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Diálogo das fontes: o NCPC influencia o Código de Processo Penal?

O NCPC influencia o Código de Processo Penal?

Os recursos podem ser entendidos como o corolário do princípio da ampla defesa, manifestado através do direito ao duplo grau de jurisdição, inerente aos processos em geral, mas percebido de maneira muito mais acentuada na esfera penal.

Nessa linha de raciocínio, seria bastante razoável afirmar que, caso houvesse um mesmo recurso aplicável à esfera penal e também à esfera cível, que o prazo para interposição deles deveria ser o mesmo ou, em havendo prazo mais dilatado para um do que para outro, que incidisse tal aumento de prazo em relação ao recurso a ser interposto na seara penal, já que partimos da premissa de que a ampla defesa deve ser observada com maior ardor nesta esfera jurídica, não?

Em outras palavras: um recurso interposto no âmbito penal deveria ter o mesmo prazo para interposição daquele apresentado na esfera civil ou, em havendo diferença entre os prazos de ambos os recursos, que o prazo maior fosse aplicado ao recurso a ser interposto na esfera penal, em observância e homenagem ao princípio da ampla defesa. Correto?

Não foi assim que entendeu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em vários julgados vem firmando posição no sentido de que o agravo contra decisão monocrática de relator, em controvérsias que tratam de matéria penal ou processual penal nos tribunais superiores, não obedece às regras do Novo Código de Processo Civil (NCPC) referentes à contagem dos prazos em dias úteis e ao estabelecimento de prazo de 15 dias para todos os recursos.

A nosso ver, tal decisão reveste-se de parcial incongruência, pois que, na parte que trata da contagem dos prazos em dias úteis, de fato encontramos óbice à sua aplicação diretamente no texto do código de processo penal, pois que o artigo 798 e parágrafos do CPP estabelece que nos processos criminais, os prazos são contados continuamente, inclusive aos sábados, domingos e feriados (isto é, em dias não úteis), sendo que não se poderia aqui aplicar de forma subsidiária a regra contida no CPC, pois frontalmente contrária a disposições específicas e disciplinada na própria da legislação processual penal.

De outro lado, no que toca ao estabelecimento de prazo de 15 dias para a interposição de todos os recursos, regra esta trazida pelo NCPC, entendemos que seria sim cabível tal regra também aos recursos interpostos na esfera penal, em especial no caso no recurso de agravo, ou seja, aquele interposto contra decisão monocrática de relator no âmbito dos tribunais superiores, vez que, como dissemos, seria irrazoável deferir-se prazos de interposição diversos a um mesmo recurso, sendo mais estranho ainda, determinar-se prazo menor à interposição do recurso quando apresentado na esfera penal, onde o princípio da ampla defesa tem relevância ímpar na condução dos atos processuais.

Ainda nesse sentido, há que se considerar que, não havendo determinação específica e disciplinada de maneira contrária na legislação processual penal, com a aplicação do disposto no artigo 3º do próprio CPP, autorizada estaria a aplicação do CPC – e desta nova regra – aos recursos existentes na esfera penal, em especial àqueles que são afetas a ambas as áreas jurídicas, como ocorre com o agravo acima referido.

Na esteira da argumentação proposta, a aplicação do NCPC ao processo penal poderia se dar com fulcro no referido artigo 3º do CPP que é expresso no sentido de que a “lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica”, havendo ainda alguns dispositivos do Código de Processo Penal que expressamente invocam a aplicação do Código de Processo Civil ao processo penal, como por exemplo, os artigos  139, 362 e 790 do CPP.

No entendimento do STJ, o agravo interposto contra decisão monocrática de relator, em controvérsias que tratam de matéria penal ou processual penal nos tribunais superiores deveria observar o artigo 39 da Lei 8.038 e o artigo 258 do Regimento Interno do STJ, onde se fixa o prazo de cinco dias para a interposição do agravo, em detrimento do prazo de 15 dias fixados pelo NCPC.

No que toca especialmente ao recurso de agravo em comento, o NCPC – Lei 13.105/2015 – trouxe em seus artigos que o prazo para sua interposição é de 15 dias, confrontando o prazo de 5 dias previsto nos diplomas acima citados.

O NCPC buscou em seu novo texto unificar os prazos processuais para os recursos exatamente com o objetivo de extirpar a diversidade de prazos existentes e ampliar a garantia ao duplo grau de jurisdição, aumentando a efetividade, por via oblíqua, do princípio da ampla defesa, devendo tal principiologia refletir nas demais searas jurídicas (trabalhista, penal etc).

Isso porque o diálogo entre as fontes normativas processuais impõe a afirmação de que, com o advento do Novo Código de Processo Civil, algumas de suas regras impactarão no processo penal inexoravelmente, já que os Códigos de Processo Civil e Processo Penal não podem ser vistos como compartimentos estanques ou como ilhas legislativas capazes de, sem recurso a influência de outros diplomas, darem respostas a todos os problemas do processo sozinhos (GAJARDONI).

Nesse sentido, corroboramos o entendimento de que as regras constantes do Código de Processo Civil, até com considerável incidência, são chamadas a responder problemas do processo penal e as regras constantes do Código de Processo Penal, embora com menos incidência, são chamadas a responder problemas do processo civil, devendo-se buscar sempre a harmonização e a unificação das regras que regem o processo brasileiro, seja ele civil, seja ele penal, sob pena de se privilegiar um, em detrimento de outro, culminando-se, com isso, em um sistema jurídico integralmente injusto e ineficiente.

Dayane Fanti Tangerino

Mestre em Direito Penal. Advogada.

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