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Entrevista, interrogatório e detecção de mentiras: Empatia


Por Thompson Cardoso


How to get away with murder. Assistam. Nada pode ser mais didático, além de ser uma excelente série, para entender a importância da detecção de mentiras e de como evidenciá-las em uma inquirição judicial. A crescente dificuldade em sustentar uma teia de relatos inverídicos e os ganhos da advogada quando, com o domínio dos fatos, expõe as mentiras das testemunhas, falam per si. Nos diversos episódios temos momentos de entrevistas e momentos de interrogatório. Na continuidade do artigo anterior (veja aqui) vou iniciar falando do segundo conceito fundamental: saber quando adotar técnicas de entrevista (produção e análise da veracidade de informações) ou de interrogatório (busca da admissão ou confissão).

A premissa é: nunca podemos confrontar alguém (interrogatório) sem ter o total domínio dos fatos. Quem diz a verdade nem sempre tem o domínio de todos os fatos, mas domina os fatos de tudo que relata. Se você também tiver o domínio de todos os fatos poderá questionar um depoente de forma confrontacional e, não deparando indicadores de enganação, poderá formar convicção sustentável de que está perante um relato confiável. Quem mente, por omissão ou emissão, não mantém domínio de todo seu relato e acaba expondo conflitos entre fatos e enganações que verbaliza ou omite. Se você tiver o domínio dos fatos, enxergará estes conflitos apresentados no discurso ou no comportamento do depoente e poderá explorá-los com questionamentos que os desafiem.

E na quase totalidade dos processos o juiz não tem o domínio dos fatos. Salvo em casos notórios, as demandas e ritos processuais são gerenciados em tempo minimum minimorum, como uma consulta médica pelo SUS. A meta do advogado é prover-lhe, em audiência, questionando adequadamente, a sua pessoal ótica da verdade dos fatos. Como questionar, é matéria ainda reservada para futuras colunas. E como chegar ao domínio dos fatos?! Além de prévia e cuidadosa análise documental (evidências), em tantas entrevistas, realizadas anteriormente às audiências e ao abrigo da técnica, quantas forem possíveis e necessárias para tal, com seu cliente e quem mais possa prover informações a respeito do assunto em epígrafe! Mas… seu cliente provavelmente vai tentar mentir, assim como testemunhas e informantes. Ninguém quer dizer nada que exponha seus medos.

Você precisa se preparar então para lhes fazer uma série de perguntas que dificultem a sustentação de suas mentiras e… se proceder dessa forma, nunca mais obterá qualquer informação que lhe sirva à causa! Quer muita informação?! Não faça perguntas!! Simples assim. Estabeleça a empatia comportamental e emocional com o entrevistado falando, profunda e não superficialmente, de coisas que o motivem a um diálogo fluido: a situação político-econômica do País, o preço dos combustíveis, do pão francês, o parcelamento dos salários, a taxação sobre os gastos com turismo ou a bomba da Coreia do Norte, tanto faz… desde que estes gatilhos iniciem um diálogo fluido.

Sim, a entrevista começa com conversa informal, totalmente fora do foco a que se destina. Estabelecida a empatia, abre-se o canal de comunicação e aí sim… Ainda não é o momento de abordar objetivamente o tema da entrevista! Calma. Quebrado o gelo e iniciado um diálogo fluido, vamos incentivar o discurso descomprometido do entrevistado e, interagindo com ele, fortalecer a dominância de respostas verdadeiras (até porque, 90% do que o mentiroso diz é verdade!) e começar, inclusive, a observar como o entrevistado se comporta, naturalmente, em uma conversa em que não tenha necessidade de mentir. Tecnicamente passamos a traçar a baseline do mesmo. Mas baseline só será assunto abordado também em colunas vindouras.

Já sabendo a diferença técnica entre entrevista e interrogatório, já sabendo que a base de sustentação do interrogatório é uma entrevista bem sucedida, e já sabendo que uma entrevista só será exitosa se soubermos depurá-la quanto às enganações que nos sejam apresentadas, e que, para termos esta estruturação, a empatia é condição sine qua non, vamos abordar, em cada coluna, um a um estes tópicos.

Hoje, empatia. A palavra-chave em uma entrevista. Não importa como nos sintamos a respeito do entrevistado, quer seja pelo seu perfil ou pelas razões que levaram àquela entrevista, é mandatário estabelecer empatia: ouvir o entrevistado com atenção a fim de estabelecer a conexão emocional necessária para motivá-lo a falar. O choro do Obama ao anunciar, há duas semanas, medidas de controle de armas nos Estados Unidos resultou da empatia que ele estabeleceu com os eventos lá ocorridos com mortes de crianças. Não houve simulação. A emoção era real. E com ela ele conseguiu empatia com milhares, ou milhões de eleitores. Em colunas posteriores vamos conversar sobre análises de sinais verbais e não verbais e vocês poderão chegar às próprias conclusões, assistindo à entrevista novamente, constatando que não houve choro simulado.

A entrevista é uma conversa. No âmbito penal, uma conversa delicada, quer no escritório do advogado, quer em uma audiência. Quando no escritório do advogado, deve, necessariamente, ser um ato bilateral. Se queremos obter empatia de alguém e prover uma narrativa, em um contexto delicado, não vamos produzir informações em um ambiente que gere pressão no entrevistado. E duas pessoas querendo entrevistar protagonizarão um interrogatório. Quem está disposto a falar está disposto a falar pra alguém em quem confie e de forma reservada. Ninguém faz psicoterapia com uma junta de psicólogos. É ato bilateral, reservado, pós estabelecimento de confiança: resultado do estabelecimento de empatia.

