ArtigosDireito Penal

A dosimetria da pena e seu sistema trifásico

O primeiro ponto é saber o que essa tal de dosimetria da pena e, assim, entender o que vem a ser esse sistema trifásico. Dosimetria é o cálculo feito pelo para definir qual a pena será imposta a uma pessoa em decorrência da prática de um crime.

Cada crime tem a sua pena e o Código Penal, na sua parte especial, apenas estabelece um quantitativo mínimo e máximo de pena, além de situações que implicam na diminuição ou no aumento dessa sanção.

O furto simples, por exemplo, está no artigo 155, caput, do Código Penal e possui uma pena que pode ser de 01 a 04 anos de reclusão, sendo esse o limite do juiz.

Além do mais, o Código Penal nos traz circunstâncias atenuantes (como a confissão) e agravantes (como a reincidência), além de causas de diminuição e de aumento de pena, os quais podem interferir no total final da pena a ser aplicada.

Ainda de acordo com o Código Penal,  em seu artigo 68, a dosimetria da pena será realizada por meio de um sistema trifásico, ou seja, dividida em três partes:

  • Na 1ª fase, a fixação da pena-base (utilizando-se os critérios do artigo 59 do Código Penal);
  • Na 2ª fase, o magistrado deve levar em consideração a existências de circunstâncias atenuantes (contidas no artigo 65 do Código Penal) e agravantes (artigos 61 e 62, ambos do Código Penal);
  • Por fim, na 3ª fase, as eventuais causas de diminuição e de aumento de pena.

Passemos, então, a uma breve análise de cada uma das três fases da dosimetria da pena.

PRIMEIRA FASE

A primeira fase, como dito, é o momento da fixação da pena base, em que o magistrado deve levar em consideração as circunstâncias judiciais contidas no artigo 59 do Código Penal:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Segundo NUCCI, em seu Código Penal comentado:

– Culpabilidade (em sentido lato, ou seja, a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem);

– Antecedentes criminais (trata-se de tudo o que existiu ou aconteceu no campo penal, ao agente antes da prática do fato criminoso, ou seja, sua vida pregressa em matéria criminal. Há quem entenda que somente condenações transitadas em julgado podem ser utilizadas para valorar negativamente esta circunstância);

– Conduta social (é o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc.);

– Personalidade do agente (trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. É a análise voltada para detectar se a personalidade é voltada para o crime);

– Motivos (sãs os precedentes que levam à ação criminosa);

– Circunstâncias do crime (são os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolvendo o delito);

– Consequências (é o mal causado pelo crime, que transcende ao resultado típico);

– Comportamento da vítima (É o modo de agir da vítima que pode levar ao crime).

Assim, na primeira fase da dosimetria, o magistrado, analisando as circunstâncias anteriores, deverá estabelecer a pena-base, que varia, no caso do roubo, por exemplo, entre 04 e 10 anos (podendo ser aumentada de 1/3 à metade, nas hipóteses do roubo majorado).

Imaginemos, então, um crime de roubo, majorado pelo uso de arma de fogo e concurso de pessoas (artigo 157, 2º, incisos I e II, do CP), tendo suas circunstâncias ultrapassado aquelas inerentes ao tipo penal, com emprego de violência física, terror psicológico intenso, agressão física, ameaças de morte, dentre outros, e o acusado tenha os antecedentes criminais desfavoráveis.

Nesse caso, o juiz não fixará a pena no mínimo legal, haja vista a existência de circunstâncias judiciais que foram negativadas, bastando a existência de uma circunstância negativa para possibilitar o afastamento da pena base do mínimo legal.

Ressalte-se que a lei não estabelece um critério para definir qual a proporção entre o aumento da pena e a quantidade de circunstâncias negativadas, ficando tal critério ao arbítrio do magistrado, o qual deverá se atentar pela razoabilidade.

Há quem entenda que o aumento deverá seguir uma ordem proporcional à quantidade de circunstâncias que forem negativadas, ou seja, se temos o total de 08 (oito) circunstâncias, cada negativação corresponderá ao aumento da pena base na fração de 1/8 (um oitavo).

Assim como há entendimento de que o aumento da pena base deve ser proporcional ao motivo que levou à negativação da circunstância, de modo que a gravidade das razões para negativar a circunstância é tamanha que impede o aumento da pena base em apenas 1/8 (um oitavo).

Acredito que ambos os lados estão com a razão.

Ao mesmo tempo que é necessário estabelecer critérios para a dosimetria da pena, para frear eventual arbitrariedade do magistrado, também é preciso tomar cuidado para não tornar o Direito uma área “exata”, sob o risco de considerarmos “iguais” (sob a ótica da dosimetria da pena) aqueles que praticaram crimes mais graves com aqueles que praticaram o mesmo tipo de crime em condições mais brandas, mesmo que tenham o mesmo número de circunstâncias negativadas.

Determinadas situações, a gravidade da conduta é tão grande que, por si só, impõe o aumento da pena base em um patamar mais elevado do que 1/8.

Por isso, o juiz não pode negativar determinada circunstância sem fundamentar devidamente os motivos que o levaram a tomar tal atitude.

