Direito ao delírio, direito de sonhar: assim foi, assim será Eduardo Galeano
Por Thiago M. Minagé
Hoje ao acordar pela manhã ouvi a seguinte expressão “se não nos deixares sonhar, não vos deixaremos dormir” esse trecho é de uma entrevista feita com Eduardo Galeano denominada Direito do Delírio onde Galeano como de costume nos faz sonhar, nos faz delirar com seus pensamentos expostos por escrito ou falado. Lembro-me quando ainda estudante da graduação em direito, pouco envolvido em política, pouco conhecedor de história, pouco sabedor da humanidade, mas sedento de conhecimento, não me recordo como, mas vi e ouvi essa entrevista, quando então pela primeira vez entendi o significado do que seria UTOPIA. Fiquei atordoado, mesmo porque não sabia explicar o motivo, mas aquilo me tocou. Desde então nunca mais fiquei parado, não admito zona de conforto, a utopia me fez levantar e andar, até hoje, porém não sabia, que aquilo era o que me incomodava. Estar parado.
No auge de sua simplicidade Galeano retira de seu bolso um papel com suas anotações e começa:
“que acha se fixarmos nossos olhos mais além da infâmia, para imaginar outro mundo possível? O ar estará limpo de todo veneno que não provenha dos medos humanos e das humanas paixões…”.
Alguém alguma vez parou para fixar os olhos além das ofensas, do ódio, e tentar imaginar outro mundo? Mundo limpo de toda e qualquer preocupação monetária, de segurança, de medo alheio.
O texto começou meio sem propósito, mas dificilmente algo inerente a Galeano não tenha uma função, talvez por isso a insistência em detrimento de minha teimosia. Algumas passagens são de extrema proximidade com o direito, mais até do que imaginamos, me surpreendendo a cada leitura e a cada releitura.
“Aviso aos delinquentes que se iniciam na profissão: não se recomenda assassinar com timidez. O crime compensa, mas só compensa quando praticado em grande escala, como nos negócios. Não estão presos por homicídio os altos chefes militares que deram a ordem de matar tanta gente na América Latina, embora suas folhas de serviço deixem rubro de vergonha qualquer bandido e vesgo de assombro qualquer criminologista. Somos todos iguais perante a lei. Perante a lei? Perante a lei divina? Perante a lei terrena, a igualdade se desiguala o tempo todo e em todas as partes, porque o poder tem o costume de sentar-se num dos pratos da balança da justiça.” (Pag. 207)
Antes das acusações infundadas e deturpações do sentido da escrito, afirmo: sou totalmente contra todo e qualquer crime. Mas não entendo a complacência e indiferença para com os crimes grandiosos, que afetam toda humanidade, que afrontam todo o mundo, como discriminação, destruição de povos, eliminação de crianças, castração de mulheres, apedrejamento de pessoas, ofensas religiosas, mortes em nome de Deus que certamente não aprova essa conduta. Entretanto, os crimes pequenos no que se refere à proporção, são diferentes. Aqueles praticados por amadores, analfabetos e ignorantes, são punidos como todo o rigor e ódio mortal. Tanto um quanto o outro, são criminosos, mas os letrados, inteligentes, abastardos, esses são tratados de forma distinta, mesmo sendo os mais cruéis dos criminosos. Galeano sempre apontou para isso.
“Passaram-se anos, o século está morrendo. Que o mundo ele nos deixa? Um mundo sem alma, desalmado, que pratica a supertição das máquinas e a idolatria das armas: um mundo ao avesso, com a esquerda a direita, o umbigo nas costas e a cabeça nos pés.
Será que o mundo que vivemos ainda contempla o amor ao próximo? Não. Infelizmente não, hoje retrocedemos à lei que diz “olho por olho, dente por dente”. Mas me questiono: e o amai ao próximo como a si mesmo? Será que as pessoas não se amam mais e por isso afloram tanto ódio?
“Dia apos dia nega-se as crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que zombam desse direito, ostentam, seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo trata os meninos ricos como se fossem dinheiro, para que se acostumem a atuar como o dinheiro atua. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo. E os de meio, os que não são ricos nem pobres, conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem desde cedo, como destino, a vida prisioneira. Muita magia e muita sorte têm as crianças que conseguem ser crianças.” (pg. 11)
E aí assistimos 42 deputados e um sem-número de pseudos-letrados a comemorar a aprovação daquilo que fará mais uma criminalização à expurgação de todos os pecados. Como se não bastassem essas, mas a vida é cheia de peças. Sem medo, sem dor, sem cor, sem amor, assim o menor se sente doutor! Mas o jeito é criminalizar, afinal de contas alguém precisa pagar. Onde vamos parar? Qual o sentido? Será que é o prazer em maltratar? Mais? Mais? Eles não irão aguentar! Na verdade, de verdade, minha vontade: vou ali vomitar![1]
“A publicidade manda consumir e a economia proíbe. As ordens de consumo, obrigatórias para todos, mas impossíveis para a maioria, são convites ao delito. Sobre as contradições de nosso tempo, as páginas policiais dos jornais ensinam mais do que as páginas de informação política e economia. Esse mundo, que oferece o banquete a todos e fecha a porta no nariz de tantos, é ao mesmo tempo igualador de desigual: igualador nas ideias e nos costumes que impõem e desigual nas oportunidades que proporciona.” (pg. 25)
Mas muitos por aqui dirão: eu venci, não precisei de ninguém, também passei necessidades. Lembre-se, cada um tem vida e história de vida própria. A sua vida é, só sua, não queira encaixá-la nas demais pessoas. Cada um tem vida própria. Ceta vez ouvi: o sucesso é o encontra na vida de uma pessoa entre o preparo e a oportunidade. Talvez faltou um ou ambos para os demais. Parabéns pelo seu sucesso.
“Os subordinados devem obediência eterna a seus superiores, assim como as mulheres devem obediência aos homens. Uns nascem para mandar, outros para obedecer. O racismo, como o machismo, justifica-se pela herança genética: não são os pobres uns fodidos por culpa da história e sim por obra da biologia. Levam no sangue o seu destino e, pior, os cromossomos da inferioridade costumam misturar-se com as perversas sementes do crime. E quando se aproxima um pobre de pele escura, o perigômetro acende a luz vermelha. E dispara o alarme.” (pg. 45)
Discriminar alguém, além de abjeto é odioso, sem justificativa ou qualquer fundamento, mas nos deparamos com isso diariamente e fingimos não ver. Opa! Desde que não seja com um de nós.
“Um mundo que prefere a segurança à justiça, há cada vez mais gente que aplaude o sacrifício da justiça no altar da segurança. Nas ruas da cidades são celebradas as cerimônias. Cada vez que um delinquente cai varado de balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta. A morte de cada malvivente surte efeitos farmacêuticos sobre os bem viventes. A palavra farmácia vem de phármakos, o nome que os gregos davam às vítimas humanas nos sacrifícios oferecidos aos deuses nos tempos de crises.” (p. 81)
Talvez eu esteja errado, mas, se o mundo fosse justo, não teríamos insegurança. A questão é: onde está nossa força e segurança? a desigualdade casa dia mais nítida, aflorando e assombrando a todos. Onde vamos parar?
Falar de, e sobre Galeano, é quase que interminável. Seus textos jamais deixados de lado, uma fonte de conhecimento incalculável que cabe a nós preservar ou ignorar.
Será mesmo que todo o dito aqui não referencia em nosso estudo do Direito?
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[1] http://justificando.com/2015/04/04/sera-que-voce-sabe-algo-sobre-a-historia-do-di-menor/