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Embates acerca da pena de morte: Beccaria contra outros notáveis

Embates acerca da pena de morte: Beccaria contra outros notáveis

Cesare Beccaria – o marquês de Beccaria – foi uma figura importante para o Direito Penal, porém não foi um autor reconhecido por criticar os quesitos positivos ou os aspectos técnicos do Direito Penal, mas sim por fazer uma análise sobre efetividade e moralidade de leis que haviam em grande proporção na sua época, como as torturas e a pena de morte.

Nesse contexto, evidencio que o livro usado majoritariamente para fundamentar este texto, é o famoso “Dos Delitos e das Penas”, o livro foi publicado primeiramente em 1764 e é tido ainda hoje como um clássico da história do Direito Penal.

Não obstante, esse escrito trata especificamente das questões levantadas por Beccaria no capítulo referente à pena de morte, onde ele traz as questões que serão tratadas aqui. Isto posto, tentarei explicar o raciocínio do autor e trarei para o texto visões contrárias, com intuito de demonstrar minimamente alguns dos debates que cercam o tema.

Outrossim, os principais argumentos do iluminista italiano, que questionam a moral desta pena, se resumem em uma questão: como poderia uma sociedade criada a partir da vontade geral, que desincentiva o suicídio e o homicídio, ter indivíduos que cedessem o seu direito a vida, em caso de eventualmente cometerem um crime?

Partindo disto, Cesare conclui que em uma sociedade que segue uma máxima que proíbe o suicídio e o homicídio, seria contraditório que os cidadãos dessa mesma sociedade cedessem seu direito a vida para o Estado encerrá-lo, caso julgasse justo. Ou seja, se o indivíduo não tem o “direito de se matar”, portanto, não tem disponibilidade absoluta da própria vida, para poder ceifá-la ele mesmo, como poderia esse mesmo indivíduo ceder o seu direito à vida para outrem, ou até mesmo à sociedade?

Diante desse argumento, dois aspectos devem ser observados, o primeiro é que quando Cesare fala de “direito”, ele não se refere ao direito positivo estritamente, pois perceba que até por suas influências, é coerente entender que ele trata do direito natural à vida, logo, temos aqui uma visão filosófica do tema; o segundo aspecto, é que ele parte de uma visão contratualista quando afirma, por exemplo, “a soberania e as leis não são mais do que a soma das pequenas porções de liberdade que cada um cedeu à sociedade. Representam a vontade geral, resultado da união das vontades particulares” (Beccaria C. , 2015, p. 55).

Note que o autor dá a entender o contrato social, ou a “vontade geral” como legitimação da soberania e das leis, além de estar notoriamente  presente a ideia de um estado de natureza anterior, pois ele cita que os homens cederam pequenas porções da sua liberdade (direito natural) para a criação das leis e soberania, ora, não se cede aquilo que não se tem, então se eles cederam parte dos seus direitos naturais, é porque – obviamente – já os tinham antes mesmo da instituição de um governo estatal.

Contudo, é coerente trazer-lhes também argumentos opostos ao de Beccaria, por esse motivo, trago o filósofo alemão Immanuel Kant, que em seu livro “Metafísica dos costumes” – na parte que trata da doutrina do direito – conclui que a ideia de que a pena capital é ilegítima, porque o indivíduo não poderia dispor da própria vida no contrato social, é equivocada e não passa de um sofisma.

Nessa mesma linha de raciocínio, Kant explica que o cidadão não dispôs da vida ou concordou em ser punido, pois desta forma ele estaria sendo – segundo o autor – o seu próprio carrasco e seu próprio juiz. No entanto, o indivíduo aceita a ação punível para resguardar-se justamente de condutas alheias que firam os seus direitos, portanto, a partir do momento que o cidadão concorda com a ação punível, este assume que o estado pode punir aqueles que cometem crime, logo, se ele vier a cometer um crime deverá ser punido em prol da segurança da sociedade.

Ademais, o embate desse argumento está na necessidade de concordar em dispor da vida no contrato primitivo, já que Beccaria defende que o indivíduo teria que concordar com isto, mas como o indivíduo não pode dispor da própria vida, seria impossível tal concordância; Kant, de modo divergente, defende que o indivíduo não precisa dispor da própria vida, ou seja, esta concordância é desnecessária, pois os indivíduos precisam apenas querer a ação punível para que as penas sejam aplicadas nos Tribunais, legitimamente.

Sobretudo, Beccaria também critica a eficácia da pena de morte, quanto a poder servir de exemplo aos cidadãos ou mesmo ser severa o suficiente com o criminoso, ele argumenta que a pena perpétua ou “pena de escravidão” seria mais útil para dar exemplo aos outros cidadãos e para fazer refletir – o acusado – sobre seus atos, pois um suplício seria algo extremo, mas passageiro, algo que não amedrontaria tanto o espírito do homem quanto saber que passaria o resto de seus dias, vagarosamente, pagando por seus atos.

