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O Discurso do medo no Tribunal do Júri

Não é raro que, no Tribunal do Júri, o discurso do medo seja empregado como tática argumentativa, como forma de legitimar a condenação do acusado.

Isso porque o medo assusta, ele fecha o jurado para a análise da prova e a questão deixa de ser sobre o fato e suas circunstâncias; deixa-se de discutir se existem provas suficientes para a condenação penal: quando o medo é invocado como “argumento” para a condenação, deseja-se desumanizar o réu; deseja-se mudar o foco e fugir do que realmente importa: as provas do processo.

É curioso taxar os réus de “inimigos”. Na grande maioria dos casos, o sujeito que está sendo julgado não é minimamente conhecido; não se sabe quem ele é, como ele pensa, qual sua história de vida, seus sonhos, suas dores, seus sabores e dissabores; no entanto, com base em alguns documentos, o discurso do medo acredita possuir esse poder: de qualificar os outros – que não se conhece(m).

Frequentemente, durante um julgamento popular, são apresentados fatos anteriores (constantes nas famigeradas folhas de antecedentes criminais) que não apresentam a menor relação de causalidade com o caso criminal sob julgamento; que não são minimamente pertinentes para o julgamento daquela acusação; isso quando todo o discurso não está ancorado somente em reportagens e (des)informações da mídia – que também não conhece o acusado e o processo.

Por exemplo: o réu Byung está sendo julgado pela prática de um – suposto – homicídio qualificado ocorrido no ano de 2017. Apesar de existirem provas a serem discutidas, referentes ao fato sob julgamento (acusação de homicídio), o discurso do medo passa a trazer outras questões: argumenta-se que Byung deve ser condenado porque ele é perigoso, afinal, no passado, já cumpriu pena por um roubo, praticado em 2002; porque ele possui investigações em andamento; isto é: são invocados diversos fatos e questões que não apresentam relação com o caso para amedrontar os juízes da causa.

A partir disso, o discurso do medo passa a diminuir os réus: eles, por serem “perigosos”, são inimigos; não são da ordem dos normais – como “nós”.

Fiorin (2017, p. 201) explica que “apresentar um argumento como sendo da ordem da normalidade ou do bom senso é expô-lo como sendo do domínio do que não pode ser contestado, do que é evidente, do que é aceito por todos os que são normais ou têm juízo.”

Esse é o escopo do discurso do medo: apavorar, aterrorizar, amedrontar, trazer à tona toda a criminalidade que assola o país inteiro, a insegurança das ruas que é apresentada nos meios de comunicação; e joga-se tudo isso como “motivo”, através da ordem de um discurso, para obter a condenação do acusado, apontando-se aos jurados que o réu seria a causa de toda essa criminalidade e que “não adianta as pessoas reclamarem de insegurança e de violência se absolverem o réu”. Que é necessário que os jurados façam a sua parte para que seja possível o combate à violência criminosa.

Isto é: o medo é utilizado para fugir do fato sob julgamento, para fugir do processo!

Claramente esta ordem discursiva almeja fazer com que o jurado perca o foco do que realmente importa: as provas e as circunstâncias do caso concreto.

Esta tática, apesar de falaciosa, é inteligente: o medo está em todos os lugares. O que mais amedronta é a ubiquidade dos medos (Bauman, 2008, p. 11),

“eles podem vazar de qualquer canto ou fresta de nossos lares e de nosso planeta. Das ruas escuras ou das telas luminosas dos televisores. De nossos quartos e de nossas cozinhas. De nossos locais de trabalho e do metrô que tomamos para ir e voltar. De pessoas que encontramos e de pessoas que não conseguimos perceber. De algo que ingerimos e de algo com o qual nossos corpos entraram em contato. Do que chamamos de ‘natureza’ (pronta, como dificilmente antes em nossa memória, a devastar nossos lares e empregos e ameaçando destruir nossos corpos com a proliferação de terremotos, inundações, furacões, deslizamentos, secas e ondas de calor) ou de outras pessoas (prontas, como dificilmente antes em nossa memória, a devastar nossos lares e empregos e ameaçando destruir nossos corpos com a súbita abundância de atrocidades terroristas, crimes violentos, agressões sexuais, comida envenenada, água ou ar poluídos).”

Em última análise, passa-se a punir o réu não por aquilo que ele fez, mas sim por aquilo que alguém – que não o conhece – acha que ele é.

O discurso do medo – Direito Penal do Inimigo – é falacioso: almeja fugir do que realmente importa.

Guilherme Kuhn

Advogado criminalista. Pesquisador.

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