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Entre a infância e a prisão


Por Vilvana Damiani Zanellato


Há pouco tempo, foi editada a Lei nº 13.257/2016, conhecida como “Marco Legal da Primeira Infância”, que alterou diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Consolidação das Leis do Trabalho e, no que interessa nesse espaço, do Código de Processo Penal em vigor.

As mudanças pertinentes ao ordenamento processual penal tiveram os seguintes destaques:

– a obrigação por parte das autoridades policial e judicial de colher informações referentes aos indiciados/réus presos quanto a possuírem filhos, suas idades e a existência de deficiência, além do nome e do contado de possível responsável pelo cuidado desses filhos;

– a ampliação do rol das hipóteses de cabimento de prisão domiciliar para gestante, mãe ou pai de criança com até 12 anos de idade e na hipótese de ser a(o) única(o) responsável pelos cuidados com referido filho.

Não há dúvidas de que os acréscimos e as alterações legais foram editados para fazer valer maior proteção à criança. Nessa diretriz, aliás, vem reiteradamente se pautando o Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento é de que a “proteção integral está intimamente ligada ao princípio do melhor interesse da criança e adolescente, pelo qual, no caso concreto, devem os aplicadores do direito buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para o menor. Trata-se de princípio constitucional estabelecido pelo art. 227 da CF, com previsão nos arts. 4° e 100, parágrafo único, II, da Lei n. 8.069/1990, no qual se determina a hermenêutica que deve guiar a interpretação do exegeta” (REsp nº 1.533.206/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado em 17-11-2015, DJe 1º-2-2016).

Antes mesmo da edição legislativa, o Supremo Tribunal Federal já vinha decidindo sempre em prol ao melhor interesse da criança, conforme se confere no seguinte julgado:

Habeas Corpus. 2. Tráfico ilícito de entorpecentes. Conversão da prisão em flagrante em preventiva. 3. Segregação cautelar mantida com base, apenas, na gravidade abstrata do crime. 4. Ausência de fundamentação idônea. Decisão contrária à jurisprudência dominante desta Corte. Constrangimento ilegal configurado. 5. Decisão do STJ que indeferiu liminarmente habeas corpus sem adentrar no mérito. Supressão de instância. Superação. 6. Paciente lactante. Garantia aos princípios da proteção à maternidade, à infância e do melhor interesse do menor. 7. Ordem concedida para revogar o decreto prisional expedido em desfavor da paciente, sem prejuízo da análise da aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. (HC 130.685, Rel.  Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 3-11-2015, DJe 18-11-2015)

Mas, em termos práticos, o que muda com a nova legislação?

Sem possibilidades de muita extensão, restringe-se a destacar três (breves) questionamentos sobre as novas mudanças:

1º) Em que momento serão levadas em consideração as informações colhidas por ocasião de eventual prisão e do interrogatório de quem sofre imputação penal?

  • Sem titubear, essa avaliação irá acontecer já na audiência de custódia, oportunidade em que o magistrado, diante dos dados anteriormente tomados pela autoridade policial e confirmados na sua presença, avaliará a pertinência de ser imposta medida cautelar de prisão domiciliar em lugar da prisão, ainda que provisória, no estabelecimento penal;
  • De igual modo, a autoridade policial e o Ministério Público, antes de representar pela prisão preventiva, devem levar em consideração referidas informações e sopesar a viabilidade de requerer o recolhimento domiciliar, em vez da segregação comum;
  • Possível, ainda, a apreciação dos dados, para fins de deferimento, ou não, de pedido de liberdade acaso formulado em prol do indiciado/réu.

2º) A prisão domiciliar, como medida cautelar, é direito subjetivo do investigado/réu?

  • O Direito subjetivo, na hipótese, é do menor. Logicamente, tal reconhecimento resulta, mesmo que pelas vias transversas, em direito também daquele que tem sob sua responsabilidade o menor na situação apresentada pela novatio legis.
  • Alguns pressupostos, apesar de não estarem expressos em lei, podem vedar a utilização do instituto em questão, a exemplo dos casos de ter a prática delituosa se dado em relação à própria criança, como na pedofilia, maus-tratos, abandono de incapaz etc.
  • Note-se que o indeferimento da benesse, fundado em razão da própria perpetração criminosa tem como único objetivo a efetiva proteção do menor.

3º) É possível aplicar-se o benefício na fase de execução da pena, ainda que o regime prisional para o cumprimento da pena não seja a modalidade aberta?

  • Apesar da omissão legislativa e da taxatividade e caráter restrito da Lei de Execução Penal quanto à possibilidade de cumprimento de pena na residência nos casos de regime prisional fechado ou semiaberto, considerando-se que a norma visa à proteção integral da criança, não há justificativas para se negar aprioristicamente a prisão domiciliar.

A realidade brasileira quanto à prática delitiva de pessoas que detêm a responsabilidade familiar perante o menor é lamentável…

A legislação está aí!

Está em vigor e pronta para ser aplicada!

Urge a busca de seu cumprimento, notadamente, pela Defensoria Pública (art. 81-B, I, b, da LEP), cuja essencial função é a defesa dos hipossuficientes, no caso tanto por parte dos pais quanto por parte dos filhos.

Quiçá autoridades policiais, membros do Ministério Público e magistrados façam valer a prevalência do melhor interesse do menor.

A medida, enfim, remete ao impasse (não mais?) entre a Infância e a Prisão.

_Colunistas-Vilvana

Vilvana Damiani Zanellato

Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Eleitoral. Mestranda em Direito Constitucional. Professora de Direito.

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