Drones: um novo amanhã?
Por Bernardo de Azevedo e Souza
Edgar MORIN, ao analisar a sociedade contemporânea, teria dito certa vez que nós não vivemos uma época de mudanças; vivemos uma mudança de época. As últimas décadas são caracterizadas por um surpreendente avanço tecnológico, que vem originando novas formas de viver, aprender, sentir e se relacionar, permitindo uma interação instantânea com a informação. A comunicação, as transações comerciais e os processos industriais dependem cada vez mais do desenvolvimento da tecnologia informática.
A tecnologia presta serviços. Com um clique no mouse é possível adquirir um livro, um móvel ou uma peça de roupa. Facilita nossa rotina, nosso trabalho. Aos advogados e serventuários da justiça o processo eletrônico é uma realidade que otimiza a atuação profissional. Constrói relações entre os seres humanos. Por meio das redes sociais podemos conhecer pessoas com interesses afins ou mesmo encontrar amigos e parentes com os quais perdemos contato ao longo dos anos. Aumenta a velocidade da informação. Um acontecimento do outro lado do mundo pode ser acessado rapidamente via Internet com apenas um clique. A influência e a dependência que temos em relação à tecnologia e aos meios digitais é, portanto, inegável.
Por outro lado, a tecnologia torna os seres humanos mais passivos e sedentários, criando problemas até então inimagináveis. Quem ousaria supor que surgiriam enfermidades como a nomofobia (ver aqui), termo originado do inglês (No-Mobile = No-Mo) que representa o medo de ficar incomunicável, isto é, a angústia ou o desconforto de não ter o aparelho celular à disposição para atender chamadas? Quem imaginaria o advento de doenças como a síndrome do polegar (ver aqui), nomenclatura empregada para indicar as inflamações causadas nos dedos pelo uso excessivo dos smartphones, que, se não tratadas o quanto antes, podem até ser irreversíveis? Se atualmente constituem uma realidade, tais transtornos sequer seriam cogitados a décadas atrás, quando os primeiros aparelhos começaram a ser comercializados. Que novas enfermidades surgirão no futuro e quais nomes, combinações ou anagramas receberão? São questionamentos que somente o tempo poderá nos responder.
De todo modo, mesmo com seus aspectos negativos, a tecnologia inegavelmente possui um papel essencial em nossa sociedade. E, justamente por não ser possível negar seu impacto atual, é que não podemos assumir uma posição maniqueísta em relação a ela. É dizer: não podemos demonizá-la como algo que domina, devora e impessoaliza; tampouco endeusá-la como a solução para todos os problemas da humanidade. A tecnologia possui o seu lado luminoso e obscuro. É construção e destruição; atraso e avanço; liberdade e repressão; igualdade e exclusão. Ela é como o deus Janus, da mitologia greco-romana, com duas faces contraditórias, que, no entanto, caminham juntas em prol da transformação das sociedades.
Nas colunas anteriores (aqui, aqui e aqui), criticamos ferrenhamente a ascensão dos drones. Abordamos a letalidade dos veículos aéreos motorizados; as centenas de ataques arbitrários ao Paquistão, entre os anos 2004 e 2014, por iniciativa dos Estados Unidos; a vigilância onipresente e invisível possibilitada pelos usos das máquinas; o emprego dos drones durante operações policiais, (re)acendendo o debate sobre a valoração da prova coletada no âmbito do processo penal; a criação de kill lists; e, finalmente, as execuções por assinatura (signature strikes), direcionadas a indivíduos desconhecidos baseadas em traços e características “vinculadas” a grupos terroristas.
Sob outro viés, a coluna de hoje se destina a apresentar aspectos positivos em relação aos drones. Isso porque, se de um lado carregam consigo uma gama de preocupações – sendo necessário manter aceso o debate para possibilitar a regulamentação de seu uso –, de outro são inegáveis as facilidades e os serviços por eles oferecidos. Nesse sentido, recentes notícias relatam as mais diversas funções desempenhadas pelas máquinas voadoras da atualidade.
Drones de fiscalização – Embora não mais existam correntes ou senzalas no Brasil, há relatos, na atualidade, de pessoas que trabalham em estado subumano. Mais de 2 (duas) mil pessoas são libertadas todos os anos em condições análogas a de escravos (aqui). Mesmo após 125 (cento e vinte e cinco) anos da abolição da escravatura, o país enfrenta ainda uma versão contemporânea de trabalho forçado, com jornadas que ultrapassam 12 (doze) horas diárias, falta de equipamentos de proteção, ameaças e castigos físicos.
