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O direito penal e o metaverso: realidade e não possibilidade

Quando se ouve falar em metaverso e direito, principalmente direito
penal, as narrativas costumam ir em direção à necessidade de construção de
um regramento específico ou, ainda, no sentido de afirmar-se que falta muito
tempo para que essa realidade bata à nossa porta.

Eu diria, como um bom advogado, que não é bem assim.

Vamos fazer um exercício de pensamento quase que filosófico e
vamos analisar a principal das narrativas que envolvem o tema: a
necessidade de um regramento prévio e específico.

Para começar, eu gostaria de provocar em você, leitor, uma reflexão:
quando houve a mudança da máquina de escrever para o computador, por
exemplo, houve alteração legislativa para precaver os atores jurídicos e
sociais de possíveis novos conflitos perante os disruptivos maquinários
tecnológicos? Exatamente, não.

E quando saímos, ou melhor, migramos da chamada WEB1 para a
WEB2, houve criação de novos códigos? Novas normas? Novos meios de
regular as relações sociais com base nas inovações de tecnologia
relacionadas à rede mundial de computadores? Existe um código digital, ou
ao menos a pretensão de criação de um? A necessidade de adaptação de
uma internet discada para uma internet banda larga, o advento das redes
sociais… eu lhe questiono: houve inovação legislativa de modo a construir-se
dispositivos exclusivamente pensados à regular relações informáticas? Mais
uma vez: não.

De fato, existem, por óbvio, atualizações, tanto em texto normativo
como em interpretação legislativa, o que, por si só, já se justificaria com os
avanços e alterações temporais relacionadas à própria sociedade que, no
tocante aos possíveis exemplos penais, antes apenas poderia cometer o
crime de injúria pessoalmente, por exemplo, e hoje pode cometê-lo em rede
mundial. E isso vale para diversos outros crimes.

E aí vamos nos ater a esse exemplo, do crime de injúria, para
construirmos um cenário mais lógico. Ora, a injúria, crime contra a honra
previsto no artigo 140 do Código Penal, se caracteriza quando há ofensa a
dignidade ou o decoro e aí perceba, o tipo penal explicita o local ou o
alcance dessa ofensa? Não, visto que a abrangência da norma é a de abarcar
as relações interpessoais, ou seja, para isso, não existem limites. Ou seja, esse
crime pode ser caracterizado em contato pessoal, em contato digital ou em
qualquer outro tipo de contato existente que possa vir a ter um agente que
ofende e uma vítima ofendida.

Alguém poderá dizer que esse crime não pode ocorrer em um
ambiente de WEB3, em um ambiente no metaverso?
Com efeito, isso vale para praticamente todos os demais casos de
delitos expostos no Código Penal brasileiro e não somente quando envolve o
direito penal, ou seja, em se tratando de temas cíveis, tributários,
sucessórios…

O direito, em seu amplo conceito legislativo, doutrinário e
jurisprudencial, seja em qual área for, ele se define por normas, um conjunto
de normas e, não menos importante, talvez até mais, pela interpretação
dessas normas à luz dos anseios e relações sociais.
Se estamos tratando da contemporaneidade do direito, acerca do que
anseia a sociedade, como poderemos afirmar que o direito penal não está
abarcado às nuances do metaverso? Não faz sentido, a realidade é
exatamente contrária.

Mais uma vez, obviamente, conceitos legislativos devem sempre ser
interpretados à luz do caso concreto. Não podemos tratar de homicídio no
metaverso (ainda), mas podemos falar no crime de dano, previsto no art. 206
do Código Penal, quando ocorrer um caso de eliminação de avatar, por que
não?

Os princípios do direito penal não são esvaziados quando a sociedade
se mostra em suas relações noutra esfera que não a física, porque veja, se
assim o fosse, não teríamos cada vez mais adaptações legislativas para
atender aos casos relacionados aos crimes contra a honra cometidos em
ambientes virtuais, casos relacionados aos atentados contra a democracia em
redes sociais, parâmetros de defesa e combate aos “golpes do PIX” e por aí
conseguimos chegar em inúmeros exemplos fáticos.

Legalidade, anterioridade, irretroatividade, extraterritorialidade… em
que momento tais princípios não serão abarcados em um ambiente imersivo
ou, minimamente, relacionado à WEB3?

Qual jurista, do mais conservador existente, poderá defender a tese de
que, em âmbito imersivo, não se aplicam os conceitos da teoria da atividade
ou da ubiquidade na definição de tempo e lugar do crime?
É justamente o contrário.

O direito penal existe para regular as relações sociais, ponto.
Se as relações sociais estão migrando (também) para ambientes
imersivos e/ou relacionados às tecnologias inerentes a uma WEB3, seja ela
qual for, o direito penal também se adaptará para atender às ações
repressivas e preventivas inerentes às nuances desse ambiente.

As interpretações legislativas serão feitas para que os cidadãos
brasileiros sejam atendidos e suportados por um Código Penal que é de
1940, que teve sua última grande reforma em 1984, mas que se adapta a
cada ano, de acordo com cada nova inovação, seja tecnológica, seja social.
Vejamos, em mais um exemplo, o art. 147-A do Código Penal, crime
de perseguição, mais conhecido como stalking. Dispositivo penal criado em
2021, adaptando as relações sociais para a construção do que pode e deve
ser feito por um direito penal que visa não pela manutenção das relações
sociais preexistentes, mas pela possibilidade de prever, prevenir e reprimir
possíveis danos na ultima ratio da esfera de direitos.

Se antes de ler este artigo você acreditava que o metaverso precisaria
de um código específico para regular suas relações, espero que tenhamos
conseguido alterar o rumo desse pensamento, pois temos muito trabalho a
fazer nessa área e isso está apenas começando…

Autor: Irvyng Ribeiro

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