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Direito Comparado: o sequestro na lei penal do Brasil e de Cabo Verde

Direito Comparado: o sequestro na lei penal do Brasil e de Cabo Verde

O mundo tornou-se um palco. Pequeno…

Na pressa que repousa sob um clique, falamos com pessoas da outra extremidade do planeta, vemos suas fotos e podemos ir de um lado a outro em grande velocidade. Nessa dinâmica, informações que trafegam pela rede se transformam em tatuagens cuja remoção flerta com o impossível.

Na mesma pressa a criminalidade organizada se acelera, impondo aos estados desafios de segurança que lhes exige uma atuação para a qual não estavam preparados. Afinal, pressuposto de tal criminogênese é a existência de estruturas próprias e hierarquizadas, e em alguns casos, uma relação horizontal que não raro inclui elementos do próprio poder estatal.

A nova onda tecnológica e as criativas formas de sustentação econômica do crime organizado garantem a estas estruturas uma capacidade de auto-financiamento antes não imaginável.

Nesse cenário, em vários pontos do globo o poder estatal agiu ou age reativamente e não proativamente, e uma modalidade de crime das mais perversas e hediondas – talvez a mais repugnante – avança pelos anos sob os olhares inertes dos organismos estatais de segurança: o sequestro de crianças.

Já se vão décadas desde o nascimento da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças assinada em Haia, Holanda, precisamente no dia 25 de outubro de 1989, cuja ideia central é “proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas”.

Na ocasião o diploma de direito internacional conceituou a retenção ilícita e previu mecanismos de controle, estabelecendo ainda o chamado direito de custódia e de visita, voltando suas forças contra as situações em que um familiar viola regras de direito de visitação e de posse e/ou guarda, levando uma criança a atravessar fronteiras ao arrepio da lei e de uma decisão judicial (no Brasil, o caso Sean Goldman ganhou atenção da imprensa internacional, e levantou acusações no sentido de que o país lusófono teria violado o texto da Convenção).

Mas a faceta mais assombrosa do problema está ligeiramente distante desse cenário.

Não estamos a tratar aqui, precisamente, destes casos comumente verificados em disputas familiares e divórcios mal resolvidos, mas sim de redes criminosas de abrangência internacional que dão lugar ao chamado desaparecimento de crianças. Objetivamente, falamos do sequestro de crianças com finalidades desconhecidas mas presumivelmente abjetas: o tráfico de órgãos e o homicídio, as adoções ilegais, o aliciamento para a exploração sexual, os rituais de seitas obscuras, dentre outras práticas capazes de causar náuseas ao mais experiente criminologista.

Prova de que o problema não é novo e não respeita fronteiras (e de que os crimes são praticados de forma particularmente meticulosa) reside no fato de estamos prestes a completar 11 anos do caso Madeleine McCann, transcorrido no Algarve português, sem qualquer solução. Brasil, Portugal e o rapto de crianças voltaram à cena mais recentemente com uma ampla reportagem da emissora lusa TVI, que colocou sob suspeita a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), supostamente envolvida em um esquema ilícito de tráfico de crianças para adoções irregulares.

De fato, enquanto o tráfico de pessoas não respeita a liberdade e atua nos vícios de vontade da vítima, reduzida a simples mercadoria, o sequestro é o tolhimento completo do direito de ir e vir, dentro do país ou além-fronteiras; tais crimes têm causado mutações na lei penal a fim de que estabeleçam preceitos secundários – molduras penais, segundo a nomenclatura portuguesa – mais severos quando se esteja a tratar de crianças. É a fragilidade natural à infância que lhes impede de manifestar qualquer vontade ou mesmo reagir a uma ação violenta, nada lhes restando senão o choro da injustiça e a esperança em nós, os adultos, e nossas instituições.

O SEQUESTRO NA LEI PENAL DO BRASIL E DE CABO VERDE

Em Cabo Verde é o artigo 138 do Código Penal – em vigor desde julho de 2004, alterado pelo Decreto Legislativo n.º 4/2015, de 11 de novembro – que trata do crime de sequestro, e diz o seu nº 1 que quem ilegitimamente prender, detiver, mantiver, qualquer pessoa presa ou detida, ou qualquer forma de privar a liberdade da pessoa, será punido com pena de prisão de seis meses a três anos.

A pena é agravada nos termos do nº 3, sendo um dos casos de majoração a prática por um bando organizado.

O crime é crime de processo público nos termos do artigo 374, nºs 1, 2, 3 e 4 do Código Penal de Carbo Verde, ou seja, desimporta a manifestação da vítima: qualquer pessoa que tomar conhecimento da ocorrência de uma ação que pode configurar sequestro pode e deve denunciá-la às autoridades.

Do outro lado do Atlântico a matéria é tratada no art. 148 do Código Penal brasileiro (sequestro e cárcere privado), dispositivo que sofreu alterações em 2002 e 2005 no embalo de crimes midiáticos que pintaram a terra do samba com as cores acinzentadas da comoção. A pena varia de um a três anos, mas se a vítima é menor, sobe para dois a cinco, podendo ainda ser elevada a moldura para dois a oito se resultar sofrimento físico ou moral ou se for verificada situação de maus-tratos, sendo o caso também de um crime sujeito à ação penal pública incondicionada.

