O engajamento da alta administração da empresa como primeiro passo para o Compliance Criminal
O engajamento da alta administração da empresa como primeiro passo para o Compliance Criminal
A Organização das Nações Unidas conta com o programa denominado Pacto Global, desenvolvido pelo seu ex-secretário-geral, Kofi Annan, que busca mobilizar a comunidade empresarial para a adoção, nas práticas de negócio, de condutas que estejam de acordo com os direitos humanos, as relações de trabalho, o meio ambiente, o combate à corrupção, dentre outros.
O programa é orientado por dez princípios, derivados de quatro declarações adotadas pela ONU, sendo que o 10º princípio é o que trata do combate à corrupção e está assim enunciado: “As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina”.
O Brasil conta com a Rede Brasileira do Pacto, que especialmente quanto ao 10º princípio, trabalha no sentido de orientar e apoiar as empresas no combate à corrupção. A Rede Brasileira busca promover o diálogo e espaços para o aprendizado acerca do tema, a fim de que as medidas tomadas pelas empresas se deem em observância ao 10º princípio.
Nesse contexto, programas de compliance criminal são indicados como mecanismos capazes de prevenir a ocorrência de crimes dentro da empresa, principalmente a corrupção, já que visam adequar as práticas organizacionais ao cumprimento da legislação (VARELA, 2014, p. 237) e a conceitos éticos.
Alguns autores indicam que, no Brasil, foi a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/98) que inaugurou um certo sistema de compliance no país (SILVEIRA e SAAD-DINIZ, 2015, p. 180), por prever que determinadas pessoas (físicas e jurídicas) – inseridas nos setores sensíveis à lavagem – têm o dever de manter cadastro de clientes, bem como comunicar operações financeiras suspeitas.
Além disso, com a Lei n.º 12.846/13 (Lei Anticorrupção), as pessoas jurídicas passaram a poder ser responsabilizadas administrativamente, de forma objetiva, por conta de atos contra a Administração Pública. E não apenas por seus atos, mas também de terceiros, desde que a atuação tenha se dado em benefício da empresa.
Tais disposições de responsabilização por ilícitos contribuíram para o aumento das empresas que passaram a implementar programas de compliance; inclusive o exigindo como requisito para firmar ou renovar contratos com terceiras empresas.
Deste modo, a empresa que objetiva iniciar a implementação de um programa de compliance criminal, para a detecção de riscos, mitigação e prevenção de condutas criminosas dentro da empresa, deve iniciar com a mudança da cultura dos diretores e trabalhadores. Isto é, todos os que participam da atividade da empresa – diretores, gerentes, funcionários etc. – terão de algum modo que alterar o seu status habitual para assumir esse novo compromisso (BLUMENBERG e GARCÍA-MORENO, 2014, p. 280).
Essa mudança de cultura e a eficácia do sistema de compliance dependerão necessariamente do engajamento da alta administração da empresa. O impulso deve ser dado constantemente pelos dirigentes, e a demonstração desse envolvimento deve ficar evidente, tanto dentro da empresa como perante terceiros (sociedade como um todo). Trata-se do chamado tone from the top.
Consoante esclarecem BLUMENBERG e GARCÍA-MORENO (2014, p. 281), para que o programa seja levado a sério, administradores e diretores devem ser exemplo de transparência e honestidade para o restante dos trabalhadores da organização. Isso porque, difícil será a hipótese de um trabalhador denunciar uma conduta ilícita de um superior, quando vê que são condutas toleradas ou que o responsável não recebe nenhum tipo de sanção.
Também é possível afirmar que não haverá qualquer incentivo para que o trabalhador cumpra com as regras oriundas de um programa de compliance, quando sabe que para alguns as regras se aplicam e para a alta administração não, sendo sequer levada a sério.
A própria Controladoria Geral da União, principal órgão de controle interno do poder público, e responsável por fazer a avaliação da robustez das medidas de compliance em empresas investigadas em atos ilícitos, estabelece que o primeiro dos cinco pilares para a implementação de um programa de compliance é o “comprometimento e apoio da alta direção: condição indispensável e permanente para o fomento a uma cultura ética e de respeito às leis” (CADERNO DO PACTO ANTICORRUPÇÃO, 2015, p. 33).
Esse engajamento pode ser feito, na prática, com a inclusão da ideia do programa de integridade nos discursos dos sócios e diretores dentro ou fora da empresa; com a verificação dos resultados do programa de integridade na pauta das reuniões periódicas; com a destinação de recursos adequados ao programa; bem como com a adoção das medidas cabíveis na hipótese de ser detectado algum ato ilícito.
Com isso, vê-se que, um programa de compliance que seja sério e eficaz deve começar com o comprometimento efetivo da alta administração da empresa nessa mudança de cultura dentro da organização. Sem esse engajamento, o programa existiria apenas pro forma e, sem sombra de dúvidas, não produziria os resultados que dele se espera.
REFERÊNCIAS
BLUMENBERG, Axel-Dirk; GARCÍA-MORENO, Beatriz. Retos prácticos de la implementación de programas de cumplimento normativo. In: IBARRA, Juan Carlos Hortal; IVAÑEZ, Vicente Valiente (coords.). Responsabilidad de la empresa y compliance. Madrid: Edisofer, 2014.
PACTO GLOBAL REDE BRASILEIRA. Caderno do Pacto: Anticorrupção. Cultura de integridade e ética nos negócios. São Paulo, 2015. Disponível aqui. Acesso em: 19.03.2018.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. – São Paulo: Saraiva, 2015.
VARELA, Osvaldo Artaza. Programas de Cumplimento: Breve Descripción de las reglas técnicas de gestión del riesgo empresarial y su utilidad jurídico-penal. In: IBARRA, Juan Carlos Hortal; IVAÑEZ, Vicente Valiente (coords.). Responsabilidad de la empresa y compliance. Madrid: Edisofer, 2014.
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