E esse é o primeiro ponto a ser observado em uma sentença criminal, a ausência de fundamentação para a negativação de determinada circunstância judicial.

Não podemos esquecer do crime de tráfico de drogas, visto possuir rito próprio, contido na Lei 11.343/06.

Nesse caso, a dosimetria também deverá levar em consideração o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual estabelece que

O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

SEGUNDA FASE

Fixada a pena-base, superando a primeira fase da dosimetria, entramos na segunda fase, cujo objetivo é analisar as circunstâncias atenuantes e agravantes.

As atenuantes estão descritas no artigo 65 do Código Penal, sendo mais comuns a menoridade penal (menor de 21 anos) e a confissão espontânea.

As agravantes estão nos artigos 61 e 62 do Código Penal e as mais comuns são a reincidência e os crimes cometidos contra crianças ou maiores de 60 anos.

Se existir alguma circunstância agravante, a mesma deve ser aplicada posteriormente ao reconhecimento da atenuante.

Deve ser ressaltado que há entendimento que a atenuante da confissão ou qualquer outra, como a menoridade, deve ser compensada com a agravante da reincidência.

Importante ressaltar o entendimento recente do STJ, segundo o qual as atenuantes e agravantes devem ser aplicadas na fração de 1/6, tanto para diminuir quanto para aumentar a pena:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA. REINCIDÊNCIA. AUMENTO ACIMA DE 1/6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.[…]2. Apesar de a lei penal não fixar parâmetro específico para o aumento na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado deve se pautar pelo princípio da razoabilidade, não se podendo dar às circunstâncias agravantes maior expressão quantitativa que às próprias causas de aumentos, que variam de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços). Portanto, via de regra, deve se respeitar o limite de 1/6 (um sexto) (HC 282.593/RR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 15/08/2014).3. Hipótese em que pena foi elevada em 100%, na segunda fase, em face de circunstância agravante, sem fundamentação, o que não se admite, devendo, pois, ser reduzida a 1/6, nos termos da jurisprudência desta Corte.4. Agravo regimental improvido.(AgRg no HC 373.429/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 13/12/2016)

Ademais, caso a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, não há possibilidade de reconhecer eventuais circunstâncias atenuantes, evitando a redução da pena abaixo do mínimo legal, consoante dispõe a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça (“A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”).

TERCEIRA FASE

Fixada a pena base, sopesadas as circunstâncias atenuantes e agravantes, é chegada a hora das causas especiais de diminuição ou aumento de pena, para finalizar a dosimetria com a terceira fase.

No caso do exemplo que estamos utilizando, tendo o crime sido cometido com emprego de arma de fogo e por mais de um agente, incidem as causas de aumento estabelecidas no artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal, de modo que o juiz deve, fundamentadamente, definir qual o índice de aumento será aplicado, de um terço à metade.

Assim, no caso mencionado, se aplicar a fração mínima de aumento (1/3), a pena passa a ser de 08 (oito) anos e 08 (oito) meses de reclusão.

Um exemplo de causa de diminuição de pena está contido no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, o qual estabelece que a pena será diminuída se preenchidos alguns requisitos.

Outros exemplos de causa de diminuição e de aumento: arts. 14, parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, § 2º; 26, parágrafo único; 28, § 2º; 29, §§ 1º e 2º; 69; 70; 71; 121, §§ 1º e 4º; 129, § 4º; 155, § 1º; 157, § 2º; 158, § 1º; 168, § 1º; 171, § 1º; 226, todos do Código Penal.

CONCLUSÃO

Como mencionei no início do texto, uma dos equívocos mais cometidos pelos magistrados é não fundamentar devidamente a negativação de determinada circunstância judicial para elevar a pena acima do mínimo legal.

Ou, se fundamenta, apenas faz afirmações que são inerentes ao tipo penal.

Sem esquecer, é claro, do bis in iden, isto é, da utilização de um mesmo fato para negativar mais de uma circunstância ou para elevar a pena em mais de uma das fases da dosimetria da pena.

Dessa forma, não é possível, por exemplo, usar o fato do agente ter cometido o crime armado e com mais de uma pessoa para elevar a pena-base (na primeira fase da dosimetria), negativando as circunstâncias do crime e, ao mesmo tempo, na terceira fase, como causa de aumento.

Da mesma forma, fica vedado ao juiz negativar, na primeira fase da dosimetria da pena, os motivos, considerando-os fúteis e também considerar os motivos como agravantes, na segunda fase.

Por fim, também não é possível considerar a mesma condenação criminal transitada em julgado para fins de valorar negativamente os antecedentes, na primeira fase, e de agravante da reincidência, na segunda fase.

Todavia, caso haja mais de uma condenação transitada em julgado, há possibilidade de utilizar uma condenação para fins de fixação da pena-base e outra para a reincidência do réu.

Portanto, você que atua na área criminal, não se esqueça de dar mais atenção à dosimetria da pena e verificar se ela se encontra de acordo com o que determinado pela legislação.

Afinal, não só de absolvição vive o advogado criminal.

Um grande abraço e até a próxima semana!

Pedro Magalhães Ganem

Especialista em Ciências Criminais. Pesquisador.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo