Entenda, de uma vez por todas, o concurso formal de crimes
Entenda, de uma vez por todas, o concurso formal de crimes
Existem algumas questões que são muito importantes para a prática penal, dentre elas está o concurso de crimes, sendo que o texto de hoje abordará o concurso formal de crimes (artigo 70, Código Penal).
Inclusive, o concurso material de crimes já foi objeto de análise em outro texto, sendo possível mencionar, resumidamente, as seguintes características: a prática de mais de uma ação, resultando em mais de um crime, com a soma, ao final da dosimetria, das penas dos crimes.
Dessa vez, como dito, o tema será o concurso formal de crimes.
Concurso formal de crimes
O concurso formal de crimes está contido no artigo 70 do Código Penal, segundo o qual:
Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Requisitos
Estamos diante, portanto, dos seguintes requisitos para configuração do concurso formal: (a) a prática de uma só ação (unicidade da conduta) que resulte em (b) mais de um crime (pluralidade de crimes).
Ocorre que a interpretação dada à unicidade de conduta, ou seja, à exigência de que seja praticada uma só ação, não pode ser restritiva.
Assim,
Embora se exija conduta única para a configuração desta espécie de concurso, nada impede que esta mesma conduta seja fracionada em diversos atos, no que se denomina ação única desdobrada. Ex.: João ingressa em ônibus coletivo e subtrai, mediante grave ameaça, os pertences pessoais dos passageiros. A conduta permanece única, praticada mediante diversos atos, caracterizando o concurso formal de delitos.
O STJ, inclusive, já decidiu sobre esse tema, afirmando que o concurso formal de crimes será caracterizado
quando praticado o roubo, mediante uma só ação, contra vítimas distintas, pois atingidos patrimônios diversos. Precedentes.
Concurso formal homogêneo x Concurso formal heterogêneo
Da mesma forma que acontece com o concurso material, o formal também pode ser classificado como heterogêneo (se forem praticados crimes diferentes) ou homogêneo (se crimes iguais).
Concurso formal próprio x Concurso formal impróprio
O concurso formal também poderá ser classificado como próprio (perfeito) ou impróprio (imperfeito).
No formal próprio, aplica-se a pena de um dos crimes, aumentada de um 1/6 a 1/2.
Já no formal impróprio, as penas serão aplicadas cumulativamente (serão somadas), assim como no concurso material.
Confesso que essa é uma classificação meio confusa. O legislador não contribuiu muito para o seu entendimento e consequente aplicação.
Concurso formal próprio
O concurso formal próprio perfeito é aquele que o agente responde pelo crime mais grave, acrescido de uma fração (1/6 a 1/2), mas, para tanto, é preciso que os crimes não tenham sido praticados com desígnios autônomos, ou seja, intenção individualizada de praticar os crimes
Logo, o concurso formal perfeito será aplicado predominantemente em crimes culposos. Pode, inclusive, ser em crimes dolosos, desde que não haja o proposito deliberado de produzir mais de um resultado, mediante a prática de uma só ação.
Concurso formal impróprio
Será considerado concurso formal impróprio ou imperfeito, com a soma das penas dos crimes concorrentes, se a ação ou omissão é dolosa e o agente tinha a intenção de, com uma só ação, praticar mais de um crime, com desígnios autônomos.
Ou seja, no concurso formal perfeito, constante na primeira parte do artigo 70 do Código Penal, em se tratando de crimes iguais, será aplicada somente a pena de um dos crimes e, caso sejam diferentes, a do que for mais grave, sempre acrescida de uma fração, que pode variar de 1/6 a 1/2, conforme a quantidade de crimes.
Portanto, a classificação do concurso formal como próprio ou impróprio dependerá da forma
como atua o agente em relação aos resultados decorrentes de sua conduta única. Se há apenas um desígnio, o concurso formal é próprio; se há desígnios autônomos, é impróprio.
Cleber Masson, em seu livro Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 2ª ed, página 760, afirma que desígnio autônomo “é o propósito de produzir, com uma única conduta, mais de um crime”.
O referido autor prossegue afirmando que, por isso, o concurso formal perfeito (ou próprio) ocorrerá nos casos envolvendo crimes culposos ou entre um crime doloso e um culposo.
Logo, em se tratando de crimes dolosos, será o concurso formal imperfeito (impróprio).
O grande problema está no fato de que não se tem interpretado a expressão “desígnios autônomos” como a prática de mais de um crime doloso.
Nós vimos, inclusive, que o STJ já decidiu que a prática de mais de um roubo, dentro do mesmo contexto, é concurso formal próprio, senão vejamos novamente:
quando praticado o roubo, mediante uma só ação, contra vítimas distintas, pois atingidos patrimônios diversos. Precedentes.
