Doutor, fui preso!
Doutor, fui preso!
Daquelas surpresas da vida advocatícia que sempre geram sentimentos diversos, a ligação, seja de um familiar ou do próprio cliente, acerca de sua prisão. Nestes momentos, a ansiedade aumenta, bem como a vontade imediata de buscar a liberdade daquele que lhe confiou seu direito mais caro naquele momento.
Fui preso!
Entretanto, a prática profissional, bem como a necessidade de produzir resultados eficazes aos nossos clientes, nos obriga a suspender a excitação em face de uma atuação crítica e científica sobre situação em voga.
Atualmente, corriqueiras são as situações envolvendo prisões em flagrante. Em uma destas possibilidades, situa-se a prisão em flagrante decorrente do que a doutrina conceitua como crimes permanentes[1], notoriamente os casos que envolvem tráfico de drogas, receptação, sequestro, entre outros.
Nestas modalidades, observa-se que o próprio flagrante é permanente, entretanto, destaca-se que o arbítrio do agente estatal na prática persecutória necessita do que a jurisprudência determina como “prévia visibilidade” (RE 603.616 – Rel. Min Gilmar Mendes e REsp 1.574.681/RS – Rel. Min. Schietti), hipótese de justa causa para que, então, seja validado o ato.
Comunicação do flagrante à família do preso
Nestas hipóteses, o juízo dispõe de condições de validar a flagrância alegada, entretanto, saliente-se que os artigos 304 até o 306 do Código de Processo Penal dispõem sobre a comunicação do flagrante, determinando, inclusive, que a informação da prisão seja prestada dentro de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de reconhecimento de falha formal que imperativamente deve conduzir ao relaxamento da prisão:
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
§1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
Salienta-se que, nesta hipótese, uma simples petição informando ao Juízo sobre o vício formal, bem como a ausência de hipóteses que a excluam, com um pedido de relaxamento representa uma medida sólida a ser adotada, especialmente por se tratar de procedimento ainda precário e que demanda respostas imediatas.
Caso cumprido corretamente os dispositivos do Código de Processo Penal para a formalização e entrega à autoridade judiciária do auto de prisão em flagrante, atualmente a advocacia, em especial nas situações referentes às prisões em flagrante, visto que a matéria sobre as demais prisões cautelares (preventiva e temporária) demandam estudo aprofundado que supera em muito o espaço desta coluna, deve ser combativa na necessidade da realização da audiência de custódia.
Trata-se de matéria que possui amparo na Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça[2] e que ainda é objeto de muita celeuma, mas, salvo melhor juízo, entendo como medida salutar, inobstante a necessidade de maior enfrentamento do tema, especialmente do Poder Legislativo.
Por força de determinações administrativas dos próprios Tribunais de Justiça (HC 70076707827), a atividade da magistratura desobedece a seu próprio órgão de controle e decide, com base apenas nos elementos do Auto de Prisão em Flagrante, acerca das possibilidades determinadas no art. 310 do Código de Processo Penal.
Diante da disposição legal, cabe à autoridade judiciária o relaxamento da prisão ilegal, a concessão de liberdade, afiançada ou não, ou a conversão da prisão em flagrante em custódia cautelar preventiva. Para tanto, o Juízo está adstrito às hipóteses descritas no artigo 312 do caderno processual, caso convertida a prisão em flagrante, agora, o advogado, deve buscar a restauração da liberdade do seu cliente, mediante pedido de revogação prisional, diretamente ao próprio Juízo prolator da ordem.
Em que pese o entendimento de alguns profissionais da área de que a medida de “reconsideração” seria despicienda, entendo como estratégica a reforma pelo Juízo que decretou a ordem prisional, sem buscar a instância superior, seja pela oportunidade de finalmente trazer um argumento defensivo (nas hipóteses em que o preso opta pelo silêncio frente à autoridade policial, inexiste versão defensiva), bem como para evitar “decisão muleta”, pois, caso melhor sorte não o socorra frente ao pleito na instância superior, a autoridade judiciária originária pode buscar “escora” nesta decisão, evitando o próprio confronto aos argumentos lançados.
Por fim, o presente texto apresentou uma breve síntese sobre um assunto polêmico, que aborda uma miríade de assuntos, bem como diz respeito a um direito caro a todo ser humano, sua liberdade, quando o advogado se deparar com situações desta delicadeza, o mais importante, é retribuir a confiança de seu representado com o maior empenho possível, sem temer os enfrentamentos e, principalmente, sendo resiliente frente às injustiças vivenciadas diariamente.
NOTAS
[1] Art. 303. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.
[2] A Convenção Americana de Direitos Humanos definiu alguns limites ao Poder estatal – arts. 7.5 e 8.1 – acerca das garantias do cidadão e o seu direito de liberdade.
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