É obrigatória a intimação pessoal do réu solto acerca da sentença condenatória?

É obrigatória a intimação pessoal do réu solto acerca da sentença condenatória?

A odisseia, poema escrito por Homero, narra as aventuras do herói grego Ulisses, sobre seu regresso à sua terra natal depois da Guerra de Tróia, submetido durante dez anos a obstáculos, ameaças e perigos em sua viagem de retorno. Partindo desta análise mitológica, vivenciamos uma celeuma quanto à (in)dispensabilidade da intimação do réu solto acerca da sentença condenatória, revelando em nosso mister, uma odisseia jurisprudencial sobre a fluência do prazo recursal.

Nessa viagem extraordinária cabe lembrar que, a comunicação dos atos processuais são instrumentos essenciais que visam consagrar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, e a sua falta, pode dar azo à nulidade, logo, é direito fundamental do réu ser informado de todos os atos processuais (LOPES JUNIOR, 2020, p. 587).

Ademais, existe diferença entre as expressões “contagem de prazo” e “fluência do prazo”, a fim de distinguir os fenômenos envolvidos na comunicação dos atos processuais. Assim, considera-se que a Fluência é termo inicial do lapso demarcado pela comunicação do ato à parte, e de outro lado, a Contagem é a unidade de tempo a partir da qual se inclui o cômputo do prazo estipulado por lei, geralmente fixado em dias (TÁVORA; ALENCAR, 2019, p. 112).

Destaca-se que, em certos casos expressos pela legislação, além dos defensores, os acusados também possuem legitimidade para interposição de recursos, onde podemos mencionar sobre a sentença, posto que, em regra, além da intimação do defensor, o diploma processual penal ordena que o acusado seja devidamente intimado da sentença (DEZEM, 2018, p. 1132), sendo este fator determinante para fluência do prazo recursal a derradeira intimação, não importando se a última intimação foi do defensor ou do acusado.

É importante destacar que o Art. 798, § 5º, do CPP, aponta três situações que dão início à contagem dos prazos, são elas: a) a data da intimação; b) a partir da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a parte estiver presente; e c) o dia da ciência inequívoca manifestada nos autos sobre a sentença ou decisão. De outro lado, recordemos que os prazos processuais, correm em cartório, sendo contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingos ou feriados, vale dizer, uma vez iniciada a sua contagem, não serão interrompidos.

Tampouco podemos esquecer que a contagem do prazo recursal é realizada com a exclusão do dia do início e inclusão do dia final, ou seja, no processo penal, os prazos contam-se a partir da realização da intimação, começando a fluência do prazo a partir do dia útil seguinte a esta e incluindo o termo final, não tendo relevância, a data da juntada aos autos do respectivo mandado (súmula 710 do STF).

Nesta mesma esteira, outro verbete esclarece a matéria ressaltando que, caso a intimação ocorra na sexta-feira, o início do prazo recursal correrá a partir da segunda-feira, sendo dia útil (súmula 310 STF), da mesma forma, quando um prazo terminar no sábado, domingo ou feriado, será automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil (Art. 798, §3, do CPP).

Dessa forma, nos casos em que a intimação da sentença é feita na pessoa do réu e do seu defensor, os prazos contam-se a partir do último ato, vale dizer, a fluência do prazo recursal será da certificação da derradeira intimação (LOPES JUNIOR, 2020, p. 1072-1073).

Ocorre que, os Tribunais Superiores e também vários Tribunais Locais vêm se posicionando em sentido absurdamente contrário, consagrando posicionamentos de que, para os casos em que o réu respondeu a ação penal em liberdade, a intimação da sentença condenatória bastaria a ciência do causídico constituído, o que obviamente não concordamos. Vale dizer, que, no caso de réu solto, é suficiente a intimação de seu advogado, dispensando a necessidade de intimação pessoal do acusado, efetivando-se legitimamente com a publicação no Diário de Justiça Eletrônico, forçando o posicionamento nos Artigos 392, II e 370, §1º do CPP.


(STJ – AgRg no RHC 40.667/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Quinta Turma, DJe 29/08/2014); (STJ – HC 481.476/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, DJe 07/08/2019); (STF – HC 144735 AgR, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe-077 Public 23- 04-2018); (TJGO – Recurso em Sentido Estrito 115602- 91.2017.8.09.0042, Rel. Des. Carmecy Rosa Maria Alves De Oliveira, 2ª Câmara Criminal, DJe 2799 de 02/08/2019); (TJGO – Apelacao Criminal 68372- 20.2016.8.09.0032, Rel. Des. Joao Waldeck Felix De Sousa, 2ª Câmara Criminal, DJe 2478 de 04/04/2018); (TJRS – Apelação Crime, Nº 70074592585, Quinta Câmara Criminal, Desembargadora Relatora Lizete Andreis Sebben, Julgado em: 29-05-2018 – decisão monocrática); (TJSC – Apelação Criminal n. 0018301- 92.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 11-07-2019); (TJAM – Des. Relator Jomar Ricardo Saunders Fernandes, comarca de Manaus/AM, Órgão julgador: Segunda Câmara Criminal; Apelação Criminal 0258822-22.2014.8.04.0001, julgamento: 29/10/2017); (TJAP – Desembargador Relator Gilberto Pinheiro, Câmara Única, Apelação Criminal 0001472-56.2015.8.03.0000, julgamento: 06/11/2018).


A criação dessa jurisprudência no sentido de dispensar a intimação do réu solto acerca da sentença condenatória, isto é, sendo suficiente tão somente do defensor constituído, nos termos dos artigos citados, não se aplicam nos casos de aferir a tempestividade ou não do manejo recursal, além de violarem frontalmente os princípios insculpidos no artigo 5º, incisos LIV, LV da Constituição Federal/88, qual seja, do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Neste mesmo sentido, justifica-se esta posição, em razão da legitimidade recursal autônoma do defensor e do acusado previsto no artigo 577, caput, do CPP, motivo pelo qual ambos devem ser individualmente intimados da prolação de sentença condenatória.

Sendo assim, o fato da jurisprudência navegar à deriva pela dispensabilidade da intimação da sentença condenatória do acusado solto, bastando a intimação do defensor constituído, não altera a conclusão de que, tendo efetivamente ocorrido a intimação de ambos do réu e de seu advogado, inicia-se a fluência do prazo recursal para a defesa no dia útil seguinte à derradeira intimação (Art. 798, § 1º e 5º, ‘a’ do CPP).

Portanto, após velejar pelos obstáculos, ameaças e perigos, o advogado precisa de cautela, pois diante da bravura, a coragem e a persistência dos fundamentos expostos, resta angústia sobre o caráter peremptório dos prazos processuais, especialmente em se tratando de recursos.

Por certo, não podemos correr riscos, sequer abusar da sorte, lembrando que está em jogo o destino do réu, sendo recomendável adotar a estratégia que viabiliza a tempestividade recursal, evitando o arrepio de uma viagem por vários anos em busca da jurisprudência natal, como também não podemos concordar com os posicionamentos equivocados.


REFERÊNCIAS

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 14. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019.

DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. 4. São Paulo: Mastersaf, 2018.


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