Diário de um agente penitenciário: Prisão, a fábrica de fazer “loucos”
Por Diorgeres de Assis Victorio
“Há também entre os sentenciados psicopatas alguns que, portadores da moléstia em estado latente, encontraram na reclusão e no regime penitenciário o fator desencadeante da doença mental. É assim que vários presidiários no decorrer de poucos dias de vida carcerária, mesmo ainda no 1º período de cumprimento de pena, o chamado período de prova, começaram a manifestar sintomas de perturbações psíquicas mais ou menos acentuadas. Outros, porém, venceram êste (sic) período sem nada apresentar e só mais tarde manifestaram a psicose que traziam latente em suas personalidades. Classificamos ainda em um grupo à parte, os sentenciados a que denominamos os “predispostos”, os quais, durante o regime de prova, exteriorizaram sintomatologia variada e ligeira, que cedeu na maioria das vezes com o tratamento instituído. Êsses (sic) casos reunimos sob a rubrica de “perturbações psicógenas dos encarcerados predispostos”. Tais perturbações não chegam a formar um grupo nosológico definido, constituindo apenas manifestações variadas e anormais do psiquismo dêsses (sic) indivíduos predispostos, neles desencadeadas por causa da mudança de vida e o novo regime a que se viram submetidos no cárcere. Em nosso trabalho, seguimos, na classificação dos doentes mentais, o critério da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, acrescentando, entretanto, de acôrdo (sic) com o que acabamos de relatar, o grupo das “Perturbações psicógenas dos encarcerados predispostos”. Quanto ao grupo das “Perturbações psicógenas próprias dos encarcerados predispostos”, já referido, é constituído por 34 sentenciados que, predispostos à doença mental, encontraram na vida carcerária o fator desencadeante de suas manifestações psico-patológicas. A exteriorização de seus distúrbios psíquicos é variadíssima, e, afim de sintetizarmos êsse (sic) polimorfismo de sintomas, reunimo-los em 3 grandes grupos: 1º) As perturbações psicógenas manifestadas por crises de excitação psico-motora; 2º) as manifestações por episódios delirantes alucinatórios; 3º) as manifestações por episódios delirantes melancólicos. Quanto aos distúrbios psíquicos post-encefálicos, em número de 3, encontramos: 1 síndroma oligofrênico e 2 síndromas delirantes alucinatórios. Quanto aos outros grupos nosológicos, constatámos (sic) os seguintes números: Oligofrenia 47, Parafrenia 46, Epilepsia 43, Psicose maníaco depressiva 18, Paranóia 10, Psicose de involução 7, Paralisia geral 7. Revista Penal e Penitenciária. São Paulo: 1940: p. 256 e ss)
Conforme mencionado no artigo anterior, daremos continuidade à análise das mazelas geradas por uma má arquitetura penitenciária.
“Por conseguinte. A partir dos pressupostos levantados inicialmente em termos de projeção, podemos dizer que o arranjo arquitetônico acaba por transmitir ao evento que nele se desenrola, às pessoas que nele se encontram o seu caráter de solenidade ou de simplicidade; o seu caráter de dignidade ou de profano; o seu caráter acolhedor ou dispersivo; o seu caráter austero ou delicado; ou seus traços de tristeza ou de alegria”[1]
Passaremos agora a analisar as linhas da arquitetura, vejamos:
“Linha horizontal: dá-nos o sentido do racional, do intelectual. Nós a seguimos paralelamente à terra. Segundo Scott, ela dá uma sensação de descanso; Linha vertical: símbolo do infinito, do êxtase, da emoção, do sublime. Nós a seguimos, erguendo os olhos para o céu; Linhas retas: transmitem decisão, rigidez, força; Linhas curvas: transmitem hesitação, flexibilidade, valores decorativos; Círculos: da sensação de equilíbrio; Cúpulas semi-esféricas: representam a perfeição, lei final, conclusiva.[2]
Mister informar a problemática quanto às cores das paredes dessas instituições, principalmente o interior das celas:
“Uma parede branca, que seria inofensiva enquanto término de um espaço simétrico, se converte em desagradável quando no final de um eixo que se destaca numa fila de coluna, unicamente pelo fato de que o movimento sem motivo e sem clímax contraria nossos instintos físicos: não está humanizado. Alguns detalhes de repercussão na psicologia do interno merecem ser assinalados: os amplos espaços verdes; o emprego de materiais modernos; a utilização de cores alegres e variadas. P.e.: cada cela está pintada em cores distintas (rosa, verde-claro, celeste, creme e cinza), e nas pinturas exteriores substitui-se a monotonia pelo azul-claro quase celeste e pelo branco.”[3]. Seria muito importante empregarmos a Cromoterapia no cárcere, tendo em vista que grandes benefícios seriam trazidos a personalidade daqueles que lá habitam.