Consoante notícia veiculada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego (ver aqui), a partir de agosto de 2015 auditores-fiscais do trabalho do Rio de Janeiro passarão a utilizar drones para inspecionar as condições de labor em diversas localidades. O emprego das máquinas será destinado principalmente para averiguar o trabalho escravo no meio rural. A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio de Janeiro (SRTE/RJ) recebeu recentemente 6 (seis) drones doados pelo Ministério Público do Trabalho, que passarão a monitorar locais de difícil acesso. Na quarta-feira passada (22/07/2015), 7 (sete) auditores-fiscais terminaram a capacitação do uso da ferramenta eletrônica. O curso ocorreu na sede da SRTE/RJ (veja o vídeo).
O uso do equipamento será conduzido inicialmente em fase de testes, pois não há ainda a devida regulamentação no país. Acoplada a cada um dos drones, cujo modelo se denomina Inspire 1, há uma câmera capaz de fotografar e filmar em alta resolução. Os voos têm duração aproximada de 20 (vinte) minutos, com alcance de aproximadamente 2 (dois) quilômetros e podem atingir 70 (setenta) metros de altura. Ainda que não substituam a presença do fiscal local, os drones poderão ser uma ferramenta muito útil nesta seara.
Ambulance drones – Os primeiros minutos após uma parada cardíaca são fundamentais para determinar as possibilidades de recuperação. No entanto, as ambulâncias nem sempre conseguem ser rápidas o suficiente, pois estão sujeitas às ruas e ao tráfego. Buscando enfrentar a problemática, o estudante de engenharia Alec Momont, da Delf University of Technology, idealizou recentemente uma pequena ambulância voadora capaz de entregar um desfibrilador em qualquer localidade, em poucos minutos. A máquina, feita de fibra de carbono e intitulada ambulance drone, pode aumentar, em até dez vezes, a chance de sobrevivência de uma vítima de parada cardíaca.
O drone, por óbvio, não substituiria a atuação do profissional da medicina, mas, sempre que alguém estivesse precisando de auxílio, seria imediatamente enviado ao local a partir de uma ligação oriunda de um smartphone, identificando via GPS a localização. Sendo possível viajar até 100 km/h em linha reta e carregando até 4kg de bagagem, a máquina voadora realizaria o atendimento imediato e orientaria as pessoas no local no que diz respeito à correta utilização das ferramentas até a chegada da equipe médica (veja o vídeo de simulação).
Delivery drones – Imagine o leitor ser possível receber um livro encomendado pela Internet instantaneamente após a aquisição, sem precisar aguardar a entrega nem sempre célere do serviço postal. Trata-se de uma realidade atualmente tangível. Em 2013, a Amazon anunciou um projeto chamada Prime Air, consistente na utilização de drones para entrega, a domicílio, de itens vendidos no sítio eletrônico da empresa (veja o vídeo). Segundo notícia veiculada no dia de hoje, é possível observar que a Amazon busca ir além desta iniciativa, criando uma via aérea entre 61 e 122 metros de altitude, para que os aparelhos não tripulados possam circular rapidamente e de modo eficiente, evitando colisões com outras aeronaves (ver aqui).
A ideia de receber uma pizza na janela de casa também poderá em breve materializar-se em solo nacional. Uma pizzaria de Santo André (SP) testou recentemente um drone para efetuar uma entrega a domicílio (veja o vídeo). Ainda no ramo culinário, uma rede de restaurantes asiáticos, com intensa atuação na cidade de Londres, idealizou recentemente “garçons aéreos” para servir e entregar comida (veja o vídeo).
Drones fotógrafos – Por fim, boas notícias ao amantes da fotografia: a possibilidade de registrar as localidades mais fantásticas ou mesmo inabitáveis do planeta. Fotografar a Torre Eiffel, vista do topo, ou mesmo “escalar” o famoso arranha-céu Burj Khalifa, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, já são uma realidade. O sítio eletrônico Dronestagram reúne, nesse sentido, as mais belas fotografias retiradas por drones nos últimos anos, com imagens surpreendentes de encher os olhos. Vale a pena conferir.
Em suma, em se tratando de tecnologia, sempre haverá os dois lados da moeda. Prós e contras. Usos e abusos. Pontos positivos e negativos. Somos, como se costuma dizer, um reflexo de nossa sociedade. E obviamente tal lógica não poderia ser diferente no âmbito dos drones. Devemos, sim, impor limites em relação à sua utilização. Cabe a nós o uso consciente destas ferramentas eletrônicas. Contudo, ao mesmo tempo estamos caminhando para uma nova fase da Era Digital, onde não há espaço para tecnofobias. Não podemos renegar aos avanços tecnológicos, hoje à nossa disposição. As máquinas voadoras já são uma realidade.
Trata-se de mera questão de tempo até que preencham os céus de todo o planeta.