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Diário de um agente penitenciário: O “exame criminológico” é necessário?

Por Diorgeres de Assis Victorio

“Uma vez organizados os grupos com características próprias, pode se intentar o cumprimento dos fins da prisão. A própria seleção dos reclusos servirá para extirpar o ambiente criminógeno penitenciário. Não se nos oculta que, ao classificá-los, necessariamente resultará, por obra da eliminação, um verdadeiro equipo (sic) de autênticos corrompidos, que uma vez isolados serão mais ou menos suscetíveis de reforma. Mas desde logo, ficará suprimida a ação difusa que êsses (sic) verdadeiros micróbios do mundo criminoso deixam agora se filtrar sobre um aglomerado no qual se ignoram os mais elementares princípios da classificação dos delinquentes. (FUNES, Mariano Ruiz A crise nas Prisões. São Paulo. Saraiva: 1953, p. 44) (g.n.)

Este artigo visa a analisar os diversos “exames” que o criminoso deveria sofrer desde a dosimetria da pena e a importância dos mesmos. De início verificamos já quando da dosimetria da pena (Artigo 59, do CP) que a norma menciona que: “O juiz, atendendo à (…) personalidade do agente (…) estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”

Mas então, o que seria personalidade? Vejamos: “(…) trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa parte herdada, parte adquirida. A personalidade tem uma estrutura muito complexa. Na verdade é um conjunto somatopsíquico (ou psicossomático) no qual se integra um componente morfológico, estático, que é a conformação física: um componente dinâmico-humoral ou fisiológico que é o temperamento; e o caráter que é a expressão psicológica do temperamento.(…)” Por outro lado, personalidade não é algo estático, mas encontra-se em constante mutação. Já dizia TOBIAS BARRETO: “Se por força da seleção natural ou artística, até as aves mudam a cor das plumas, e as flores a cor das pétalas, por que razão em virtude do mesmo processo, não poderia o homem mudar a direção da sua índole?”(…) O cuidado do magistrado nesse prisma, é indispensável para realizar justiça”[1].

Alguns magistrados têm por hábito analisar a personalidade baseado nos “antecedentes criminais”. Entendemos isso ser um tremendo equivoco[2]. Outros magistrados adotam em suas decisões fundamentar a tal personalidade na agressividade, na perversidade, na reincidência e também na personalidade voltada ao crime, sendo que não há nada de científico nessas afirmações. Estaríamos assim adotando por essa ótica o Direito Penal do Autor (do Direito Penal do Inimigo) e não o Direito Penal do Fato como nos ensina a melhor doutrina. Não devemos punir o homem pelo que ele é, e sim pelo que ele fez.

O problema começa já na dosimetria da pena, pois um juiz se não tiver formação acadêmica em “psiquiatria e/ou psicologia” não poderá nunca avaliar a personalidade do réu, isso que ocorre rotineiramente nas sentenças não é avaliação de personalidade. Posteriormente a essa não avaliação de personalidade, o condenado é transferido (ao menos pela lei deveria ser transferido de um “Centro de Detenção Provisório”) para uma “Penitenciária”, se for condenado ao regime fechado ou semiaberto.

Me recordo que quando ingressei como agente de segurança penitenciária no ano de 1994 no Estado de São Paulo, existia o COC (Centro de Observação Criminológica), local esse onde se efetuava estudos sobre os presos, e os exames criminológicos conforme determina o artigo 96 e 97 da LEP e lamentavelmente ele foi extinto assim como essa prática fundamental. Necessário se fazer uma distinção de dois exames após a condenação (do Exame de Personalidade do Exame Criminológico). O Exame de Personalidade, segundo a Exposição de Motivos da LEP, “consiste no inquérito sobre o agente para além do crime cometido. Diferem quanto ao método esses tipos de análise, sendo o exame de personalidade submetido a esquemas técnicos de maior profundidade nos campos morfológicos, funcional e psíquico.