O que dizem os presos e os agentes penitenciários sobre a arquitetura da prisão?
Presos: “O pátio é pequeninho. É pequeno demais; Aqui é muito fechado; Os corredores dos pavilhões são um pouco estreitos; Aqui deveria ter mais espaço; É preferível a cela individual. A gente tem tempo para pensar, para raciocinar bem. Agentes penitenciários: Segurança máxima não existe, porque o preso também é inteligente. Ele tem muito mais tempo do que nós para pensar. O que vai segurar o preso não é a segurança, esses blocos, toda essa parafernália, mas a aceitação, por parte dele de ficar aqui; Cela individual é a melhor que tem; Presídio, é com celas individuais. O preso é o dono da cela. Não acontece do mais fraco ter que se submeter; Cadeia muito grande não resolve; O guarda com o tempo, está arriscado a ficar doente, pelo ambiente carregado; Acostumar mesmo, ninguém acostuma. O comportamento da gente muda. Fica mais esperto. Fica mais agitado. A gente perde a confiança nos outros. Começa a desconfiar dos outros na rua; O murão e a grade: se o cara [agente] for meio fraco, isso mexe com ele. Os agentes penitenciários testemunham o quanto o ambiente carcerário, incluída a edificação, pode agir sobre eles próprios, sobre seu psiquismo, suas emoções e sua própria conduta.”[4]
Quais sugestões seriam bem-vindas quanto a essa problemática levantadas por nós? Eis as mesmas:
a) Desenvolvimento de uma classificação criminológica científica dos criminosos;
b) Formação de uma equipe, composta por técnicos da criminologia e por arquitetos, que estude e proponha mais profundamente as especificações dos presídios (…) voltadas para a terapêutica penal, para a humanização do arranjo arquitetônico, e sempre em consonância com os critérios e princípios adotados na classificação criminológica;
c) Implantação da classificação criminológica para todos os presos que entram no sistema penitenciário;
d) Realização de pesquisas com a classificação criminológica adotada, com os seguintes objetivos: (a) verificar sua aplicabilidade (compreensão por parte dos técnicos, objetividade, duração, custos etc.); (b) verificar sua validade e utilidade; (c) fazer um levantamento das porcentagens de sentenciados nas diversas categorias-dado muito importante para a tomada de decisão sobre número e tipo de presídios a serem construídos”[5]
Não poderia deixar de mencionar que na dosimetria da pena (artigo 59, CP) há determinação de que seja analisada a personalidade do criminoso e isso é feito por um juiz que não possui formação acadêmica para tal mister[6], e aí encontramos uma lacuna quanto a análise da estrutura da personalidade do criminoso, sendo que também não há no cárcere essa análise. Dispositivos legais determinando essa análise não faltam, mas como sempre dizemos, o maior criminoso é o Estado, porque não é um cumpridor de leis.
Lamento muito que o Estado tenha abandonado estudos sobre o cárcere. Nas Universidades não vemos cadeiras de Direito Penitenciário, Criminologia, Antropologia Penitenciária (clínica criminal) e ciências correlatas e não digo isso só em nível de graduação, mas é mister aqui mencionar que também nas próprias “Escolas Penitenciárias” (escolas essas que são responsáveis pela formação dos agentes penitenciários e etc) os agentes penitenciários assim como os demais servidores da instituição não possuem essa formação.
“O cárcere não é a única defesa contra o delito, nem muito menos um tratamento apropriado para êles; só o “vulgo jurídico”, como adverte Lombroso, pode assim pensar.”[7]
Espero que humildemente este artigo que agora se encerra, possa contribuir de alguma forma quanto à problemática da arquitetura penitenciária que assola nossas Unidades Prisionais. Que não somente o Judiciário cumpra com sua obrigação de determinar obras e reformas em Unidades Prisionais, mas que o DEPEN, o CNPCP, a OAB e principalmente o titular do Ius Puniendi, verifique com muita atenção, a técnica de edificação e reformas das cadeias, para que assim, a mesma possa trazer menos prejuízo aos presos (e também aos funcionários) e consequentemente posteriormente a sociedade, mesmo que a mesma não tenha ainda se preocupado com a sua obrigação quanto a contribuir na sistemática de reintegração social do educando, não sofra mais ainda em virtude de uma falha do Estado e omissão de muitos outros “órgãos”.
[1] SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 127
[2] Ibidem, 127 e ss.
[3] Ibidem. P. 128 e ss
[4] Ibidem. P. 135 e ss
[5] Ibidem, p. 135.
[6] Vide mais sobre essa problemática. VICTORIO, Diorgeres de Assis. In: A Falácia da dosagem da pena: o ovo da serpente. Disponível aqui.
[7] FUNES, Hilário Veiga Carvalho. São Paulo. Saraiva: 1953, p.88.