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Erro determinado por terceiro e suas implicações jurídicas

Erro determinado por terceiro e suas implicações jurídicas

Olá, amigos! Espero que estejam bem.

Esta semana iremos falar sobre o erro determinado por terceiro e suas implicações.

Cumpre aclarar que o erro, para fins jurídicos, é uma falsa percepção ou noção falsa da realidade.

Dessa definição, e da adoção da teoria finalista (dolo como elemento do fato típico), podemos dizer que quando a falsa percepção recai sobre o fato, ou seja, quando o agente se engana a respeito da circunstância de fato, tem-se a figura do erro de tipo. Seria o caso de uma gente que, em caçada, atira em uma mata acreditando que havia um animal ali, entretanto, acaba acertando um amigo que caçava com ele.

De outra sorte, no caso da falsa percepção recair sobre a ilicitude (proibição ou não) de modo que o agente não possuía a potencial consciência da ilicitude, teremos o erro de proibição.

Como bem dito por Marco Antonio Fuzii:

(…) O erro de tipo, destarte, situa-se no terreno da tipicidade e interfere na adequação típica. Ele dividi-se em erro essencial ou acidental.

(…) O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre elementos ou circunstâncias essenciais do tipo. Pode ser inevitável ou evitável; no primeiro caso, exclui dolo e culpa, ao passo que na segunda hipótese, o dolo também é excluído, mas permite-se, porém, a punição por crime culposo, se houver previsão legal.

Nas situações de erro de tipo, conclui-se, então, que o erro de tipo essencial inevitável tem sempre como efeito a absolvição, uma vez que exclui o dolo e a culpa, o que resulta em atipicidade da conduta; no caso de essencial evitável, exclui o dolo, mas poderá resultar em absolvição no caso de não haver a previsão do crime na modalidade culposa.

Quanto ao erro de tipo acidental, pode-se entender como aquele que recai sobre elemento acessório/secundário, muitas vezes irrelevante à caracterização da infração.

O que nos interessa no presente artigo é o erro determinado por terceiro e sua implicação jurídica.

Nesta modalidade, o agente atua por erro em virtude de provocação ou determinação de terceiro, que pode ser dolosa ou culposa.

O erro determinado por terceiro também torna o fato atípico, se invencível.

Na hipótese de erro acidental, podemos cogitar, em tese, ser possível a absolvição na hipótese de erro determinado por terceiro, podendo citar como exemplo aquele caso do médico que, com a intenção de matar o paciente, entrega para uma técnica de enfermagem medicamento em dosagem capaz de ocasionar o óbito. Essa técnica, se o julgador entender que ela não tinha como evitar o erro (perceber que aquela dose ocasionaria o óbito), será absolvida.

Estabelece o art. 20, § 2º, do Código Penal: 

Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei

(…) § 2º – Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

No erro determinado por terceiro, como vimos, o agente pratica a conduta porque falsa é sua percepção da realidade a respeito dos elementos constitutivos do tipo penal, em razão da atuação de terceira pessoa. Aqui o agente não erra por conta espontaneamente, mas sim por provocação de outrem.

A situação prevista no artigo 20, §2º, do Código Penal trata-se, pois, de um erro induzido pelo agente provocador, que leva o agente provocado a prática de ilícito penal, sem contudo, que este (o induzido) tenha ciência. Para exemplificar, imagine o caso de um médico que, com intenção de matar seu paciente, um desafeto, induz a enfermeira a ministrar dose de veneno àquele.

Caso o paciente venha a óbito, pela regra do 20, §2º, do Código Penal, a enfermeira não poderá ser responsabilizada (a não ser que se demonstre dolo ou culpa). O médico, de outra sorte, responderá por homicídio doloso, pois tinha a intenção clara de matar o paciente.

Outro exemplo: imagine que A, transitando em determinada região, presencia o incêndio da residência de B. Tentando ajudar, A busca alguma fonte de água visando conter o incêndio, momento em que C, vizinho de B, oferece um galão com uma substância informando que era água. A, acreditando tratar-se de água despeja o galão. Entretanto, a substância era álcool, de fácil combustão, e o incêndio ganha proporções maiores. Nesse contexto, A não poderá ser responsabilizado.

Advirta-se que quando o terceiro provocador e o agente provocado agem dolosamente, serão ambos responsabilizados a título de dolo. Já no caso em que o agente provocador age culposamente e o agente provocado dolosamente, o terceiro responderá por culpa na provocação do sujeito (imprudência, negligência ou imperícia) e o agente provocado, desejando a prática do fato delituoso, aproveita-se da provocação culposa do terceiro e age de acordo com sua vontade, livre e conscientemente será responsabilizado por delito doloso.

APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ABSOLVIÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A autoria e a materialidade do crime de receptação, bem como o dolo consistente na ciência de que os bens eram de origem criminosa, evidenciam-se pelas circunstâncias do delito. (…) 2. Na hipótese, trata-se de comerciante, que adquiriu e vendeu um automóvel e o CRLV correspondente, de valor relevante e produto de roubo anterior, sem qualquer tipo de recibo de pagamento ou nota fiscal, em pleno exercício de atividade comercial, não havendo falar em desconhecimento da origem criminosa de tais bens. 3. Impossível acolher o pedido de reconhecimento de erro determinado por terceiro, pois o réu não se desincumbiu de comprovar a alegada boa-fé. Ao contrário, as circunstâncias em que adquiriu e revendeu o bem espúrio demonstraram que tinha plena ciência que se tratava objeto de crime, ficando evidenciado o dolo do agente e sua plena percepção da realidade. 4. Recurso desprovido. (TJ-DF 20130310313836 DF 0030943-68.2013.8.07.0003, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Data de Julgamento: 22/11/2018, 2ª TURMA CRIMINAL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 30/11/2018 . Pág.: 86-99)

Deve-se lembrar que o ônus da prova, em caso de alegado erro determinado por terceiro, será sempre do acusado, que deverá fornecer ao juízo elementos para embasar sua tese, pleiteando a absolvição.

O provocado, ou seja, o sujeito que errou por provocação de outrem, estará isento de pena, se o erro a que foi levado era inevitável, ou responderá por culpa, se pudesse ter evitado tal engano caso agisse tomando os cuidados objetivos necessários, e o fato for punível a título de culpa (DELMANTO, 2010, p.161).

A tese tem geralmente tem sido negada pelos Tribunais, mormente a necessidade de se comprovar o alegado. Por isso, o causídico deverá estar sempre atento e produzir ou indicar meios de provas hábeis a convencer o juiz (livre convencimento motivado) de que o fato só ocorreu em virtude de provocação, dolosa ou culposa) de terceiros, para a qual o agente não concorreu.

 


FONTES AUXILIARES

FUZII, Marco Antônio. Erro jurídico-penal: modalidades, natureza jurídica e efeitos. Disponível aqui.

LAMPENDA, Marcelo. O erro como causa de exclusão da culpabilidade. Disponível aqui.


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Jairo Lima

Advogado Criminalista e Membro do Núcleo de Advocacia Criminal. WhatsApp: (89) 9.9474 4848.

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