E isso tem causado dificuldade na compreensão exata da questão, sendo até mesmo possível se falar em contradição. Se estamos diante de mais de um crime doloso, como afirmar que aquela conduta é movida por um único desígnio?
Zaffaroni e Pierangeli, ao tratarem desse tema no Manual de direito penal brasileiro – Parte Geral. Vol. 1., p. 731, afirmaram que “se os desígnios são autônomos, não existe unidade de ação, e, consequentemente, um concurso formal”.
Mencionaram, ainda, que, historicamente, “o alvo do legislador foi alcançar os casos de pluralidade de resultados morte no homicídio doloso, ou seja, no chamado ‘concurso formal homogêneo’, que sempre constitui uma hipótese de pluralidade de resultados, mas a disposição legal é uma das mais obscuras do código”.
De qualquer maneira, temos que entender “desígnios autônomos” como sendo a prática de crimes decorrentes de planos delituosos independentes, como no caso da prática de roubo (artigo 157, CP) e de corrupção de menores (art. 244-B, Lei 8.069/90).
Mas ainda assim a contradição não se resolve completamente, pois há casos em que se pode identificar apenas um plano criminoso e, não obstante, as condutas são imputadas em concurso formal impróprio, como normalmente ocorre em latrocínios com pluralidade de vítimas e de patrimônios atingidos.
O certo é que as dificuldades em compreender e, principalmente, aplicar as regras do concurso formal impróprio ainda continuam, o que pode, inclusive, ser percebido nas decisões judiciais, as quais costumam escolher a modalidade de concurso a ser aplicada mais pela pena que deseja impor (mais ou menos severa) do que pela ação em desígnios autônomos ou não.
Consequências do reconhecimento do concurso formal perfeito
A regra é que no concurso formal seja aplicada uma fração (de 1/6 a 1/2) à pena de um dos crimes, sendo que a fração corresponderá à quantidade de infrações praticadas.
Se 02 crimes, 1/6; se 03, 1/5, se 04, 1/4, se 05, 1/3, se 06 ou mais, 1/2.
Para facilitar a memorização, lembre que Formal = Fração.
Se os crimes forem iguais, será a pena de um dos crimes; se os crimes forem diferentes, a pena do mais grave.
Importante destacar que a fração correspondente ao concurso formal será aplicada após a dosimetria de cada um dos crimes (artigo 68 do Código Penal).
Devemos nos atentar que o objetivo da lei é punir com menor severidade aquele que pratica somente um ato, mas comete mais de um crime, por entender que “o agente tem em mente uma só conduta, pouco importando quantos delitos vai praticar”¹.
Consequências do reconhecimento do concurso formal imperfeito
Ao contrário do que mencionado anteriormente, aquele que envenena a caixa d’água de um prédio, por exemplo, vindo a matar diversos condôminos, responda apenas por um dos ilícitos, pois, apesar de ter praticado uma só conduta e mais de um crime, agiu, como diz a lei, com “desígnios autônomos”, devendo, portanto, aplicar as sanções de forma cumulativa.
Esse é o ensinamento constante na parte final do artigo 70 do Código Penal, referente ao concurso formal imperfeito, segundo o qual “As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior”.
Apesar de uma só ação, o agente desejava intimamente alcançar os outros resultados (ou assumiu o risco), sendo cabível apenas nos crimes dolosos.
Exceção à aplicação da fração
O parágrafo único do artigo 70 determina que a pena a ser aplicada no concurso formal não pode ultrapassar aquela que seria aplicada pela regra do artigo 69, ou seja, se as penas fossem somadas.
Imagine o caso de um réu condenado pelo crime de homicídio (a uma pena mínima de 06 anos) e pelo de lesões corporais (a uma pena mínima de 03 meses).
Segundo o concurso formal, a pena aplicada será a do crime de homicídio, aumentada de 1/6 (um sexto), o que totalizará uma sanção final de 07 (sete) anos.
Todavia, se fosse aplicada a regra do concurso material (artigo 69), a pena total a ser aplicada seria de 06 (seis) anos e 03 (três) meses.
Nesse caso, a regra do concurso material é mais benéfica do que a do formal, fazendo com que, consequentemente, se aplique a cumulação das penas, conforme estabelecido no artigo 70 do Código Penal, parágrafo único.
Conclusão
Podemos resumir que o concurso formal de crimes, em regra, exige a aplicação da pena de um só dos crimes, mas aumentada de 1/6 a 1/2; sendo possível a cumulação das penas, no caso do concurso formal imperfeito e da regra do concurso material ser mais benéfica.
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