Dificuldades defensivas em relação à medida de segurança
Dificuldades defensivas em relação à medida de segurança
Fundada na controvertida doutrina da periculosidade – diversa da culpabilidade, que justificaria (?) a pena – a medida de segurança, atualmente no Brasil, seria para a responsabilização criminal – apesar do discurso preventivo, não deixa de ser, também, uma resposta penal – dos inimputáveis.
Por inimputável – para além da menoridade penal do art. 27 do CP –, a partir do artigo 26 do CP, entende-se aquele que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, caput, CP).
E mais, em situações de semi-imputabilidade, previstas no parágrafo único do mesmo artigo 26, é possível, ao invés da redução de pena ali autorizada, a sua substituição por medida de segurança, desde que, é claro, expressamente indicada a necessidade no laudo pericial (art. 98, CP).
Neste contexto, os artigos 149/154 do CPP regulam o incidente de insanidade mental, diante de situações de sérias suspeitas de inimputabilidade (ou semi), a fim de realização de perícia médica para a aferição do estado mental do sujeito. Em caso de exame positivo, provoca-se a chamada absolvição imprópria, com base no artigo 386, parágrafo único, III, do CPP, ensejando, portanto, a aplicação de medida de segurança, ao invés de pena.
Para tanto, temos hodiernamente duas modalidades de medidas de segurança, a mais gravosa, internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I, CP), e a sujeição a tratamento ambulatorial (art. 96, II, CP), consistindo este em consultas e tratamentos periódicos, sem uma internação contínua.
Dificuldades defensivas
O grande dilema da defesa se apresenta em situações de possíveis inimputabilidades (ou semi). Ou seja, deve-se pleitear ou não o incidente de insanidade mental?
É que, conforme se extrai do artigo 97, §1º, do CP, qualquer das modalidades de medidas de segurança será por prazo indeterminado – enquanto não cessar (?) a periculosidade –, com a necessidade de fixação de um mínimo entre um e três anos, em sede de sentença.
Ora, como se sabe, não raro, há situações em que o indivíduo, independente do fato proibido praticado – daí o desrespeito à proporcionalidade da sanção ao fato –, chega a ficar décadas submetido a medida de segurança, aguardando um laudo pericial que ateste a cessação (?) de sua periculosidade.
Destaca-se a grande (ir) responsabilidade da defesa em pleitear um pedido que, a bem da verdade, pode condenar o seu cliente à inconstitucional (art. 5º, XLVII, “b” CR/88) prisão perpétua!
E pior, a situação é ainda mais gravosa para a defesa quando se trata de possíveis condenações com penas cominadas insuficientes para configurarem a privação da liberdade, já que a medida de segurança poderia chegar a ser em prazo maior que o da própria pena, como, por exemplo, num fato banal como uma lesão corporal leve ou uma injúria.
Não obstante, é possível encontrar julgamentos do STF decidindo que o limite do prazo de internação da medida de segurança seria o dos trinta anos previstos no artigo 75 do CP, argumentando que, apesar de não ser essencialmente uma punição, possui caráter de pena. Ocorre que, é evidente, trinta anos em nossos presídios resulta, não raro, em prisão perpétua!
Dificuldades defensivas em relação à medida de segurança
Numa perspectiva mais coerente ainda, há uma consistente corrente afirmando que o limite temporal para as medidas de segurança seria o máximo da pena cominada em abstrato pelo tipo penal, tendo sido este entendimento acolhido inclusive em indulto de Natal no artigo 1º, VIII, do Decreto n. 6.706/2008.
Contudo, sem dúvida alguma, o entendimento mais acertado é aquele limita o período de internação da medida à pena que seria fixada em caso de punição, conforme um julgamento histórico de relatoria do Des. Amilton Bueno de Carvalho, na 5ª Câmara Criminal do TJRS, na Apelação-crime 70010817724/2005 (apud CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: parte geral. 7. Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017, p. 622).
Com efeito, considerando que estes dois últimos entendimentos são destacadamente minoritários, o risco que corre a defesa – seja pública ou privada – em pleitear pela instauração de um incidente de insanidade mental deve ser considerado, na medida em que pode resultar numa consequência muito mais gravosa do que a própria sanção penal.
Mesmo porque, é importante reconhecer, o discurso de que a medida de segurança não configura uma pena não passa de uma ilusão, na medida em que, especialmente a internação, não só restringe igualmente a liberdade do indivíduo, mas também em nada garante o prometido tratamento da periculosidade.
É que não há método científico capaz de prever o comportamento futuro das pessoas (prognósticos sem credibilidade), e nem mesmo comprovar que a medida de segurança é capaz de ajustar o comportamento do inimputável.
Aliás, não raro, verifica-se uma efetiva piora na situação do indivíduo, especialmente nas internações brasileiras em manicômios que nada perdem para as nossas penitenciárias em termos de precariedade de condições e desumanidades.
Daí a baixa confiabilidade na certeza da aferição pericial, tanto para reconhecer a necessidade da medida de segurança, quanto para não. Ainda, igualmente para aferir a evolução do tratamento não se percebe nenhuma segurança, se sujeitando as perícias às subjetividades dos avaliadores no que tange àquilo que a ciência (ainda?) não consegue explicar.
Não por outra razão a medida de segurança é o instituto que se encontra, não apenas no Brasil, em crise científica, devendo a defesa se atentar para o perigo – em determinadas situações – de se pleitear um incidente de insanidade mental.
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