Um juiz com domínio de técnicas de entrevista e dotado de inteligência emocional estabelece empatia com um depoente e conduz a audiência com autoridade. A grande maioria deles, no entanto, se posiciona de forma autoritária e conduz a audiência contaminando os depoentes com suas pré-convições da verdade dos fatos, intimidando-os, muitas vezes, ou mesmo distorcendo os questionamentos feitos pelos advogados a fim de que façam sentido com estas convicções. Isto chama-se contaminação, mais um assunto que nos espera em próximas colunas.

O advogado que domine técnicas de entrevistas saberá adotar o tom e o timing certos para cada questionamento a fim de produzir informações na audiência que permitam ao juiz alinhar suas pré-convicções com as dele. Para isto, terá que estabelecer empatia com o juiz a fim de buscar sua atenção ao objetivo de seus questionamentos. Como já abordei, a maioria dos juízes interpreta o questionamento do advogado e adapta o mesmo ao fazer o seu. Como veremos em coluna futuras, quando eu abordar especificamente as formas de questionar, isto poderá desconstruir o nexo causal com as razões de terem sido planejados aqueles questionamentos e, só com a empatia do juiz, o advogado obterá sua concordância quando solicitar que o questionamento seja refeito exatamente como ele o apresenta, e que na obtenção desta específica resposta ficará mais claro o objetivo a que se propõe.

Vou abordar futuramente, entre as diversas nuances de questionar, questionamentos de cunho comportamental, ou seja, não importa a resposta que for dada no interrogatório, mas como o interrogado se comportará, perante aquela específica questão, diante do juiz, a fim de chamar-lhe à atenção para a razão daquele questionamento. Estabelecendo empatia, pois, e não com adulação, é a única forma que o advogado tem de aumentar significativamente as possibilidades de fazer com que o juiz estabeleça vínculo emocional com a seriedade e importância de que os questionamentos sejam formulados ipsis litteris.

No verão passado fui contratado pelo Departamento Jurídico de uma empresa para fazer uma entrevista de inteligência (sem que o entrevistado saiba que está sendo entrevistado) com um ex-colaborador que havia colocado a empresa na justiça, fundamentando seu pedido em lesão permanente resultante de acidente de trabalho. Estudei o perfil do reclamante e suas eventuais motivações a encontrar-se com um estranho e obtive êxito, via comunicação por e-mail, em marcar um almoço para tratarmos de negócios que o interessariam, comendo uma sequência de camarões por minha conta (do meu cliente, claro…). O almoço durou mais de 4 horas. Estabeleci a empatia falando sobre possibilidades de negócios promissores, não fiz uma pergunta sequer, e ele passou a me relatar toda sua vida profissional, pra mostrar o quão experiente era para o sucesso nos negócios em que eu lhe propus.

Até que chegou em sua relação com o meu cliente. Aí relatou que em jornada laboral havia, de fato, se lesionado como constava em sua petição no processo. Mas, dentro da fluidez criada no diálogo, fez questão de aproveitar para mostrar que tinha sido “inteligente” e comentou que, em realidade, aquela lesão era de um outro acidente sofrido em 1985 em outra empresa que nominou, muito antes de trabalhar na empresa que colocava na justiça. Eram 3 horas de entrevista quando ele deu esta informação. Fiquei conversando com ele ainda por mais de 1 hora, mesmo já tendo obtido a informação que garantiria o sucesso da minha missão: o processo contra o meu cliente era fraudulento. Precisava sustentar a relação de empatia e não chamar sua atenção ao fato de que eu já estava satisfeito com a informação que acabara de me fornecer. Nos despedimos com selfie e um forte abraço.

Em encontro com o cliente passei a informação e orientei-o quanto a como proceder com esta informação em juízo a fim de prover o domínio deste fato, de forma inquestionável, ao juiz. A advogada dele deveria fazer o seguinte questionamento ao demandante, em tom suave de entrevista: “O senhor alguma vez lesionou-se anteriormente nesta mesma região do corpo?”. E desde já informei que a resposta seria um lacônico e também suave “não”. Perante esta resposta, a advogada deveria fazer o seguinte questionamento imediato, em tom alto e firme, olhando o demandante nos olhos: “Vou procurar lhe lembrar: EM 1985…”,  e a frase poderia ser concluída do jeito que bem lhe aprouvesse.

Neste exato momento o demandante teria a convicção que a empresa sabia da lesão original, que negar lhe deixaria exposto como mentiroso, e mudaria sua postura, passando a “se lembrar e explicar” o ocorrido. Independentemente da explicação que quisesse dar, o comportamento do demandante perante o juiz, no momento deste segundo questionamento, seria suficiente e necessário para que o magistrado verificasse estar frente a uma demanda fraudulenta. Meu cliente, por SMS, após a audiência, me mandou a seguinte mensagem: “Muito obrigado”.

Empatia pois, com o entrevistado e empatia com o juiz. Os fundamentos para aplicar técnicas de entrevista com sucesso em seu objetivo de produzir informações confiáveis e úteis em um processo criminal.

Até nosso próximo encontro. Abraço!

_Colunistas-Thompson

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