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Divindades da toga amargurada, tomem cuidado

Divindades da toga amargurada, tomem cuidado

Por Felipe Geitens e João Vicente Rodrigues

Tenha cuidado comigo, senhor pretenso poderoso, prepotente e arbitrário. Cuide-se, quando eu estiver por perto. Não vacile se souberes da minha proximidade. Senhor dono de cargos que pensa ser dono de pessoas, tenha muito cuidado comigo, muito mesmo, porque sou muito mais poderoso do que minha face serena demonstra. Senhor titulado e titular que pensa ser grande demais para olhar nos olhos molhados dos que sofrem, tenha muito cuidado comigo, caso eu esteja por perto. Dono de canetas e cadernetas que acham que muito podem – e até assassinam quando assinam – tenha sempre cuidado comigo. Muito cuidado comigo, senhores da toga mofada, da toga suja, da toga comprada, da toga amargurada. Cuidado comigo, senhores poderosos que delegam desmandos. Tenham cuidado comigo, porque sou advogado! – Jader Marques

É com a voz da defesa que mais uma vez, por meio da escrita, é feito o alerta, a voz dos verdadeiros fiscais da lei. Como muito bem relata o Criminalista Kakay (Antônio Carlos de Almeida Castro) nas suas andanças pelo Brasil, hoje ser revolucionário é querer que a lei seja cumprida. É essa a súplica maior daqueles que militam na advocacia.

No intento de ver a lei cumprida desde já que seja recordado o artigo 6º da Lei 8.906/94 (que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil):

Art. 6º: Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos, tratar-se com consideração e respeito recíprocos. 

Há muito que já se vê nos fóruns Brasil à fora um sintoma que toma conta da grande maioria dos julgadores e acusadores. Servidores públicos, que são cegados pelo poder, e acabam tomando postura hierárquica não somente perante os advogados, mas também em relação às pessoas que ali estão submetidas a sua jurisdição.

Essa postura foi muito bem representada na sessão do Supremo Tribunal Federal do dia 06/11/2019, quando, durante uma sustentação oral, a advogada Daniela Lima de Andrade Borges se referiu aos ministros como “vocês”. 

Neste momento o Ministro Marco Aurélio Mello, dirigiu-se à presidente da sessão irresignado:

Presidente, novamente, advogado se dirige aos integrantes do tribunal como ‘vocês’. Há de se observar a liturgia. É uma doutora, professora.

Um verdadeiro “ataque de pelancas”. Um dos chamados guardiões da Constituição Federal que esquece o discurso em debate para se ater ao modo como foi chamado. Como se este estivesse acima da categoria “humana”.

Como bem discorre o ilustre professor Thiago Minagé, o advogado é um dos únicos atores do judiciário que não detém de poder algum no processo. O advogado cumpre prazos, cumpre horários, está sempre presente nos atos em que deve, inclusive deve patrocinar a causa por algum período quando renuncia os poderes recebidos do cliente. Tudo sob pena de sanção.

De outro lado, tem-se servidores públicos pomposos, que muitas vezes desmarcam audiências em cima da hora, por motivos de aniversário de família, evento da categoria. Até o estagiário tem o poder de nos fazer esperar horas por alguma questão de resolução simples, o gozo em suas faces quase que é evidente, na grande maioria das vezes sem sofrer qualquer tipo de reprimenda.

Nos veículos de imprensa muitos já foram os casos noticiados nesse sentido, por exemplo, o caso de uma magistrada que determinou o uso de régua para medir a saia das advogadas, do magistrado com um cartaz que exigia que advogados ficassem de pé diante dele, do magistrado que decretou a prisão do advogado que orientou seu cliente a não delatar, da advogada presa em audiência no exercício profissional, dentre tantos outros.

Lógico que não se pode generalizar, mas a postura do Ministro reflete uma realidade existente em todos os cantos do Brasil, já dizia o Mestre Amilton Bueno de Carvalho, o poder imbeciliza. E quando se vê magistrados engajados com a causa humana, e esta deveria ser a maior das causas, estes normalmente sofrem algum tipo de penalização. É também o caso recente do gigante João Marcos Buch, afastado de caso por entregar seu celular para um apenado filmar o interior da cela. Juiz que está sempre presente nos presídios verificando os anseios dos apenados, e as condições de cumprimento da pena.

Juiz inclusive que, naquela grande parada dos caminhoneiros, diga-se parada do Brasil, esteve com eles na estrada querendo ouvi-los, saber as condições em que se encontravam.

Ocorre que são tempos sombrios, e nunca o advogado deve baixar a cabeça para este tipo de posicionamento, deve sempre cobrar a postura de alguém que é servidor pago com dinheiro público, e deve ter este como seu principal foco, o público, os seres humanos que deles dependem e que são os tantos “vocês” sem nome, julgados aos montes como se fossem só números.

Voltem para terra senhores da toga amargurada, voltem os olhos para os seres humanos, para causa humana, e lembrem que a diferença entre Deus e certos magistrados, é que Deus não pensa ser magistrado.


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