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Direito e Literatura: notas sobre a sua produção científica no Brasil

Direito e Literatura: notas sobre a sua produção científica no Brasil

Nota introdutória: Na coluna da Comissão de Estudos Direcionados em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentamos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão nessa terceira fase do grupo. Além da obra que será produzida, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2019, passamos a realizar abordagens mais direcionadas nos estudos. Daí que contamos dois grupos distintos que funcionam concomitantemente: um focado na literatura de Franz Kafka e outro na de George Orwell. Assim sendo, alguns artigos foram selecionados e são estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam as ‘relatorias’ (notas, resumos, resenhas, textos novos e afins), uma vez que cada membro fica responsável por “relatar” determinado texto por meio de um resumo com seus comentários, inclusive indo além. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O texto da vez, formulado pela colega Rosália Mourão, foi feito com base no artigo “Produção Científica em Direito e Literatura no Brasil”, de Pedro do Amaral Fernandez Ruiz e Iara Pereira Ribeiro – publicado nos anais do V CIDIL. Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador das Comissões de Estudos Direcionados de Direito & Literatura – Orwell e Kafka – do Canal Ciências Criminais)

A produção de artigos científicos de Direito e Literatura aumentou de forma considerável nos últimos anos, em razão disso, os autores resolveram pesquisar como estes artigos estavam sendo produzidos, se havia uma sistematização nas pesquisas, o que mais era abordado de conteúdo jurídico, que obras e autores eram mais estudados.

Para isso fez-se uma análise de 132 artigos apresentados nos Encontros Nacionais do Conselho de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), no grupo de trabalho “Direito, Arte e Literatura”, nos anos de 2010 a 2016.

A relação de Direito e Literatura é uma temática que instiga muitos pesquisadores a analisarem os textos literários sob o viés jurídico, mas como esta produção científica está sendo sistematizada? Há uma preocupação científica dos pesquisadores ao analisarem as obras literárias e como o Direito é influenciado por elas?

Os autores falam do preconceito ao se estudar a relação de Direito e Literatura, pois muitas pessoas acreditam que esse tipo de relação não é possível, por não ser dogmática e para outros não tem credibilidade acadêmica.

Para outros pesquisadores assim como a Literatura, o Direito também é uma narrativa, uma história narrada sob o viés dos personagens que fazem parte do processo. Para compreender o Direito faz-se necessário entender que este não é apenas a norma, mas é preciso entender Ciência Política, Sociologia, Antropologia, História do Direito e por quê não a Literatura para compreendermos o fenômeno jurídico?

Ao analisar os 132 artigos no Grupo de Direito, Arte e Literatura do CONPEDI os autores do artigo padronizaram um formulário para analisar os aspectos formais intrínsecos e extrínsecos dos artigos publicados

1) nome do artista responsável pela obra analisada; 2) ano de realização dessa obra; 3) tipo de manifestação artística da obra referida (literatura, cinema, música, teatro ou outros) que tenha servido como principal referencial para o desenvolvimento do artigo apresentado. Como aspecto material, identificou-se: 4) o enquadramento dos artigos em três categorias já consolidadas na área do Direito e Literatura (Direito como Literatura, Direito na Literatura e Direito da Literatura); e 5) ramo do direito preponderante no artigo8. (RUIZ, RIBEIRO, 2017, p.413)

Percebe-se que de 2010, ano que se iniciou o grupo no CONPEDI até 2016 último ano que foi analisado houve um acréscimo na produção dos artigos científicos. A maior parte dos artigos faz referência a uma obra literária em específico, depois cinematográficas e musicais e 13,64% não faz referência a nenhuma obra artística.

Observa-se também nos artigos, pouca variação dos autores estudados, há uma nítida preferência por autores renomados e clássicos como: Aldous Huxley, Saramago, Machado de Assis, George Orwell, Shakespeare.

Dessa maneira, entre os autores referidos duas vezes, a única obra de Aldous Huxley analisada foi Admirável Mundo Novo; a de Guimarães Rosa foi Grande Sertão: Veredas; a de E. L. James, Cinquenta Tons de Cinza; e de Stanley Kubrick, o filme Laranja Mecânica. Daqueles referidos três vezes, os três artigos sobre Franz Kafka trataram do livro O Processo e igualmente, os três sobre Sófocles de Antígona. Também George Orwell, citado quatro vezes, ficou restrito ao livro 1984 e William Shakespeare, seis vezes analisado, restrito ao O mercador de Veneza.