Discorrendo sobre o tema, o autor também entende que a história prova a ineficácia da pena capital, citando como exemplo os romanos e o reinado da imperatriz da Rússia, a “benfeitora Izabel” (Isabel da Rússia), além de defender que a morte pode gerar efeito contrário em fanáticos, pois poderia encorajá-los a sofrer um suplício em busca do reconhecimento como mártir de uma causa pela qual é fanático, sendo novamente ineficaz.

Porém, o que se pode perceber do outro lado desse tema, é que os defensores da pena de morte buscam uma eficácia diferente desta a que se refere o marquês, pois eles buscam obedecer princípios e satisfazer o seu ideal de justiça, ou seja, não importa necessariamente essa visão de que um indivíduo vê a pena sofrida pelo criminoso, a teme, e por isso não comete crime, pois o que importaria é que a consequência adequada fosse satisfeita.

Para demonstrar essa situação, me apoio nas ideias do Pe. Dr. Emílio Silva (excelente escritor acerca de temas filosóficos, teológicos e do direito penal) tratando dessa situação com apoio de citações do filósofo e professor universitário Ángel Amor Ruibal, onde ele tenta explicar que é mais importante que a justiça seja feita, pois antes de ser útil para sociedade a preocupação da pena seria reestabelecer a ordem que foi abalada pela conduta do transgressor, ou seja, restabelecer o direito.

Dessa forma, é coerente entender que o embate aqui está na importância que Beccaria dá ao quão utilitária deve ser a pena, negligenciando o quesito da justiça, ou seja, quesito de o condenado receber uma punição adequada ao prejuízo que causou, diferente de um apoiador da pena, que geralmente defenderá a ideia de que antes de proveitosa a pena é merecida e deve ser aplicada de forma proporcional ao dano gerado pelo transgressor da lei, pois se causa dano irreparável, deve sofrer uma correção de mesma magnitude.

Por fim, tem-se o argumento do “pensamento universal”, que consiste na afirmação de que todas as sociedades, religiões, legislações etc. algum dia já teriam justificado a pena de morte e que seria impossível (ou altamente improvável) que todas elas tivessem cometido um erro grave, sobre um preceito fundamental da lei natural.

Perante esse argumento, observa-se uma disputa entre Beccaria (um abolicionista) e aqueles que concordam com a legitimidade da pena capital, que está alicerçada no seguinte tópico: de fato poderiam todas as civilizações errarem sobre a mesma questão, questão essa tão relevante?  Beccaria defende que sim, pois esse fato (concordância universal) não geraria vínculo obrigatório com a verdade, ou seja, várias pessoas terem pensado algo não significaria que esse algo está correto, porque o contrário também seria válido se ele encontrasse várias civilizações que tivessem abolido a pena de morte.

Em contrário, os defensores desse argumento explicam que o fato de todas as civilizações – dos gregos antigos aos franceses revolucionários – terem argumentado racionalmente em favor da pena de morte, só demonstraria que fazer isso é uma exigência da razão humana (em outras palavras, é forçoso para aquele que utiliza a razão) e reforçam afirmando que uma prova desta afirmação é a que o próprio criminoso, ao se defender de uma acusação nega o crime, não a pena, ou seja, o criminoso não nega que quem cometeu o seu possível crime (como um assassinato atroz) mereça a morte, porém ele tenta negar que cometeu tal crime, e isto, na visão dos que legitimam a pena de morte, é uma evidência de que até a razão dos criminosos conclui que a pena de morte é defensável, portanto, isso reforçaria que defender a pena de morte é uma exigência da razão.

Tendo em vista todos os argumentos citados, creio que consegui passar pelos mais importantes tópicos deste tema, que acredito ser muito importante por todas as suas implicações, desde o ponto de vista dos participantes até o ponto de vista prático dos observadores; utilizei neste escrito as ideais de um notável abolicionista, Cesare Beccaria, fazendo um contraponto com as ideias de alguns defensores da pena de morte, porém peço que se atenham às máximas das questões aqui apresentadas para que façam suas próprias reflexões posteriores utilizando de outros nomes do direito ou da filosofia.


REFERÊNCIAS

Beccaria, C. (2015). Dos Delitos e das Penas. 2° ed. São Paulo: Edipro.

Kant, I. (2013). Metafísica dos Costumes. Rio de Janeiro: Editora Vozes.

Silva, P. E. (1986). Pena de morte já. Rio de Janeiro: Revista Continente.


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