Entrevista, interrogatório e detecção de mentiras: análise de veracidade
Por Thompson Cardoso
Na continuidade da coluna anterior, vou abordar mais alguns critérios, na linha da CBCA (Content Based Criteria Analysis), para que possamos inferir com propriedade sobre a veracidade de um relato e produzir informações em uma entrevista ou em uma audiência que, na primeira, nos permita detectar enganações para que formemos convicção sobre a veracidade dos fatos e, na segunda, propicie estas condições ao juiz.
Já tendo analisado como inferir a respeito da estrutura lógica e de um relato desestruturado, assim como a forma de analisar detalhes que podem indicar tanto veracidade como enganações, vamos ao terceiro critério: especificidades.
Critério 3 – quando alguém vivencia o fato que relata, ao acessar os diversos blocos de memória (sim, nossas memórias são armazenadas em blocos), em busca das recordações de suas vivências, suas memórias cognitiva e visual sincronizadas são acessadas ao mesmo tempo, o que resulta, em um relato fidedigno, em descrições de interações do depoente com os cenários dos fatos relatados. Se lhe for demandado um relato de como foi sua chegada em sua residência, muito provavelmente este relato conterá suas interações com o tráfego, com o porteiro do prédio, ou com algum telefonema que tenha realizado durante o trajeto, ou seja, seu relato passa a ser permeado por pequenos desvios do cerne da narrativa, contextualizando a sua presença no cenário em que se desenvolvem os fatos narrados. O sujeito se coloca na cena, de onde descreve suas interações com foco típico de quem as vivenciou, saindo de uma narrativa genérica, e restrita a uma determinada linha de raciocínio, para uma linha de recuperação de memórias que emergem naturalmente de suas vivências. O relato assim caracterizado é um bom indicador de veracidade da narrativa. Mas atente sempre a que sejam memórias que brotem naturalmente, da forma desestruturada e com detalhes avaliados conforme abordagem que fiz nos artigos anteriores. Lembro o que falei há seis semanas atrás na minha primeira coluna: a análise de veracidade é resultante de uma sistematização de indicadores e não pode, sob pena de que se cometa o pecado capital de chegar a uma conclusão em razão de ter-se detectado um indicador, por mais explícito que este esteja, resultar de conclusão de um único indicativo.
Critério 4 – as memórias decorrentes de vivências reais (verdadeiras) costumam trazer, em suas narrativas, diálogos travados entre os personagens nela contextualizados, do tipo ”e daí ele disse: -…”, ou então “e eu insisti com ela, mas ela só repetia…”, pois os diálogos são memórias vivas de momentos críticos e/ou importantes de uma vivência, e em razão disto ficam impregnados nas memórias dos fatos. A existência, pois, deste tipo de especificidade em uma narrativa confere a ela outro bom sinalizador de veracidade. Mas se estas memórias de diálogos não aparecerem espontaneamente, lembre-se: você está fazendo uma entrevista! Demande-os ao entrevistado. Quando falarmos mais adiante sobe baseline poderemos entender que algumas pessoas, mesmo se recordando dos diálogos, não os relata, mas se o entrevistador demandá-los poderá se surpreender quando diversos diálogos brotarem com naturalidade. Esta coluna é sobre entrevistas. A atuação do entrevistador para produzir informação é tão fundamental quanto a sua capacidade de analisar uma narrativa. Nem sempre o conteúdo verbalizado espontaneamente conterá indicadores suficientes para a formação de convicção sobre a confiabilidade do relato. O entrevistador precisa provocar situações, sempre na linha da empatia (2ª coluna), tal que seja provido suficiente conteúdo para uma análise correta. A ausência destes diálogos per si não é, no entanto, indicador de não veracidade. Podem efetivamente não ter existido, assim como o narrador pode não se recordar dos mesmos. Em outras colunas abordarei técnicas de indução à recuperação de memórias que poderão ser úteis nestes momentos. Muitas vezes não são diálogos que são trazidos contextualmente nas narrativas, e sim apenas relatos de situações inesperadas na sequência dos fatos narrados. Algo do tipo: “E na hora em que entrei no carro para buscar ajuda me dei conta que a chave devia ter caído do meu bolso na correria…eu queria gritar nesta hora…”. Normalmente as citações de situações imprevistas, complicações inesperadas, vêm relatadas com conteúdo emocional que as qualificam, como também veremos em nossos encontros futuros aqui no Canal de Ciências Criminais, consolidando o sistema matricial no qual se realiza a análise de veracidade.
Critério 5 – as memórias de vivências traumáticas apresentam outras especificidades: trazem uma impressão do narrador sobre o seu estado mental e o do responsável pelo trauma. Ele narra exatamente como se sentia em cada momento e quais eram suas impressões e medos em relação à sua percepção sobre o estado mental de quem o ameaçava. Não importa o mérito destas impressões, mas sim o fato de existirem, pois histórias construídas não têm estas nuances, impressões personalíssimas de quem as vivencia. Por outro lado, o trauma costuma causar bloqueios parciais ou totais no acesso aos blocos de memória, então será extremamente comum e um bom indicador de veracidade, que o narrador refira estar confuso em relação a determinados momentos do quais o entrevistador lhe demande memória. Por mais que pareça ao entrevistador ser inaceitável que alguém não se lembre de um fato no contexto da entrevista, e por esta razão queira rotulá-lo como mentiroso, contaminando sua avaliação de veracidade, esta é uma face da verdade e não da enganação.
Ou me repetir eventualmente, dizendo que nada é escrito em pedra. E o que ale para Pedro pode não valer pra Paulo. Provavelmente vocês já tenham tido acesso à informação de que um bom indicador de mentiras é observar se os sinais não verbais confirmam os verbais. Por exemplo, quando alguém afirma que sim e movimenta a cabeça lateralmente sinalizando um “não”, é um indicador de mentira. Errado. Pode ser um sinal de mentira. Mas não é necessariamente um sinal de mentira, pois se o entrevistado for húngaro, o sinal de aceno positivo com a cabeça é a mesma movimentação lateral do nosso não aqui no Brasil. Amos abordar em outra oportunidade esta enorme problemática que afeta nossos magistrados para sabermos como lidar com esta situação.
Dia 01/03 finalizaremos este tópico de análise dos critérios de veracidade de um discurso.
Até lá, pois. Um Abraço!