Dos autores que tiveram obras repetidas, mas não restrita a um único título, aponta-se José Saramago com Intermitências da Morte, Clarice Lispector com Paixão segundo G. H. e Machado de Assis com Dom Casmurro, em que essas obras foram por duas vezes analisadas nos artigos apresentados. (RUIZ, RIBEIRO, 2017)

É importante que não apenas os autores consagrados da Literatura sejam reconhecidos e estudados, muitos autores regionais também conseguem fazer a relação entre Direito e Literatura e não são reconhecidos por isso. No Piauí, o autor Eneas Barros possui várias obras em que essa relação é nítida e que pode ser feitos artigos e pesquisas sobre o tema, como é o caso da obra O turco e o cinzelador (já foi publicado um artigo no CONPEDI de minha autoria a respeito dessa obra) , 15: 50, O mistério das bonecas de porcelana, Parabelum. São obras piauienses que versam sobre temas como vingança, justiça e injustiça, crimes, processos, pedofilia, dentre outros temas.

Nos artigos analisados no CONPEDI há uma predominância de autores estrangeiros, dos cânones literários e os autores nacionais também são os que estão consagrados na Literatura Nacional. Seria interessante que quem publicasse no CONPEDI utilizassem autores fora do cânone nacional e universal e estudassem outros autores, às vezes bem mais próximo de nós que também produzem Literatura de qualidade e que podem acrescentar muito no estudo de Direito e Literatura.

A obra mais citada e analisada, por exemplo é Antígona de Sófocles, obra que é estudada não só nos cursos de Letras, mas no de Direito, Sociologia, Psicologia, Antropologia, Filosofia, dentre outros. As obras cinematográficas analisadas em todos os artigos são sempre de filmes estrangeiros. Existem filmes nacionais que podem acrescentar e fazer discussões jurídicas interessantes no cinema nacional. Por que não utilizar filmes nacionais para fazer essa relação? Uma prova de que isso é possível é o V DIRCIN que acontecerá nos dias 29,30 e 31 de maio na UENP, no Centro de Ciências Sociais Aplicadas e que do primeiro encontro ocorrido no ano de 2015 até o de 2019, percebe-se um acréscimo considerável da relação Direito e Cinema, com pesquisadores a nível de graduação, Mestrado e Doutorado que muito enriquecem a discussão sob os mais diversos temas jurídicos.

Os autores do artigo observaram que na clássica distinção entre Direito na Literatura, Direito como Literatura e Direito da Literatura, a predominância é de artigos que relacionam a partir de um texto literário a ciência jurídica, ou seja, de Direito na Literatura. Essa relação faz-se com diversas áreas do Direito tais como: Direito Penal e Processual Penal, Trabalho, Administrativo, Civil, Constitucional, História do Direito, Hermenêutica Jurídica, Bioética, Direito agrário, Direitos Humanos, Direito Internacional.

Nas considerações finais, os autores chegam a conclusão de um acréscimo considerável nos números de artigos publicados no CONPEDI, que a Literatura é a expressão artística mais utilizada nos artigos, depois vem cinema e música e outras manifestações artísticas.

Os autores finalizam perguntando por que o estudante de direito deve estudar a Literatura? Em que esse estudo será válido para seu crescimento pessoal e jurídico?

A resposta é que o profissional do Direito, em qualquer que seja sua área de atuação deve dominar a língua portuguesa, saber argumentar oralmente e na escrita, dominar técnicas de persuasão como o personagem Garganta da obra A Revolução dos bichos de George Orwell; permite ao jurista ter mais empatia, se colocar no lugar do outro ao observar as situações pelas quais os personagens passam, compreender a psiquê humana e seu complexo emaranhado de sentimentos tais como: amor, ódio, vingança, paixão, dentre outros.

Como professora da disciplina de Direito e Literatura no UNIFSA – Centro Universitário Santo Agostinho, Teresina – Piauí, e pesquisadora do tema considero a preocupação dos pesquisadores autêntica, muitos artigos não tem preocupação com a metodologia, outros não tem fundamentação teórica. Há uma diversidade de autores estudados nos artigos de Direito na Literatura, mas predomina o cânone literário como Shakespeare e Machado de Assis, embora outros autores sejam citados. Predominância de autores da Literatura estrangeira e no caso do cinema, nenhum filme nacional foi objeto de análise nos artigos.

Os alunos de direito ao se depararem no primeiro dia de aula com a disciplina Direito e Literatura tomam um choque, porque não conseguem entender a relação que existe entre elas e por que eles têm que ler obras literárias. Alguns demonstram uma resistência porque não gostam de ler, o que não é justificável em qualquer curso superior, é imprescindível que os alunos leiam. Aos poucos, com a discussão dos temas em sala de aula e a participação dos alunos na construção do saber essa barreira vai sendo rompida aos poucos.

Alguns livros causam estranheza e um impacto grande como é o caso da obra O Conto da aia, de Margareth Atwood, em que se discute a retirada dos direitos das mulheres, em uma época em que os direitos conquistados têm que ser preservados e constantemente esses direitos passam por violações.


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Rosália Maria Carvalho Mourão

Doutoranda em Ciências Criminais. Mestra em Letras. Professora de Direito e Literatura. Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura.

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