Efetivação do sistema acusatório e o juiz das garantias no processo penal brasileiro
Efetivação do sistema acusatório e o juiz das garantias no processo penal brasileiro
O Juiz das Garantias, implementado pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, trouxe ao processo penal a separação das funções judiciais referentes à investigação e ao processo (instrução e julgamento), em que instituiu um juiz unicamente para a fase pré-processual, o qual não poderá atuar no decurso do processo.
O sistema processual penal brasileiro já possuía uma indicação de estrutura acusatória, à luz da Constituição Federal, ao destinar a atribuição de promover a ação penal pública ao órgão ministerial, separando as funções entre as partes do processo (art. 129, I, da CF).
Apesar disso, o Código de Processo Penal, em diversas vezes durante o seu texto, coloca em dúvida a verdadeira classificação do modelo de sistema processual adotado no Brasil, uma vez que “há profundo descompasso entre o modelo traçado pela Constituição Federal e sua concretização por meio do Código de Processo Penal” (DEZEM, 2018, p. 100).
Primeiramente, verifica-se que o art. 155 do CPP possibilita, ainda que não exclusivamente, a utilização de elementos produzidos na fase investigatória, quando há deficiência no contraditório e na ampla defesa.
Já o art. 156, inciso I, do CPP faculta ao juiz de ofício a realização de prova antecipada, mesmo antes do início da ação penal e, o inciso II do mesmo artigo dá a faculdade ao magistrado, também de ofício, da determinação de diligências para dirimir dúvida, no curso da instrução ou antes de proferir a sentença.
Coutinho, em relação ao referido dispositivo legal aponta que “com tamanha liberdade probatória, o juiz, no sistema processual penal brasileiro – e basta apontar em tal direção – pode fazer quase tudo o que pretender” (COUTINHO, 2009, p. 111).
Da mesma forma, o art. 209 do CPP possibilita ao magistrado a oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes, demonstrando um poder instrutório por parte do julgador.
Outrossim, importante ressaltar que o art. 385 do CPP garante ao juiz a possibilidade de proferir sentença condenatória e reconhecer agravantes, mesmo que o Ministério Público – órgão acusador – promova pela absolvição e que nenhuma agravante seja alegada.
Com isso, em relação ao Código de Processo Penal Brasileiro, verifica-se que a atribuição de poderes instrutórios aos juízes no decorrer do processo, como nos dispositivos acima relacionados, ainda que haja uma separação inicial de funções, pode ser considerada a demonstração da adoção de um princípio inquisitivo, motivo pelo qual “a estrutura do Código de Processo Penal de 1941 deve ser adequada e, portanto, deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente, cujos alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório” (LOPES JR., 2014, p. 119).
Diante disso, nota-se a necessidade da reformulação do Código de Processo Penal, o que ocorreu, de forma parcial, com a promulgação da Lei nº 13.964/2019, mais conhecida como Pacote Anticrime.
O novo art. 3º-A do CPP e, por conseguinte, a implementação do juiz das garantias no processo penal (art. 3º-B, do CPP), trouxe um novo paradigma ao campo do processo penal brasileiro e a imposição de alterações na atual organização judiciária.
Primeiramente, verifica-se que o art. 3º-A do CPP, em consonância com os preceitos constitucionais, dispõe que “o processo penal terá estrutura acusatória”, o que norteia um caminho para o fim da discussão sobre a classificação do sistema processual adotado no Brasil.
Além disso, a Lei nº 13.964/2019 trouxe a disposição acerca do juiz das garantias, “que nada mais é do que um juiz especialmente designado para cuidar da fase investigatória de um crime, apurando-se o seu autor” (NUCCI, 2020, p. 39), o qual será responsável também pelo controle de legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais (art. 3º-B).
Nesse sentido, “visando harmonizar nosso CPP ao sistema constitucional, a nova Lei cria a figura do juiz das garantias, órgão jurisdicional com a missão de acompanhar as diversas etapas da investigação” (CUNHA, 2020, p. 69).
O Juiz das Garantias atuará até o recebimento da denúncia ou queixa (art. 3º-C do CPP), momento em que cessa a sua competência e inicia a atuação do juiz da instrução e julgamento que não poderá, por sua vez, ter acesso aos autos da investigação, os quais serão acautelados na secretaria do respectivo juízo (art. 3º-C, §3º, do CPP).
Em razão disso, a criação de um juiz designado apenas para a fase pré-processual e o acautelamento dos autos da investigação mostram-se como uma solução para o prejuízo cognitivo encontrado pelas defesas no decurso do processo penal, uma vez que será priorizada a prova produzida através de contraditório judicial, sem que o magistrado responsável pela instrução tenha uma “primeira impressão” negativa do réu.
Dessa forma, as alterações trazidas pela Lei nº 13.964/2019 remontam aos pressupostos do sistema acusatório, especialmente, no que diz respeito à separação de funções das partes do processo e a importante inércia e imparcialidade do juiz, tanto na investigação, quanto na instrução e no julgamento.
O Pacote Anticrime, ao implementar a figura do juiz das garantias, trouxe ao Código de Processo Penal as medidas necessárias para a caracterização do processo penal de acordo com o sistema acusatório já apontado na Constituição Federal e agora explícito na norma infraconstitucional.
REFERÊNCIAS
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema Acusatório – Cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Disponível aqui. Acesso em: 13 mai. 2020.
CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime – Lei nº 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. São Paulo: Mastersaf, 2018.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense: 2020.
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