Dirigir sem CNH é crime?
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O assunto a ser tratado aqui é motivo de dúvidas de muitas pessoas. Afinal, existe consequência no âmbito criminal para quem dirige sem a Carteira Nacional de Habilitação?
A lei 9.503/97 trouxe o Código de Trânsito Brasileiro, a qual dispõe no seu artigo 309 acerca da criminalização do motorista que dirigir sem CNH. O dispositivo traz algumas peculiaridades que merecem a atenção tanto dos cidadãos, como dos operadores do direito. Vejamos:
Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Inicialmente, cabe esclarecer que o legislador não procurou criminalizar a conduta daquele motorista que, apesar de possuir CNH, não está portando ela no momento em que conduz o veículo automotor. Em que pese sejam cabíveis punições em outras esferas, como a multa na seara administrativa, a conduta não é passível de sanção criminal.
O dispositivo legal, ao final de sua redação, condiciona a tipificação do crime à existência de perigo de dano. Essa condição seria aplicável somente se cassado o direito de dirigir ou também no caso de o motorista não possuir permissão e habilitação? Tratando-se de tipo penal, a interpretação deve ser no sentido de que em todas as hipóteses trazidas pelo artigo deve haver perigo concreto de dano.
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Acerca do perigo, imprescindível salientar que deve ser devidamente comprovado pela acusação, sob pena de atipicidade e consequente absolvição do acusado. Assim, verifica-se que o diploma legal não presumiu que a conduta descrita gera perigo de dano por si só, devendo esse perigo ser analisado e demonstrado no caso concreto.
Não ocorrendo o perigo concreto, resta afastado do fato uma das elementares do tipo, que é justamente o perigo de dano, deixando de configurar o crime disposto no art. 309, e passando a ser o fato de o agente estar sem a habilitação uma mera infração administrativa.
No ano de 2013, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a decisão do Juízo de primeira instância que deixou de receber denúncia contra indivíduo que trafegava dirigindo uma motocicleta sem habilitação, sem a comprovação de qualquer perigo de dano.
Inclusive, foi editado o enunciado 98 pelo Fonaje nos seguintes termos: ENUNCIADO 98 – Os crimes previstos nos artigos 309 e 310 da Lei nº 9503/1997 são de perigo concreto (XXI Encontro – Vitória/ES).
O entendimento jurisprudencial aponta que, na maioria dos casos, o perigo de dano resta demonstrado através de acidente em que o acusado se envolveu no momento em que conduzia o automóvel sem permissão, habilitação ou cassado o seu direito de dirigir. Neste sentido, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
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APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. ART. 309 DO CTB. DIRIGIR SEM HABILITAÇÃO, GERANDO PERIGO DE DANO. PROVAS DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Não há duvidas de que o réu fez uso de CNH comprovadamente falsa, com o intuito de não precisar se submeter aos procedimentos regulares (aulas e provas) para a obtenção deste tipo de documento. 2. Resta comprovado de que o réu conduziu veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para dirigir ou Habilitação, gerando perigo de dano, pois se envolveu em acidente de trânsito. (Apelação Crime Nº 70072840499, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 14/09/2017)
No mesmo sentido segue o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
A Corte local denegou a ordem e, para tanto, ressaltou a periculosidade do réu, haja vista o fato de ele "guiar veículo automotor, após a ingestão de elevada quantidade de álcool e sem CNH" (fl. 17), que gerou a morte de uma pessoa e ferimentos em outras quatro, dada a violência do modus operandi da conduta. Há indicação, no acórdão da Corte Distrital (fl. 270), de que o paciente foi denunciado por crime doloso tal qual já aventado na manifestação ministerial em sede inquisitorial, o que autorizaria a custódia cautelar. Tais circunstâncias dirigir veículo automotor em via pública (fazendo zigue zague na contramão), sob efeito de álcool, em alta velocidade, sem habilitação, vindo a causar acidente de trânsito que culminou com a morte de uma pessoa que conduzia veículo diverso, além de lesão em outras quatro a priori, evidenciam a gravidade concreta dos delitos e a real periculosidade do agente a justificar a necessidade de manutenção da custódia preventiva para a garantia da ordem pública. (HC 430586, Ministro: Rogerio Schietti Cruz. Julgado em 1º/02/2018)
De qualquer sorte, ressaltamos que não é necessária a ocorrência de acidente de trânsito para restar configurado o perigo de dano, podendo por outras circunstâncias o risco ser apurado e ensejar a condenação do denunciado.
Não obstante, o dispositivo menciona a expressão “em via pública”. Pois bem. O que seria a “via pública”? Seriam as ruas e estradas administradas pelo Estado ou abrangeria, até mesmo, estacionamentos de mercados? Não há consenso a respeito da temática e, assim sendo, a Defesa deve adotar critério mais restritivo.
Portanto, caso o leitor esteja diante de cliente que foi flagrado dirigindo veículo automotor em uma propriedade particular como uma fazenda ou até mesmo em estacionamento de estabelecimentos comerciais, cabe a alegação de tese defensiva de que a conduta não amolda-se ao tipo penal, em virtude da ação do indivíduo não ter sido perpetrado em via pública.
Lembrem-se que, enquanto Defesa, deve-se tentar toda e qualquer tese leal, em favor do seu cliente.
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