Enfim nasce a lei tipificando o crime de terrorismo
Por Clóvis Ramos Neto
Enquanto todas as atenções estão voltadas para a Operação Lava Jato, principalmente com a recente divulgação da interceptação telefônica realizada na conversa entre Lula e a atual Presidenta, foi publicado no dia 17 de março do corrente ano a lei nº 13.260 que disciplina o terrorismo.
Essa lei colocou uma pá de cal na antiga discussão doutrinária se a Lei de Segurança Nacional nº 7170/83 disciplinava ou não o art. 5º inciso XLIII da Constituição Federal. Agora sabemos que até a vigência da lei nº 13.260/2016 não existia regulamentação do mandado constitucional de criminalização ao terrorismo.
Fazendo uma rápida análise na referida lei, observamos no art. 2º a definição do que é terrorismo (norma penal explicativa), consistindo na prática por um ou mais indivíduos das condutas previstas no §1º, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, com o fim especifico de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
O legislador também optou por criminalizar não somente quem pratica os atos de terrorismos previstos no §1º do art. 2, mas também quem promover, constituir, integrar ou prestar auxílio (tipo penal misto alternativo), pessoalmente ou por interposta pessoa, à organização criminosa (art. 3º).
Todavia, alguns dispositivos chamam atenção por sua imprecisão ou mesmo pela sua incompatibilidade legislativa.
O primeiro deles está previsto no art. 5º, que criminaliza quem realiza atos preparatórios de terrorismo com o proposito inequívoco de consumar o delito. Apesar de restar claro que os atos preparatórios serão punidos, a lei é silente em definir quais atos preparatórios serão punidos!!!
O segundo e sem sombra de dúvidas o que mais chama a atenção (pelo menos numa primeira análise) é a previsão expressa de aplicação das disposições do art. 15 do Código Penal, ou seja, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz, mesmo antes de iniciada a execução do crime de terrorismo. Como sabemos, a tentativa qualificada (também chamada de Ponte de Ouro pelo penalista Von Liszt) é um instituto que possui como objetivo precípuo evitar a consumação de um crime cuja execução já tenha se iniciado. Ora, como aplicaremos esses institutos antes de iniciada a execução???
Outros pontos que merecem destaque é que cabe prisão temporária aos crimes previstos na lei de terrorismo, como também se aplicam as sanções da lei de crimes hediondos (lei nº 8072/1990), além das disposições da lei nº 12.850/2013 (colaboração premiada; infiltração de agentes; ação controlada; afastamento de sigilo fiscal, bancário e financeiro etc.).
Por fim, encontramos uma cláusula de exclusão da tipicidade no §2º do art. 2º. Com acerto (palmas para o legislador!!) não serão considerados atos de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações politicas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, quando direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios. Como exemplo, as fortes e constantes manifestações que estão ocorrendo em todas as capitais brasileiras contra o atual governo não poderão ser consideradas atos de terrorismos.
Deveras não tipificar como terrorismo tais condutas (manifestações e/ou movimentos), pois são direitos e garantias assegurados constitucionalmente. Em que pese não ser considerado terrorismo, os excessos dessas manifestações e/ou movimentos poderão caracterizar outro tipo penal, v.g., destruição de patrimônio público ou privado previstos no art. 163 do Código Penal.
Em arremedo de conclusão, resta claro que a regulamentação do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal foi feito às pressas (o velho direito penal de emergência) tendo em vista a proximidade das Olimpíadas Rio 2016 e não tínhamos efetivamente qualquer incriminação do terrorismo (em que pese a discussão doutrinária que pairava). Pergunto-me se é melhor não ter uma regulamentação ou ter uma regulamentação deficitária?
Fico no aguardo das prováveis modificações que essa lei sofrerá para novos comentários.
Clóvis Ramos Neto – Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Especialista em Direito Tributário pela UFPE. Professor de Prática Penal na Faculdade Joaquim Nabuco em Recife-PE. Advogado.