Se entretanto o sequestro for praticado como meio de extorsão, cabem as penas do art. 159, com pena que varia de oito a quinze anos, chegando ao extremo dos vinte e quatro a trinta anos se a vítima vier a ser morta.

Outro crime previsto na legislação penal brasileira que diz respeito à matéria é o de subtração de menores – mais afeto à situação descrita na Convenção de Haia, e mais distante do escopo da presente análise – pelo qual aplicar-se-á uma pena de dois meses a dois anos a quem “subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial”.

Nos casos em que o sequestro não é praticado com a finalidade de extorquir, mas dele resulta um homicídio, poder-se-á estar diante de um homicídio multiplamente qualificado, com eventual concurso material de variados crimes cometidos ao longo do iter criminis.

Essencialmente quanto ao sequestro de crianças que nunca mais são encontradas, é de se verificar na base, com assustadora frequência, a ideia de obtenção de um proveito económico, com seleção de vitimas do sexo feminino, mulheres e/ou crianças.

A finalidade está quase sempre atrelada aos desígnios do tráfico de pessoas: trabalhos forçados, escravidão sexual ou para o trabalho doméstico, homicídio para a extração de órgãos, prostituição, dentre outras.

Tomando como base a situação atual de desaparecimento de pessoas primordialmente na cidade da Praia, Cabo Verde, pode-se dizer numa análise preliminar que se está perante típicos caso de sequestro, pese embora não se deva deixar de lado outras linhas de investigação.

EPISÓDIOS NA PRAIA, A CAPITAL DE CABO VERDE

No momento há cinco pessoas desaparecidas na capital de Cabo Verde, majoritariamente crianças, o que nos faz crer que se trata de associação criminosa em grande escala – que pode ter partido desde o golfo da Guiné, conforme o mapa de tráfico de pessoas traçado pela ONU – ou perante psicopatas isolados ou organizados.

Muitas são as associações criminosas que pelo seu poderio econômico chegam a abrigar dezenas de milhares de membros, em variados continentes: o PCC e o Comando Vermelho do Brasil, a Camorra Italiana, a máfia Russa, a Yakuza do Japão, dentre outras que têm vindo a criar cada vez mais ramificações em vários pontos do mundo – sem se falar nas redes terroristas –, assim massificando o trabalho criminoso. Embora mais voltadas ao tráfico de drogas e aos crimes financeiros, terão estas organizações algum tipo de ligação direta ou indireta com o atual quadro de frequentes sequestros de crianças no continente africano?

A ilação tem sua razão de ser, já que algumas das rotas de tráfico de pessoas mais conhecidas são as do golfo da Guiné para a Europa e o Sudoeste Asiático, do Brasil para a Europa, e da África Oriental para o Oriente-Médio.

Nos casos de tráfico de pessoas e/ou sequestro, dados globais indicam que 51% das vítimas são mulheres, cabendo às crianças de sexo feminino o percentual de 20%. Aos homens cabe a fatia de 21% e às crianças de sexo masculino o percentual de 8%.

Em concreto, nos casos das meninas Nina e Filú, desaparecidas na Praia, o que justifica esperar 48 horas para começar diligências básicas de busca, se no final do ano passado Edvanea Gonçalves, de 10 anos, residente no bairro de Eugénio Lima, Praia, também desapareceu e até o momento as autoridades não apontam nenhum rastro? Será razoável dar aos criminosos um generoso prazo de dois dias para que consumem os fatos e limpem os vestígios, considerando-se ademais que hoje, em dois dias, somos capazes de cruzar o globo terrestre a bordo de um avião?

A hipótese reforça a lenda urbana que se espalhou pelo Brasil e também por Portugal, no sentido de que as autoridades policiais devem aguardar um prazo mínimo para que se realizem buscas de um supostos desaparecidos.

Caso para pensar se estamos perante incompetência, inércia, insensatez e/ou falta de capacidade de enfrentar fenômenos novos aparecidos na capital Praia, tal como ali acontecera também no episódio do pároco Samuel Costa, no mês de agosto de 2017, vítima do que no Brasil se denominou “sequestro relâmpago”.

Pelos vistos, com a Polícia Judiciária a assumir que não há nenhuma pista – mas também não há desaparecidos na lista da INTERPOL, de que Cabo Verde é parte e que aliás tem ali representação – a pergunta do dia será: estão a levar a situação mesmo a sério ou estamos perante mais um descaso por parte das autoridades com competências de fazer o seu melhor e com o profissionalismo que se requer nestas ocasiões?

Não deixamos de lado a parte complexa do fenômeno, mas estaremos aqui diante de mais um caso com ares de insolubilidade, como tem tristemente se apresentado o caso Madeleine McCann?

Diz o ditado que a esperança é a ultima que morre, mas ousamos dizer que no Brasil ou em Cabo Verde, nem mesmo a catalepsia das forças de segurança será capaz de matá-la. Temos a convicção de que boas notícias surgirão, desde que os deveres constitucionais das instituições sejam cumpridos com vigor, e temperados com um maior sentimento de compaixão.

Osvaldino Semedo

Lic. em Direito. Lic. em Criminologia e Segurança Pública. Pós graduado em Fiscalidade. Pós graduado em Integração Regional Africana.

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