É possível a comutação sucessiva na execução penal?
É possível a comutação sucessiva na execução penal?
Em algumas Varas de Execuções Penais e em demasiados casos dos Tribunais observam-se fundamentações sobre a (im)possibilidade de comutação de penas a acusados que já obtiveram comutações de penas anteriores nas ações penais.
Ocorre que os decretos promulgados de comutação são normas concessivas de direito e não restritivas, devendo ser interpretados da forma mais benéfica aos acusados, possibilitando a comutação para aqueles que possuem bom comportamento carcerário.
Nos casos concretos, observa-se o indeferimento de comutações sucessivas com base no que dispõe o artigo 7° do Decreto 9.246/2017, no qual aduz em seus termos:
A comutação a que se refere o caput será concedida às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade que não tenham, até 25 de dezembro de 2017, obtido as comutações decorrentes de Decretos anteriores, independentemente de pedido anterior.
Analisando os Decretos de comutação e indulto de 2013, 2014 e 2015, observa-se claramente que as redações são similares ao Decreto de 2017, não sendo fundamentada a impossibilidade de comutação em razão da concessão anterior em decretos anteriores, conforme expõe no artigo 3°:
- Decreto 8.615/2015, Art. 3º Concede-se comutação às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade que não tenham, até 25 de dezembro de 2015, obtido as comutações por meio de Decretos anteriores, independentemente de pedido anterior.
- Decreto 8.380/2014, Art. 3º Concede-se comutação às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade que não tenham, até 25 de dezembro de 2014, obtido as comutações, de decretos anteriores, independente de pedido anterior.
- Decreto 8.172/2013, Art. 3º Concede-se comutação às pessoas condenadas à pena privativa de liberdade que não tenham, até 25 de dezembro de 2013, obtido as comutações, de decretos anteriores, independente de pedido anterior.
Nesse sentido, aduz ROIG (2018, p. 255):
A comutação pode ser concedida mais de uma vez ao longo da execução (comutações sucessivas), sendo possível a comutação mesmo aos que não tenham ainda obtido as comutações de decretos anteriores, independente de pedido anterior.
Dos decretos presidenciais promulgados, apenas o de 2016 não previu a comutação de penas (o que é um grande problema em um sistema penal lotado, contribuindo para a superlotação do sistema carcerário em sua totalidade).
É fundamental, portanto, a concessão de comutações no âmbito da execução penal para minimizar os danos decorrentes aos indivíduos privados de liberdade. Conforme ressalta Muñoz Conde (2009, p. 13):
Una vez más el recurso al Derecho penal, demuestra hasta que punto muchos políticos están más decididos a utilizar la vía repressiva punitiva, como única forma de luchar contra estos problemas, antes que adoptar medidas sociales o económicas para prevenirlos, y si no eliminarlos por completo, reducirlos.
No tocante à possibilidade de comutações sucessivas, ressalta o entendimento jurisprudencial da Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Agravo em Execução Penal – Recurso da defesa – Comutação – Decreto nº 8.615/2015 – Benefício indeferido a sentenciado que foi agraciado com indultos parciais concedidos por Decretos Presidenciais anteriores – Cassação da decisum – Necessidade – O artigo 3º de referido diploma não deve ser interpretado como vedação a comutações sucessivas, mas, sistematicamente com o disposto no artigo 2º, § 2º do mesmo Decreto – Precedentes – Hipótese em que o mérito do pedido de comutação deve ser analisado primeiramente pelo juízo das execuções, sob risco de supressão de instância – Recurso parcialmente provido. (TJSP; Agravo de Execução Penal 9000145-90.2016.8.26.0114; Relator (a): Juvenal Duarte; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Campinas – Vara das Execuções Criminais; Data do Julgamento: 08/02/2018; Data de Registro: 09/02/2018).
Com base no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a falta grave só impedirá a obtenção de comutações de penas se praticadas nos doze meses anteriores ao decreto promulgado, nesse sentido:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. COMUTAÇÃO DE PENAS. DECRETO N. 9.246/2017. FALTAS GRAVES. PRÁTICA DAS INFRAÇÕES FORA DO PERÍODO DE 12 (DOZE) MESES ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DA NORMA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. Na hipótese vertente, percebe-se que o Tribunal a quo indeferiu a comutação de penas sob o entendimento de que as infrações, mesmo tendo sido cometidas fora do período previsto no Decreto Presidencial (doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente), influem na aferição do mérito para concessão da benesse. 3. Segundo entendimento consolidado por esta Superior Corte de Justiça, a falta grave só impede a obtenção da comutação de pena se praticada nos doze meses anteriores à data de publicação do decreto. 4. Na espécie, as faltas disciplinares de natureza grave foram praticadas pelo reeducando em fevereiro e maio/2016, portanto, fora do prazo fixado na norma. 5. Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício para cassar o acórdão proferido pela Corte de origem e, em consequência, determinar que o Juízo das Execuções Criminais reaprecie o pedido de comutação de penas formulado em favor do sentenciado à luz do que determina o Decreto Presidencial n. 9.246/2017, ou seja, sem considerar como fato impeditivo à concessão do benefício o cometimento de falta de natureza grave fora do período previsto na referida norma. (Processo HC 480308 / SP HABEAS CORPUS 2018/0311034-4, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA, Data do julgamento: 11/12/2018, Data da Publicação/ Fonte: DJe 19/12/2018), (grifos nossos).
Ainda, conforme entendimento dos tribunais superiores, a condenação no curso da execução penal após a unificação de penas dos acusados não interrompe o prazo para a concessão de comutação e também do livramento condicional, nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXECUÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA CONDENAÇÃO. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. COMUTAÇÃO. ALTERAÇÃO DA DATA-BASE. IMPOSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. Firmou-se nesta Corte Superior de Justiça entendimento de que a superveniência de nova condenação no curso da execução penal acarreta a unificação das penas e a interrupção do prazo para obtenção de novos benefícios, exceto indulto, comutação da pena e livramento condicional. 3. Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício, para cassar o acórdão prolatado pelo Tribunal a quo; ficando restabelecida, em consequência, a decisão do Juízo das Execuções Criminais, concessiva da comutação de pena ao sentenciado, com base no Decreto n. 8.380/2014. (Processo: HC 452563 / SP HABEAS CORPUS 2018/0129691-7, Ministro Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, órgão julgador: T5 – QUINTA TURMA, Data do julgamento: 16/08/2018, Data da publicação/ Fonte: DJe 24/08/2018), (grifos nossos).
Portanto, é possível arguir a possibilidade de comutações sucessivas aos acusados, mesmo em casos nos quais os acusados já tenham deferidas comutações por decretos anteriores nas respectivas ações penais.
REFERÊNCIAS
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 4. ed. São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
CONDE, Francisco Muñoz, De la tolerância cero, al derecho penal del enemigo. Instituto de Estudio e Investigación Jurídica, Managua, Nicaragua, 2009.
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