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Direito e literatura: uma intersecção possível?

Notas sobre “Direito e literatura: uma intersecção possível? Interlocuções com o pensamento waratiano”

Nota introdutória: Na coluna da Comissão Especial de Estudos em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentamos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão. Para além da obra, com a reunião de artigos produzidos pelos membros, que será produzida ao longo do ano, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2018, passamos a estudar de maneira mais específica o aporte teórico que dá embasamento ao movimento, preocupando-se com formas possíveis de abordagens, questões metodológicas e afins. Diante disso, alguns textos foram selecionados para serem estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam as notas, uma vez que cada membro acaba ficando responsável por “relatar” determinado texto por meio de um resumo com comentários. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O resumo da vez, formulado pela colega Nayara Swarowski, foi feito com base no texto “Direito e literatura: uma intersecção possível? Interlocuções com o pensamento waratiano”, de Albano Marcos Bastos Pêpe – publicado na ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura. Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador da Comissão Especial de Estudos em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais)

RESUMO DO ARTIGO ESTUDADO

A presente análise é sustentada sob a ótica de Albano Marcos Bastos Pêpe, graduado e mestre na área da Filosofia, com Doutorado em Direito. A reflexão passeia pelo pensamento do precursor do movimento Direito & Literatura no Brasil ao final dos anos 1970, o jusfilósofo e Professor de Direito Luís Alberto Warat.

Em meio a nuances históricas, políticas e sociais, a Literatura acaba por se constituir como mecanismo de expressão não somente ao que tange às suas narrativas, mas notadamente pela utilidade em diversos campos do conhecimento distintos de sua matriz, provocando mudanças, empoderando, influenciando ou fustigando a curiosidade e pensamento crítico do interlocutor ou leitor.

Por assim se fundir a Literatura com importantes espaços de produção do saber, o campo da Ciência Jurídica demonstra ampla aplicabilidade do contexto literário. Mais parece via de mão dupla: a literatura conta fatos do Direito desde as priscas eras gregas por meio da literatura clássica, enquanto o Direito recepciona a Literatura pelo que se manifesta em sua Linguagem ou na narrativa fática por meio de seu discurso jurídico e questões de fato imersas a ele.

Pêpe afirma que aproximar, assim, a Literatura ao fenômeno jurídico que se racionaliza através de sua aplicação dogmática é uma prática desafiadora. Entretanto, Warat trouxera essa possibilidade resultante de apelos pessoais à superação do conservadorismo no contexto jurídico e por vislumbrar a necessidade de desconstrução da linguagem formal, o que veio a chamar de Carnavalização do Direito, conceito desenvolvido originalmente por Bakhtin.

Este foi com quem Warat aprendeu que “a vida, antes de um problema a ser resolvido, é um desejo a ser vivido”, não estando essa Carnavalização em contato direto com a razão, mas com a vida que se manifesta para muito além da problematização legalista.

Warat colecionava leituras densas, como Jorge Luis Borges, Júlio Cortázar e Manuel Puig, além da notável literatura brasileira a exemplo de Mário de Andrade e Jorge Amado. Assim propusera Warat, imerso à literatura de André Breton ou Roland Barthes até Mikhail Bakhtin, confluências entre a Literatura e o Direito de modo a humanizar a práxis jurídica.

Reflete o autor que o contexto judiciário é acometido por mitos, ritos e símbolos. A sensibilidade do cotidiano na pós-modernidade é, muitas das vezes, judicializada. Por conseguinte, no contexto do trâmite processual, Pêpe destaca que se perdem os sentidos da narrativa e resta a mecanização do sistema sujeito ao tempo e ao espaço disponível conforme a razão lógica do sistema operante.

A palavra toma uma proporção estática e inerte a todo o campo de significados de sua origem, não mais se expressando em suas diversas matizes. Por esta lógica, Warat reconhece que o discurso jurídico é embasado em seus enunciados e legislações, o que Warat denomina de “pensamento único”, legitimado pela cientificidade do instituto, configurando a dogmática jurídica.

A partir daí, Warat demonstra três etapas da dogmática tradicional jurídica e sua incidência com o método técnico jurídico, sendo: a primeira, a “conceitualização dos textos legais”, que torna a dogmática jurídica estrita à legalidade e aplicação de seus dispositivos; a segunda, a da construção da própria dogmática jurídica em seus dogmas e, por fim, a terceira etapa, que condiz com a estruturação científica do objeto jurídico.

Desta maneira, Pêpe destaca dentro da perspectiva waratiana a estrutura hermética a que a construção lógico-formal do sistema positivista se constitui. Nesse sentido, Warat propõe em tal contexto um chamamento à transgressão linguística como um insight provocador a emancipar o saber científico por meio da linguagem carnavalizada.

Entende o jusfilósofo argentino que, ao democratizar a linguagem, é possível a ressignificação do discurso mirando, inclusive, ao ramo da psicanálise, bem como exposto o ramo da literatura para humanizar o discurso e a práxis jurídica, esta marcada pelo senso comum teórico da rija formação dos juristas.

Warat tinha compromisso com a subjetividade do cotidiano, propondo uma semiologia pautada pelos desejos, amores, afetos, gozos, sonhos e pelas fantasias, assim beirando ou, surrealisticamente, chegando ao livre universo lúdico propiciado pela Linguagem.

A Literatura, para Luís Alberto Warat, corresponde às possibilidades dos devires do ser humano e suas humanidades em suas perversas ou impudicas intenções. Local do imaginário social, onde se compreende a liberdade da experiência de viver e de se expressar. A Literatura, para Warat, significa a condição de criar um universo à parte daquele que se vive, podendo ainda assim interagir com ele.

Por fim, Warat, como em uma receita para a Liberdade, prescreve o surrealismo, em que o sujeito cientista social ou jurídico e o sujeito desejante se rendam ao sujeito poeta e subversivo, para romper os obstáculos epistemológicos nos quais se amarram no genuíno desejo de que “a Verdade dependa de Eros, a Liberdade dependa do Autocontrole e a Beleza dependa de uma Estética da Vida”.


Notas sobre “Direito e literatura: uma intersecção possível? Interlocuções com o pensamento waratiano”

REFERÊNCIA DO TEXTO-BASE PARA O RESUMO

PÊPE, Albano Marcos Bastos. Direito e literatura: uma intersecção possível? Interlocuções com o pensamento waratiano. ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Direito e Literatura, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 5-15, ago. 2016. ISSN 2446-8088. Disponível aqui.

Nayara Swarowski

Integrante do REAGRUPE - Rede de Apoio aos Grupos de Pesquisa de Santa Catarina. Mediadora e Conciliadora Privada. Membro do Projeto "Mulheres no Processo Civil Brasileiro/Afilhada Acadêmica" do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Autora de livros e artigos jurídicos. Membro da Comissão Especial de Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais. Graduanda em Direito.

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