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Em tempos de “Zika”, vamos falar de DDT!


Por Thathyana Weinfurter Assad


O Brasil está enfrentando algumas batalhas, de norte a sul, de leste a oeste, de “zica” do “Zika” a outros tipos (gravíssimos) de “zica”! A crise está posta, a olhos vistos dos brasileiros, e os cidadãos não querem ver a sujeira varrida para baixo do tapete (bem, talvez alguns queiram – dizem que toda regra carrega sua exceção, não é?). Desemprego, corrupção, tributação alta, burocracia desmotivadora, juros elevados, moeda desvalorizada, opiniões radicais disseminadas, violência desmedida, soberba de alguns nos cargos de poder. Onde foi parar nosso país? No fundo do poço, buscando encontrar uma mola? Vai que tem!

Pois é: para piorar a crise, especificamente no aspecto da saúde pública, o conhecido, pequenino, mosquito “Aedes Aegypti” multiplicou-se em velocidade alarmante. Talvez o mosquito tenha aproveitado a onda de alguns humanos por aí, e achou que poderia fazer igual: apoderar-se, tomar conta, fazer o estrago. Foi lá e fez! Não sozinho. Não! Mas fez. E está fazendo.

O mosquito, quando infectado, transmite doenças como a dengue, a febre Chikungunya, o Zika vírus. Não somente! É também transmissor, por exemplo, de uma doença grave nos cães e outros animais de estimação: a Dirofilariose, conhecida como verme do coração, que pode levar à morte dos bichinhos.

Conforme boletins e informes epidemiológicos, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde (veja aqui), os dados são preocupantes. E o número pode ser muito maior. Diante desse quadro, uma discussão veio à tona: o uso do DDT.

Em entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos (aqui), o médico Carlos Henrique Nery Costa explanou:

“Temos conhecimento, vontade e desejo de controlar o Aedes aegypti e temos de rediscutir o que fazer para combatê-lo. Uma estratégia que foi abandonada e demonizada décadas atrás, provavelmente terá de voltar, que é o uso de DDT [dicloro-difenil-tricloroetano]. Alguns ambientalistas vão ter de lidar com o DDT em breve, talvez tenha de se mudar a legislação etc. Tudo isso é matéria de debate e não há consenso no mundo científico”.

Para compreender a questão, a leitura de interessante histórico sobre o DDT, publicado em artigo científico elaborado por Claudio D’Amato, João P. M. Torres e Olaf Malm (na íntegra aqui), ajuda:

“As propriedades inseticidas do DDT foram descobertas em 1939 pelo entomologista suíço Paul Müller, o que lhe valeu posteriormente o Prêmio Nobel da Medicina devido ao uso do DDT no combate à malária.

O DDT foi utilizado na Segunda Guerra Mundial para prevenção de tifo em soldados, que o utilizavam na pele para combate a piolhos. Posteriormente foi usado na agropecuária, no Brasil e no mundo, dado seu baixo preço e elevada eficiência.

A produção em grande escala iniciou-se em 1945, e foi muito utilizado na agricultura como pesticida, por cerca de 25 a 30 anos. Tanta foi a quantidade que se estimou que cada cidadão norte-americano ingeriu, através dos alimentos, uma média de 0,28 mg por dia em 19505. Outra função para seu uso foi em programas de controle de doenças tropicais, inclusive no Brasil, como malária e leishmaniose visceral.

(…)

A Suécia foi o primeiro país do mundo a banir o DDT e outros inseticidas organoclorados, em 1º de janeiro de 1970, com base em estudos ecológicos. Pouco depois foi seguida por outros países, excetuando-se o uso em programas de controle de doenças.

No Brasil, as primeiras medidas restritivas se deram em 1971, com a Portaria nº 356/71, que proibiu a fabricação e comercialização de DDT e BHC para combate de ectoparasitos em animais domésticos no país, obrigando os fabricantes a recolherem os produtos, mas isentou os produtos comerciais indicados como larvicidas e repelentes de uso tópico; e com a Portaria nº 357/71, que proibiu em todo o território nacional o uso de inseticidas organoclorados em controle de pragas em pastagens.”

Em notícia constante do endereço eletrônico da Anvisa (leia aqui),

“No Brasil, o DDT teve sua retirada do mercado em duas etapas: em 1985, teve sua autorização cancelada para uso agrícola; e em 1998, foi proibido para uso em campanhas de saúde pública”.

Atualmente, em nosso país, vige a Lei nº 11.936/2009, a qual dispõe, no artigo 1º, que: “É proibida, em todo o território nacional, a fabricação, a importação, a exportação, a manutenção em estoque, a comercialização e o uso de diclorodifeniltricloretano (DDT)”. Tal proibição foi compilada pelo Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009, no artigo 619-A, com a seguinte redação:

“É proibida a importação, a exportação e o armazenamento de diclorodifeniltricloretano (DDT)”.

Ou seja: DDT é de importação e exportação proibidas. E, a partir disso, questionamentos surgem na área do direito penal aduaneiro. Estaríamos, a partir da importação ou exportação de DDT, diante de que crime? De contrabando, do artigo 334-A, do Código Penal – “importar ou exportar mercadoria proibida: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”? Ou seria do artigo 56, da Lei nº 9.605/98 – “Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa)”?

Ou, ainda, do artigo 15, da Lei nº 7.802/1989, com redação dada pela Lei nº 9.974/2000 – “Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa”? Observando, no entanto, que este último artigo não traz os verbos “importar” e “exportar”, trazendo, pois, um problema quanto à subsunção típica.

Seja como for, DDT é proibido. Por enquanto, pode ensejar, se importado ou exportado, o enquadramento penal (aduaneiro).

A discussão não pode, todavia, ser varrida para baixo do tapete. Nem a da possível volta do DDT para exterminar o mosquito transmissor do “Zika”, nem a de questões relacionadas a qualquer outra “zica” nesse país.

Qual será, afinal, nosso antídoto?

_Colunistas-thathyana

Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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