Distrito 9 e os direitos dos outros
Por Maurício Sant’Anna dos Reis
Produzido por Peter Jackson (O Senhor dos Anéis) e dirigido por Neill Blomkamp, o filme Distrito 9 narra a situação de um grupo de alienígenas cuja espaçonave fica “encalhada” sobre a terra e se vê obrigado a aceitar a “ajuda humanitária” terrestre, que acaba segregando-os em um grande gueto comandado por grupos de traficantes (casualmente também estrangeiros). No desenrolar da história, novos assentamentos são criados para remoção desses alienígenas para local mais distante.
O filme tem muitos méritos (talvez o maior de todos é o fato da narrativa se desenrolar na África do Sul e não nos Estados Unidos – isso por si já é inovador para um filme com alienígenas) e traz vários pontos para reflexão, dentre os quais pode-se destacar o interesse dos nativos na tecnologia armamentista alienígena (apesar de estarem com sua espaçonave presa em território terrestre, seu armamento é muito avançado), a qual não conseguem utilizar; a relação de dependência que acaba se desenvolvendo (apesar desse armamento, os alienígenas parecem inofensivos em vista da submissão – causada pelo vício em comida gato que é explorado pelos nativos), mas principalmente a utilização do sistema penal para higienização social, aspecto esse que pretendo desenvolver melhor.
Com a desculpa de transferir os indesejados alienígenas para acomodações melhores (as quais, como confessa o – burocrata – protagonista não correspondem a essa expectativa), o Estado em questão monta uma grande operação, com forte apoio policial, para remover “espontaneamente” os inusitados hóspedes e apreender armas que encontrar no caminho. Se bem observada, as reais intenções dessa remoção não são outras senão a de afastar os indesejados e se apropriar de sua tecnologia, de sua riqueza.
A essa altura esses alienígenas, em sua grande maioria, encontram-se totalmente alienados, não sabendo sequer questionar essas ordens. Além disso, apesar de se revestir do manto da legalidade, as ordens podem ser cumpridas arbitrariamente, pois ao que tudo indica esses alienígenas não possuem direitos, uma vez que são os outros, os diferentes (os estrangeiros, os outsiders). Em última análise, os alienígenas são a alegoria da vida nua no sentido que lhe dá AGAMBEN (2002), aquela vida indigna de viver.
A grande virada se dá quando o protagonista é colocado na situação dos alienígenas que pretende “tratar”. A partir desse ponto, percebe que ele já não possui qualquer proteção do Estado e inicia o questionamento acerca dessa politização da vida. Apesar de ser categorizado como um título de ficção científica, o filme trata da realidade mais dura da nossa sociedade.
Não é difícil substituir os alienígenas por imigrantes ilegais (estrangeiros, os outros, os indesejados) que possuem algum tipo de riqueza que desperta o interesse geral e que não que não conseguem ou não lhe são permitidos explorar. Da mesma forma, com grande facilidade pode-se substituir esses alienígenas pelos “indesejáveis” usuários de drogas que ocupam áreas urbanas que subitamente se valorizam e nas quais o sistema penal (muitas vezes subterrâneo) é utilizado para higienização social no intuito de se permitir o uso comercial dessas áreas urbanas.
A desculpa parece a mesma: tratar de dar dignidade a essas pessoas. Contudo, o que está (nem sempre tão) escamoteado nesse arranjo é justamente a exploração de uma riqueza que não está autorizada a pertencer a esses indesejados. Ao retratar com ficção científica a realidade, Distrito 9 pinta um quadro tristemente real e assustador da nossa realidade, no qual o sistema penal tem lugar privilegiado na determinação de nossa política microeconômica.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.