O direito ao trabalho no regime semiaberto
O direito ao trabalho no regime semiaberto
A Lei de Execução Penal foi editada com o fito de estabelecer como objetivo o cumprimento da decisão criminal que aplicou a sanção penal e o oferecimento de condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. O legislador, desta forma, buscou com os dispositivos do referido diploma legal, a execução da reprimenda que viesse a ressocializar aquele que a está cumprindo.
O trabalho vem como mecanismo de relevante importância para reinserir o preso na sociedade, de forma que o possibilite exercer suas atividades, obter remuneração para seu sustento e de sua família e, consequentemente, afastar-se da prática de ações ilícitas.
Para tanto a lei instituiu benesses àqueles que, ao longo do cumprimento da pena, exerçam suas atividades laborais, como, por exemplo, preconiza o artigo 126 da LEP, ao garantir a remição pelo trabalho. O dispositivo legal garante que para cada três dias de trabalho, seja descontado um dia de pena, valorizando e incentivando os detentos a buscarem emprego lícito.
O artigo 37 da lei acima referida dispõe:
A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.
O apenado do regime fechado poderá realizar trabalho interno e, quando se tratar de trabalho externo, poderá o fazer somente em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.
Na prática, o que se verifica são raríssimas hipóteses de trabalho externo. As empresas não costumam procurar por esse tipo de mão de obra em razão do cuidado e zelo que terão de ter para manter a disciplina dos detentos e evitar eventuais fugas.
Já no regime aberto, o apenado não é beneficiado pela remição, conforme disposição legal do artigo 126, que garante tal benefício somente aos apenados dos regimes fechado e semiaberto. Isso ocorre porque o trabalho é condição para a progressão para o regime aberto.
Com a devida vênia, tal entendimento não se coaduna com os objetivos fixados pelo diploma legal e não encontra respaldo em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Todavia, deixamos para nos aprofundar no tema em outra oportunidade.
Pois bem. E quando o trabalho ocorre no regime semiaberto?
O artigo 126 da LEP garante a possibilidade do preso do regime semiaberto exercer atividade laboral e gozar do benefício da remição da pena, nos termos preconizados pelo dispositivo legal referido. Ocorre que, diariamente os apenados vêm enfrentando óbice no lapso temporal exigido pelo artigo 37 da LEP, acima transcrito.
A necessidade de se aguardar o cumprimento de um sexto da pena para início do trabalho não encontra respaldo no contexto fático de cumprimento da reprimenda. Vejamos. Com o mesmo cumprimento de um sexto da pena, o apenado irá progredir para o regime aberto e, então, não poderá ser beneficiado pela remição, tendo em vista que para o regime aberto o trabalho é condição. Logo, resta esvaziado o objetivo do legislador com o instituto da remição pelo exercício de atividade laboral.
Atento a isso, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no sentido de dispensar o cumprimento de um sexto da sanção para autorização do apenado ao trabalho no regime semiaberto, conforme trecho de ementa de decisão colacionada:
(…) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, para os apenados que cumprem pena em regime semiaberto, afigura-se prescindível o adimplemento de requisito temporal para a autorização de trabalho externo, desde que verificadas condições pessoais favoráveis pelo Juízo das Execuções Penais. Precedentes. Assim, constitui constrangimento ilegal a negativa do trabalho externo ao apenado com fundamento somente na ausência de cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena pelo condenado em regime semiaberto, como in casu. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão do Magistrado das Execuções, que autorizara o trabalho externo pelo paciente. (HC 355.674/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 21/11/2016)
Assim, apurando-se as condições pessoais favoráveis do apenado que cumpra sua pena em regime semiaberto, o cumprimento de um sexto da pena não pode tornar-se óbice para o exercício de atividade laboral e consequente gozo de remição, diante de requisito incongruente com o sistema jurídico vigente.
O falido sistema carcerário brasileiro abarrotado de presos que já poderiam ter progredido de regime ou sido beneficiado por algum instituto garantido por lei, não contribui em nada para a ressocialização do apenado. Não bastasse a situação gravemente conhecida dos presídios e penitenciárias que abrigam presos do regime fechado, a situação do regime semiaberto é igualmente caótica.
Muitos apenados progridem recebendo prisão domiciliar (especial), enquanto outros, condenados inicialmente a regime semiaberto, são necessariamente recolhidos a estabelecimento prisionais compatíveis com seu regime. Portanto, suprimir o direito do trabalho do apenado, nesse caso, agrava ainda mais o contexto fático do cumprimento de pena, além de agravar a realidade carcerária.
Por outro lado, permitir que o apenado exerça atividade laboral, além de contribuir com a recuperação de sua dignidade e sua reinserção no mercado de trabalho e sociedade, faz com que a reprimenda seja cumprida de forma mais célere, desonerando o estabelecimento carcerário.
Em que pese o STJ interprete o dispositivo legal dispensando o cumprimento do requisito objetivo, em muitas oportunidades o Ministério Público segue opinando desfavoravelmente aos pleitos defensivos de autorização do trabalho do preso do regime semiaberto. Daí a importância do Operador do Direito seguir atento à jurisprudência e aos direitos e garantias consagrados ao preso, objetivando, sempre, a ressocialização do apenado.