descriminalização da maconha é o caminho para reduzir significativamente o poder do tráfico no Brasil, além de resgatar o usuário dos braços do traficante. A política de combate às drogas no Brasil deve ser modernizada, e a descriminalização da maconha é um dos caminhos para essa modernização.
ALEXANDRE TEIXEIRA DO NASCIMENTO – Advogado e pós-graduando em Ciências Criminais
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