“O exame de personalidade não se volta para o “lado criminoso” do condenado, para a investigação das “causas” de sua conduta criminosa, mas sim, para sua pessoa, na sua realidade integral e individual, incluída aí toda sua história, história de uma pessoa, e não mais de um criminoso. A realização do exame de personalidade seria medida imprescindível para um procedimento científico de classificação dos apenados e de individualização da execução.”[3]

Já o Exame Criminológico “é uma perícia. Como tal, visa o estudo da dinâmica do ato criminoso, de suas ‘causas’, dos fatores a ele associados. Oferece pois, como primeira vertente, o diagnóstico criminológico. À vista desse diagnóstico, conclui-se pela maior ou menor probabilidade de reincidência, tendo-se então aí a segunda vertente, o prognóstico criminológico”.[4]

Verificamos que há previsão legal para o mesmo, pois o artigo 34 da LEP nos informa que: “art. 34 – O condenado será submetido,no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação, para a individualização da execução”. Já o artigo 8, caput, e parágrafo único da LEP nos diz que: “Art. 8 – O condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. Parágrafo único – Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.

Mister se faz mencionar que na verdade não existe somente um exame criminológico como muitos “aventureiros do tema” pensam, existem dois tipos ou modalidades como preferirem. “A primeira modalidade é (…) de entrada. Trata-se do exame previsto no artigo 8 da LEP e artigo 34 do CP. (…) Um outro aspecto para o qual eu gostaria de chamar a atenção refere-se à expressão exame criminológico de classificação, que já consta do atual Código, a qual tudo indica, tem dado margem a interpretações equivocadas quanto à equipe que, por lei, teria a competência de fazer a classificação (…) levando a se compreender o exame criminológico como sendo de classificação, dá margem a se concluir que a classificação é atribuição de Centro de Observação, o que é um erro gritante, pois o artigo 6 da LEP diz que explicitamente que a classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação[5].

Muitos devem estar perguntando por qual motivo estou mais uma vez falando nesses exames e na personalidade. Respondo. Esse fato se deu em virtude do artigo[6] de Nagashi Furukama (Ex-Secretário da Secretaria de Administração Penitenciária de SP) onde o mesmo nos mostra pela sua ótica de ex-magistrado, e ex-Secretário, que é contra a realização do mesmo, por motivo de não haverem profissionais suficientes para realizarem o exame, nos dizendo que muitas afirmações dos “laudos” não tinham embasamento científico.

Ouso aqui discordar de muitas afirmações do mesmo em seu artigo, mas resumidamente quero dizer que nunca devemos dizer que esses profissionais não estariam fazendo os exames com profissionalismo como o ex-Secretário quis fazer por entender em seu artigo, e que um laudo correto seria humanamente impossível de se fazer, devido a super-população carcerária de nosso país. Esse raciocínio poderia ser empregado também nos casos de juízes que não “sentenciariam” corretamente em virtude da quantidade de processos, que o Ministério Público também não conseguiria se manifestar corretamente em virtude da carga de processos em suas mesas e prateleiras, mesmo caso para todas as outras “profissões jurídicas e etc.” (defensores públicos, procuradores, delegados e etc).

Esse é um entendimento por demais equivocado.

Nós temos que ter em mente que é necessário a realização desses exames, pois a “segurança” de uma sociedade depende do mesmo, é direito fundamental do sentenciado ter uma correta individualização de pena e não ser tratado como apenas mais um criminoso trancafiado, como objeto da pena e sim como sujeito de direitos, assim como Estado deve se preocupar em contratar mais profissionais para esse mister, e acreditamos que esses profissionais sabem sim de suas obrigações quanto à “colocar” uma pessoa antecipadamente na “rua” e não individualizar a pena da mesma visando uma correta reintegração social. Mas volto a perguntar, deveríamos “jogar” toda a culpa nesses profissionais que ficam de mãos atadas (porque já na dosimetria da pena o magistrado se “acha” capaz de analisar uma personalidade sem ter formação acadêmica para isso)?

Entendo que fazerem esses profissionais “pegarem o bonde andando” e exigirem um “bom” exame criminológico para progressão de regime, depois dos mesmos terem cumprindo muito de suas penas e nunca nenhum tipo de exame ter sido realizado, não é o mais correto, nem muito menos prudente.

Bom, ao menos essa é a minha humilde visão dessa problemática.


[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista do Tribunais. 2012, p. 426

[2] “Os inquéritos e ações penais em andamento não podem ser considerados para valorar negativamente a personalidade do agente, por não ter ainda contra o réu um título executivo penal definitivo.” (Resp 995.306-RS, 5ª Turma, Laurita Vaz)

[3] SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.195 e ss.

[4] Ibidem,  p.191

[5] ibidem, pag. 193

[6] FURUKAWA, Nagashi. O fim do Exame criminológico. Disponível aqui. Acesso em: 6 de setembro de 2015.

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Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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