De bilionário a foragido: Eike Batista e os novos rumos da política criminal brasileira
“Eu sou como um compositor que faz uma música. As minhas notas, por acaso, são dinheiro”, afirmou o então bilionário Eike Batista, no ano de 2012. Na ocasião, o atual foragido da justiça estimava alcançar o posto de homem mais rico do mundo em 2016. Seus planos não deram certo.
Pior. Foi decretada a sua prisão preventiva, ontem, por suposta participação nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da “Operação Eficiência”, derivada da Operação “Lava Jato”.
Mas o que a derrocada dos planos de Eike Batista e o decreto prisional em seu desfavor pode nos indicar sobre a atual política criminal brasileira? Vejamos.
É fato que a maior parte da população carcerária, conforme levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional, é composta por presos vinculados ao tráfico ilícito de entorpecentes e crimes contra a pessoa. Dos mais de 600 mil presos, menos de 0,5% possui ensino superior completo.
Essa é a realidade histórica brasileira. Prende-se muito. E sempre os mesmos.
Todavia, os acontecimentos recentes no âmbito da criminalidade econômico-financeira têm demonstrado que pessoas antes intocáveis – políticos, empresários, banqueiros – também podem ser levadas ao ergástulo.
Quais são os possíveis fatores para essa ampliação de foco do sistema punitivo?
Em primeiro lugar, pode-se levar em consideração a existência de um movimento da sociedade civil no sentido de demonstrar maior insatisfação social e menor tolerância com a corrupção. De fato, o discurso de “rouba, mas faz”, não agrada mais os eleitores, que cobram, além de eficiência na gestão da máquina pública, maior lisura, probidade e respeito ao erário público.
Em prosseguimento, essa tendência de “combate” à corrupção não se restringe aos sistemas informais de controle, transbordando essa esfera e atingindo, também, as instituições formais, tal como o Poder Legislativo, Ministério Público, policias e Poder Judiciário.
Todas estas instituições têm dirigido esforços para tentar estabelecer maior controle da corrupção e dos crimes de cunho econômico-financeiro.
Exemplificativamente, vale mencionar que o Poder Legislativo editou, em 2013, a Lei nº 12.846/2013, a qual se tornou conhecida como a Lei Anticorrupção. Ainda, o Ministério Público e as policiais possuem setores especializados no âmbito do combate à corrupção.
O Poder Judiciário, por sua vez, não fica alheio a essa perspectiva, tendo seus órgãos influenciados por esse movimento diretivo. Exemplo disso é a própria decisão que decretou a prisão preventiva de Eike Batista, quando consigna que:
“reconheço a gravidade dos crimes cometidos com violência ou ameaça à pessoa, inclusive pela necessidade da imediata cessação delitiva. Mas os casos que envolvem corrupção, de igual forma, têm enorme potencial para atingir, com severidade, um número infinitamente maior de pessoas. Basta considerar que os recursos públicos que são desviados por práticas corruptas deixam de ser utilizados em serviços públicos essenciais, como saúde e segurança públicas”.
Assim, essa conjuntura político-social tem apresentado novos rumos a nossa política criminal, a qual, embora não conflagre ruptura com a clássica seletividade do sistema penal – os clientes favoritos do sistema penal permanecem os mesmos – procura ampliar o foco punitivo para alcançar também os criminosos de white collor.
O afã punitivo existente, contudo, deve ser moderado e dentro dos limites legais, havendo a necessidade de que se combatam eventuais ilegalidades e excessos, sempre com zelo aos Direitos e Garantias Fundamentais.
Diante da intolerância crescente à corrupção, corre-se o risco de a irracionalidade estabelecer de novos inimigos públicos, medida que afronta a razoabilidade e não pode ser adotada como forma de política criminal.
De qualquer forma, o fenômeno de punição dos poderosos é recente e ainda não há como saber se é uma tendência duradoura ou apenas uma nuvem passageira. Por derradeiro, o que a frustração do sonho de Eike Batista (tornar-se o homem mais rico do mundo) e a decretação de sua prisão preventiva demonstram, no âmbito político criminal, é que até mesmo para os mais favorecidos existem limites, cujo rompimento pode ensejar forte reação estatal.