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Direito Penal do futuro: prevenção ou repressão?

Direito Penal do futuro: prevenção ou repressão?

A história do Direito Penal se confunde com a própria história do homem. Nas sociedades primitivas o mencionado direito não era organizado tal qual no corpo social moderno e se baseava na vingança pura e simples, como bem leciona Magalhães Noronha:

A pena em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça. (NORONHA, p.28).

Durante sua evolução pode-se notar a segmentação do Direito Penal em dois períodos diametralmente distintos, quais sejam, o período do terror e o período liberal.

O primeiro período, fazendo jus à própria denominação, era violento e não havia prudência em limitar os poderes estatais. Por isso, a repressão imposta era cruel e desumana. Já no segundo período, de forma totalmente oposta ao primeiro, a preocupação principal era com a pessoa humana. Por conseguinte, este período atentou-se em buscar a legalidade do direito de punir e da pena, num verdadeiro freio ao jus puniendi do Estado (BRANDÃO, 2008).

Hodiernamente, muitos dos países civilizados vivem sob a égide do Estado Democrático de Direito, que pode ser conceituado como o Estado garantidor das liberdades civis, dos direitos humanos, das garantias fundamentais e da limitação do poder do próprio Estado, usando para isso o respeito ao arcabouço legal.

Outrossim, dentro desse panorama do Estado Democrático de Direito, está inserido o Direito Penal Liberal, com a principal característica deste, qual seja, o Princípio da Legalidade. O referido princípio foi assim definido por Beccaria (apud BRANDÃO, p. 33):

O primado da lei, isto é, o princípio da legalidade, é o meio eficaz para, em primeiro lugar, possibilitar que as pessoas da mais alta posição social sejam punidas da mesma maneira que as pessoas da mais baixa classe; em segundo lugar, para que houvesse a proporcionalidade entre o crime e a pena; e, em terceiro lugar, para que houvesse a irretroatividade da norma penal e a proibição de analogia.

Tal princípio também foi assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), em seu artigo oitavo:

A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada ante do delito e legalmente aplicada.

Apesar de toda a evolução pela qual passou o Direito Penal nos últimos séculos, vislumbra-se, atualmente, a involução e falência do sistema penal, notadamente pela não satisfação plena de uma das funções da sanção penal, qual seja, a preventiva.

Para tanto, basta observar o número de reincidentes existentes no Brasil e o aumento da população carcerária a cada ano, que atingiu a marca de 726.712 presos em 2016, consoante Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional.

Destarte, o Direito Penal, a despeito de necessário, não consegue prevenir a prática de novos crimes, acaba por estigmatizar o condenado e traz à tona apenas o efeito retributivo da pena, levando os encarcerados à segregação social.

Diante da supradita falência, qual será o Direito Penal do Futuro?

Direito Penal do Futuro

O Professor alemão Claus Roxin (2001) trouxe à baila possíveis soluções para o dilema do Direito Penal. Uma delas é a ampliação da vigilância dos cidadãos pelo Estado como fator de redução da criminalidade e, por consequência, do próprio Direito Penal:

De fato, pode-se verificar que sociedades liberais e democráticas possuem uma criminalidade maior que ditaduras. Mas também um país livre e em que existe um Estado de direito, como o Japão, tem uma criminalidade sensivelmente menor que a dos estados industriais do ocidente. Isto costuma ser explicado com o fato de a estrutura social japonesa ser bem menos individualista que a ocidental. O indivíduo está submetido, portanto, a um controle social (através da família, dos vizinhos e de uma polícia que aparece como assistente) consideravelmente mais intenso, o que dificulta o comportamento desviante. Na Alemanha, Munique é a cidade grande mais segura, isto é, com menor criminalidade; e isto decorre de que Munique possui o mais intenso de todos os policiamentos, obtendo através disso maior eficácia preventiva. (ROXIN, p. 3)

Todavia, aludida prática deve vir resguardada de todas as garantias oriundas de um Estado de Direito Liberal, rechaçando qualquer ideia totalitária.

Outras soluções trazidas pelo grande penalista são a descriminalização e a diversificação.

A primeira seria a eliminação de tipos penais desnecessários para a garantia da paz social, como aqueles que infrinjam a moral, religião e a autopericlitação. Além disso, descriminalizar-se-iam os comportamento socialmente lesivos que pudessem ter a eliminação do distúrbio social por meios previstos fora do Direito penal.

A segunda solução seria utilizada quando a descriminalização não fosse possível, nos casos de crimes que fogem da esfera dita anteriormente. Utilizar-se-iam alternativas à condenação, como o arquivamento do processo nos delitos de bagatela que não possuem interesse público e a utilização da prestação de serviços à comunidade e a reparação de danos.

Ante o exposto, há que se considerar que o Direito Penal do futuro deve ser aquele que concilie a garantia da paz e a defesa dos direitos dos cidadãos, inclusive dos acusados. Preocupando-se, então, com prevenção do crime e a substituição das sanções penais que privam a liberdade e rotulam os indivíduos por meios extrapenais eficientes, na medida do possível.


REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 413 p.

CONJUR, Consultor Jurídico. Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo, com 726.712 mil presos. 2017. Disponível aqui. Acesso em: 27 jul. 2018.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. 449 p.

ROXIN, Claus. Tem Futuro o Direito Penal? ed.: Revista dos Tribunais, 2001. 459 p. v. 790.

Flávio Lúcio Leite Júnior

Pós-graduado em Ciências Penais. Assistente Judiciário (Tribunal de Justiça de São Paulo).

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