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Direito ao esquecimento e as redes sociais

Direito ao esquecimento e as redes sociais

O mundo globalizou, a sociedade virtualizou e a informação viralizou. Os aparelhos eletrônicos, cada dia mais aprimorados, permitem às pessoas uma incessante e crescente interação social. As chamadas ou ligações telefônicas pertencem ao passado; as informações, arquivos, documentos são veiculados na velocidade da luz, pelos aplicativos de smartphones.

A disseminação do acesso à internet assegurou uma ingênua excitação de mero exibicionismo atentado em todas as idades. Desde compartilhamento de fotos, vídeos, transporte, encontros marcados, até o desassossego pelas informações e notícias locais/mundiais em um clique. É racionalmente mais preciso dizer que vivemos online em um mundo virtual, e, de vez em quando, aterrizamos no mundo real, ainda que as atitudes e comportamentos humanos – sociais e culturais – sejam influenciados pelo ambiente virtual. 

Surge, assim, o direito ao esquecimento, ou seja, uma proteção de que fatos passados, ocorridos na vida de certo indivíduo, não sejam relembrados e requentados pelo meio social, predispondo a novos transtornos e sofrimentos psicológicos, em comunhão ao “direito de ser deixado em paz” ou “direito de estar só”, refletindo ao abandono do direito ao passado. 

A grande verdade é que o mundo virtual é capaz de “estatualizar” ideias, frases, poses, encontros, em total desencontro com a verdadeira metamorfose ambulante que é o ser humano, e que, ainda assim, correspondem a um passado, um histórico, podendo ou não atingir as esferas mais intima do virtualizado. Outrossim, em nada pode ser confundido com qualquer forma de censura. 

A crise política e econômica, os desdobramentos da Operação Lava Jato, a descoberta do poliamor, a união estável homoafetiva, a Reforma Trabalhista e a Previdenciária, a Guerra na Síria, o drama dos refugiados, as ameaças terroristas do Estado Islâmico, o coronavírus, a guarda compartilhada tendo como objeto um pet, nota-se, o opulento trânsito de informações diante um clima de transformação universal e de espionagem global. A revolução digital transformou as relações interpessoais presenciais, que foram substituídas pelas redes sociais, por amigos e seguidores virtuais. 

O direito ao esquecimento tem sua origem na Alemanha, através do “caso Lebach”, o qual fora julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão. Caso este que iniciou com um pedido de liminar interposto por um dos indivíduos envolvido no “assassinato dos soldados Lebach”, quando teve conhecimento de que um filme seria transmitido acerca do fato ocorrido e que isso iria lacerar seus direitos além de prejudicar sua ressocialização. 

O direito ao esquecimento, de forma simplória, diz-se ser prerrogativa do indivíduo a fim de que fique livre de lembranças de acontecimentos passados, que funciona como um tipo de isolamento direcionado à informação intertemporal. Já para René Ariel Dotti, o direito ao esquecimento consiste na faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público.

O assunto em análise entrou na pauta jurisdicional com mais tenacidade a partir da edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, a qual elenca como um dos direitos da personalidade o de ser esquecido, mais precisamente, a questão acolhida é de que ninguém é obrigado a conviver com o passado e, então, com os erros pretéritos. 

Pois bem, o direito ao esquecimento possui principal fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF), ou seja, respaldo legal e, sobretudo, constitucional, razão de ser produto de direitos, como à vida, à privacidade, à intimidade e à honra – previstos no art. 5º, inciso X da CF .

 Conclusão 

Ainda que não expressamente previsto na Lei Maior, não se pode olvidar da fundamentalidade do direito ao esquecimento, especialmente após a edição da Lei 12.965/14, que em seu artigo 3º, elenca os princípios do uso da internet no Brasil, apontando a proteção da privacidade já em seu inciso II e os próprios direitos dos usuários: inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 

Na atual conjuntura, não podemos esquecer que as redes sociais possuem uma papel informal de controlador social, com imenso poder de influenciar positiva e negativamente os sentimentos de todos agregados. Em razão de força motriz, devemos impor algumas limitações, e, talvez, a maior delas seja a dignidade da pessoa humana, florescida na essência do direito ao esquecimento. 

Mentes sociais camufladas e com inúmeras facetas são formadas diante o empoderamento originado pelos perfis virtuais. A presente perspectiva mostra-se instigante e ao mesmo tempo sensível diante um período da sociedade da hiperinformação (e baixa formação), não deixando de considerar o recente processo de democratização – em meio a um Estado Democrático de Direito – que motiva pilares como o amplo acesso à informação e a liberdade de expressão, sobretudo a dignidade da pessoa humana que designa tutelar todos os demais direitos individuais e sociais inerentes ao homem.

Cabe ressaltar que, com apenas um “clique” no Google, uma pessoa pode reviver todas as mazelas por ela sofridas e até então que estavam esquecidas pela sociedade, reaquecendo os amargos já superados – insegurança pessoal que não pode ser acobertada de forma omissa pelo Direito.


REFERÊNCIAS

DOTTI, René Ariel. O direito ao esquecimento e a proteção no habeas data.In:WAMBIER,TeresaArrudaAlvim(coord.).HabeasData.SãoPaulo:RevistadosTribunais,1998.p.300

FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil Teoria Geral.8 ed. 2ª tiragem, Rio de Janeiro, 2010, p.125-126.

RAIMUNDO, João Pedro Sargaço Dias. Uma nova frente da proteção de dados pessoais: a (im)possibilidade de assegurar um eventual direito ao esquecimento. Dissertação de Mestrado em Direito. Faculdade de Direito. Universidade do Porto. Disponível aqui.

SANTOS, José Eduardo Lourenço dos. A discriminação racial na internet e o direito penal: o preconceito sob a ótica criminal e a legitimidade da incriminação. Curitiba: Juruá, 2014.


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Fábio Ruz

Delegado de polícia. Professor de Direito Constitucional de cursos preparatórios para carreiras policiais. Mestre em Direito na área de concentração "Teoria do Direito e do Estado", no Programa de Estudos em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM). Coautor da Obra "NOVOS DIREITOS, NOVOS RISCOS E CONTROLE SOCIAL", Editora Boreal. Coautor da Obra "HUMANIZAÇÃO E EXECUÇÃO PENAL, o Drama na Efetividade do Direito Penal, Editora Instituto Memória. Coautor da Obra "CONSTITUCIONALISMO, DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO", Editora Projuris. Autor da Obra "DELEGADO DE POLÍCIA NA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO E MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS", Editora Instituto Memória.

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