“Diamantes de sangue”: os aspectos aduaneiros na legislação brasileira
Por Thathyana Weinfurter Assad
O Oscar de melhor ator, que Leonardo DiCaprio conquistou essa semana, por sua atuação em “O Regresso”, fez-me recordar de outro filme que ele estrelou, em 2006: o violento “Diamante de Sangue”. Este último se passa no contexto da guerra civil em Serra Leoa, e termina com uma conferência feita sobre diamantes de sangue.
A cena final remonta ao encontro realizado em Kimberley, África do Sul, no ano de 2000, feito com o objetivo de estabelecer um procedimento voltado à certificação da origem dos diamantes brutos, a fim de evitar que conflitos fossem financiados por meio de seu comércio. Uma tentativa, pois, destinada a impedir que os diamantes estivessem manchados com o sangue derramado nas áreas de conflito.
Por falar em Kimberley, ao percorrer os olhos pelas narrativas da história da África do Sul, interessante dado é trazido no endereço eletrônico do Consulado Geral da República da África do Sul – Embaixada da República da África do Sul – Brasil:
‘Dizem que em 1866, o jovem Erasmus Jacobs estava brincando na fazenda de seu pai, perto de Hopetown, quando achou uma linda pedra. Um vizinho quis comprá-la, mas a família não achou que a pedra tivesse valor e acabou dando-a, em vez de vendê-la. A linda pedra de Erasmus era o diamante “Eureka”, de 21,25 quilates, que causou a corrida do diamante em Kimberley. Três anos depois, o mesmo vizinho teve sorte novamente, mas dessa vez ele achou uma pedra maior, com 83,5 quilates, que mais tarde foi chamada de “Estrela da África do Sul”.
Os diamantes foram encontrados em fazendas da região. O processo de escavação deu origem ao Kimberley Big Hole. Mais de 50 mil pessoas vieram do mundo todo em busca da preciosidade. As condições de vida eram horríveis, mas toda vez que a área parecia estéril, alguém encontrava outra mina vulcânica cheia de diamantes.’ (veja aqui)
Ou seja: diamantes grandes, olhos grandes. Não é de se estranhar (embora eu não me canse de ficar espantada!!!) que conflitos se estabeleceram, que muito sangue foi derramado, que diamantes financiaram grupos, facções, que a história, mais uma vez, amargou em lágrimas, pela ganância do ser humano.
Kimberley acabou sendo, pois, a sede da conferência, em maio de 2000. Após tratativas internacionais, foi criado, em novembro de 2002, o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley, que entrou em vigor em 2003, quando países participantes começaram a aplicar suas regras (veja aqui). Estatísticas sobre os diamantes brutos – produção, valor, volume, etc – aliás, podem ser acessadas eletronicamente (veja aqui).
Em nosso país, o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) compila, dos artigos 633 a 636, o conteúdo da Lei nº 10.743/2003 (fruto da conversão da Medida Provisória nº 125/2003), que institui, no Brasil, o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley – SCPK, relativo à exportação e à importação de diamantes brutos.
Referida Lei, em seu artigo 1º, § 1º, esclarece que
“Denomina-se Processo de Kimberley todas as atividades internacionais relacionadas à certificação de origem de diamantes brutos, visando impedir o financiamento de conflitos pelo seu comércio”.
O artigo 3º, caput, do mesmo diploma legal, dispõe que:
“Ficam proibidas as atividades de importação e exportação de diamantes brutos originários de países não-participantes do Processo de Kimberley”.
Pela história, compreende-se o teor dos dispositivos. E, para entender a gravidade do garimpo ilegal de diamantes destinados à importação ou exportação, não precisa sequer cruzar o oceano. No Brasil, há relatos de terras indígenas com minas de diamantes sendo devastadas em crimes ambientais, nas extrações realizadas sem autorização legal. E, em encontro realizado para falar sobre políticas indígenas, ouviu-se o alarmante pedido de socorro:
“A nossa terra é nosso espírito. Um índio sem terra é um índio sem alma” (veja aqui).
É proibida, portanto, a importação ou exportação de diamante bruto, cuja origem seja de país que não participe do Processo de Kimberley. E, então, caso haja a importação ou a exportação fora da regra, eis que novamente temos a incidência do Direito Penal Aduaneiro, com o crime, em tese, de contrabando, do artigo 334-A, do Código Penal.
Afora a parte criminal correspondente, na área administrativa aduaneira, há a previsão legal do perdimento da mercadoria e da pena de multa de cem por cento, nos termos dos artigos 9º e 10, da mencionada Lei:
Art. 9º Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria:
I – submetida a procedimento de despacho aduaneiro, sem amparo do Certificado do Processo de Kimberley; e
II – na posse de qualquer pessoa, em zona primária de portos, aeroportos e pontos de fronteira alfandegados, sem amparo do Certificado do Processo de Kimberley.
Art. 10. Aplica-se a multa de cem por cento do valor da mercadoria:
I – ao comércio internacional de diamantes brutos, sem amparo do Certificado do Processo de Kimberley verificado em procedimento de ação fiscal aduaneira de zona secundária, com base em registros assentados em livros fiscais ou comerciais; e
II – à prática de artifício para a obtenção do Certificado do Processo de Kimberley.
Ao procurar por fotos do Kimberley Big Hole, algumas imagens são tão belas que, por um momento, parecem reproduzir uma beleza natural. Mas, não, infelizmente. Trata-se de um grande buraco feito à mão humana, em razão da elevada mineração ali existente.
Afinal, o sangue que não vemos não é, necessariamente, o sangue que não existe.