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É possível retirar o réu da sala de audiência realizada por videoconferência?

É possível retirar o réu da sala de audiência realizada por videoconferência?

Olá amigos, espero que estejam bem.

Continuando nossa série de artigos sobre temas práticos da advocacia criminal, neste semana iremos abordar um caso prático e responder a um questionamento que tem se dado de maneira cada vez mais frequente em tempos hodiernos: afinal, é possível a retirada do réu da sala de audiências, ainda que realizada por videoconferência, quando alegado que a presença deste poderá causar humilhação, fundado temor ou constrangimento pela vítima ou testemunha?

A pergunta é válida, embora pareça um pouco óbvia. Trata-se de celeuma que o advogado militante certamente já enfrentou ou enfrentará, valendo, portanto, a nota.

A videoconferência consiste em um mecanismo para transmissão de áudio e vídeo em tempo real que possibilita a discussão em grupo, ainda que os participantes estejam em locais distintos, possibilitando que todos possam falar, visualizar e ouvir, uns aos outros.

O instituto, embora tenha dado seus primeiros passos, no Brasil, nos fim dos anos 90, ganhou notoriedade a partir da edição da Lei nº 11.690, de 2008) e da Lei n° 11.900/09, que alterou o código penal, passando a prever que excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderia realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender os seguintes requisitos:

  1. Prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento.
  2. Viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
  3. Impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;
  4. Responder à gravíssima questão de ordem pública.

Não se nega a importância da tecnologia para o desenvolvimento das atividades típicas do poder judiciário. A virtualização dos processos e a realização de audiências por videoconferência representam verdadeiro avanço, a favor do jurisdicionado. Contudo, nos assombra quando o legislador utiliza o termo “ordem pública” de conceito amplo, para definir hipóteses daquilo que deveria ser uma exceção detalhadamente fundamentada (a realização da audiência por vídeo).

Outro ponto que se passa despercebido é a necessidade da presença de dois defensores, na hipótese de audiência realizada por videoconferência. Tal sentença se extrai da leitura do artigo 185, parágrafo quinto do CPP. Vejamos:

Artigo 185.

§ 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

Desse modo, percebe-se que, mesmo em tempos de pandemia (COVID-19) o direito a defesa do réu não pode ser relativizado e, ainda que o argumento do perigo de contágio (que é real) seja suficiente a determinar que a audiência ocorra por videoconferência, não se presta a excepcionar a regra do artigo 185, parágrafo 5° do CPP, devendo ser garantido, pelo diretor do presídio ou (em caso de negativa daquele), pelo juiz de direito, a presença de um defensor no presidio, ao lado do réu.

Contudo, tal assunto será tema de um debate futuro.

Volta-se para o questionamento que se pretende responder.

Pois bem, sabe-se que a vítima ou testemunha que se sinta constrangida na presença do réu, pode requerer sua retirada da sala de audiências, devendo permanecer seu defensor. A regra vem prevista no artigo 217 e tem razão de existir na necessidade de que a vítima preste depoimento absolutamente imparcial e verdadeiro, sob pena de crime de falso testemunho. Já a vítima, embora não cometa tal delito, poderá, em razão de omissões ou má-fé em seu depoimento, responder pelo crime de denunciação caluniosa.

Contudo, no caso de audiência realizada por videoconferência, ainda que a vítima ou testemunha alegue o fundado temor ou constrangimento, o réu NÃO poderá ser retirado da sala de audiências. Isso por conta da letra do artigo 217 do CPP, abaixo reproduzido:

Art. 217.  Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

Perceba que a audiência poderá ser realizado por videoconferência nas hipóteses mencionadas no artigo 185 do CPP mas, além disso, nos casos em que o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido. Assim, se o legislador previu a possibilidade da realização de audiência por videoconferência nesta hipótese o fez visando assegurar a integridade física e psíquica da vitima, testemunha e demais presentes no ato. Portanto, não é possível a retirada do réu da sala de audiências em caso de audiência realizada por videoconferência.

É o nosso entendimento, salvo melhor juízo.


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Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

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