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Do cabimento de habeas corpus em punições disciplinares militares

Por Rafael Politano

A Constituição Federal de 1988 veda de maneira explícita a concessão de Habeas Corpus em casos de punições disciplinares militares.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.

O cotejo de forma estanque da norma Constitucional pode levar a conclusão precipitada que em casos de punições disciplinares o eventual militar, ainda que injustiçado, não terá direito a análise do judiciário por intermédio do remédio heroico.

Entretanto, a Constituição Federal de 1988 não pode ser analisada em seus regramentos de forma estanque, mas sim como um conjunto de princípios e valores que são medidos e apreciados, sob a ótica de princípios norteadores do direito, a exemplo, o PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.

No caso das punições disciplinares, a moderna jurisprudência analisa o tema sob dupla ótica: a primeira sob a ótica da independência dos poderes e a impossibilidade de análise do mérito em atos punitivos (que também vem sendo relativizado em alguns casos). A segunda ótica sob o PROCESSAMENTO DA PUNIÇÃO DISCIPLINAR. Ou seja, se analisa em verdade se o ato punitivo foi revestido das formalidades da AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.

O ingresso do remédio heroico para fins de concessão de liberdade em caso de punições disciplinares terá o condão de analisar tão somente a FORMALIDADE DO ATO PUNITIVO, isto, sob a também ótica Constitucional da AMPLA DEFESA e CONTRADITÓRIO previstos também da Carta Magna:

Tal premissa encontra-se na análise do art. 5 da CF em seu inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes“.

Sob esta análise constitucional, uma punição disciplinar que seja aplicada sem a garantia da AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO, assim como também a garantia dos RECURSOS A ELA INERENTES, poderão ser alvos de HABEAS CORPUS frente ao judiciário, que enfrente esta matéria de forma analítica e pontual, como a mais ampla jurisprudência sedimentada no tema.

Assim, a restrição contida no artigo 142, §2º da Constituição Federal (“Não caberá “habeas-corpus” em relação a punições disciplinares militares”) se refere tão-somente ao mérito da punição disciplinar, não afastando a possibilidade do exame da legalidade do ato atacado.

Ainda, cumpre referenciar que as Forças Armadas, mais especificamente o Exército Brasileiro, não envidaram esforços em muito bem adequar as normas internas para a aplicação da garantia da ampla defesa e contraditório da análise de processos disciplinares, legislando na apuração de transgressões disciplinares com a Portaria 107 de 13 de Fevereiro de 2012 (normas estas que detinham anteriores numerações e com textos que foram evoluindo ao longo do tempo).

Na citada norma, em nosso entender muito bem delineada e com as descrições das garantias de ampla defesa e contraditório normatizados a exaustão, é possível garantir toda a mais completa ampla defesa e contraditório ao acusado de eventual transgressão, restando a sua falha de procedimento em verdade nas mãos do responsável pela condução do processo.

Ou seja, ainda que haja moderna normatização interna para apuração de transgressão disciplinar, é na hora da aplicação da norma que ocorrem as falhas, gerando muitas vezes prejuízos defensivos ao acusado (sindicado), e por conseguinte a eventual anulação do ato administrativo, bem como também ensejando o remédio heróico para os militares submetidos a punição sem as garantias Constitucionais da Ampla Defesa e Contraditório.

Outro ponto também bastante comum é a aplicação de punição disciplinar restritiva da liberdade do militar, sem que tenha sido garantido a ele o DIREITO DE RECURSO, o que torna também alvo de eventual HABEAS CORPUS ensejador da concessão de liberdade por conta da ausência, no processo disciplinar, de garantia legal ao administrado dos meios e recursos a ela inerentes.

Ou seja, a aplicação da punição, ao término da apuração administrativa, ainda que a este tenha sido garantido a mais ampla defesa e contraditório, MAS SEM A GARANTIA DE RECURSO, com a imediata aplicação de punição, gera também a concessão da liberdade por intermédio do remédio heroico.

Logo, não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares que forem apuradas com a mais ampla defesa e contraditório, bem como garantido também seu direito ao recurso antes da aplicação da punição disciplinar. Esta seria a leitura mais fidedigna da norma Constitucional.

RafaelPolitano (1)

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