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Escola Clássica da Criminologia: seus principais pensadores e pontificados

Escola Clássica da Criminologia: seus principais pensadores e pontificados

A Escola Clássica foi a primeira Escola Criminológica possuindo origens intrínsecas com a antiga filosofia grega que qual sustentava ser o delito a afirmação da justiça. O reconhecimento e, por assim dizer, a criação da Escola Clássica não se deu a partir de um corpo teórico comum, não houve uma homogeneidade durante sua existência até porque sua denominação parte dos representantes do positivismo criminológico (a escola positiva), pois estes negavam o caráter científico das valorações jurídicas do delito.

O nascimento da Escola Clássica ocorreu ao fim do século XVIII, no auge do Iluminismo, período em que se buscava, principalmente, romper paradigmas absolutistas. Como principal ideal iluminista, tem-se: a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

Àquela época, estudiosos como Hugo Grocius, John Locke, Rousseau e Thomas Hobbes foram responsáveis por decifrar as origens do nascimento da sociedade e do Estado, trazendo o conceito de “contrato social” à tona dizendo respeito ao fato de que o indivíduo abri mão de parte de sua liberdade individual para poder viver em sociedade, formando assim um corpo social, em troca de segurança e proteção de sua propriedade.

O advento do Iluminismo trouxe inúmeros questionamentos em relação ao poder absoluto exercido pelos monarcas, os quais impunham sua vontade frente a um conjunto de súditos que não eram concebidos como sujeitos de direito. Faz-se necessário salientar, ainda, que também foi feita uma crítica acerca do estreito liame que havia entre o absolutismo estatal e a Igreja Católica, que assentia que os preceitos morais religiosos ditassem e fundamentassem as normas jurídicas e a atuação arbitrária do governante.

Àquela época, o delito era visto como o cometimento de um pecado religioso, já a pena, em contramão, era apontada como uma maneira de remissão da culpa moral do criminoso, que deveria ser afligido com um mal em razão de sua conduta indevida ora praticada.

Os princípios consagrados pelo Iluminismo, que, de determinada maneira, foram condensados no sucesso de Cesare de Beccaria, “Dos Delitos e das Penas”, foram basilares para a formação da Escola Clássica, que significou um amplo avanço na humanização das Ciências Penais, já que as barbáries capitaneavam as sanções criminais no século XVIII.

A partir da segunda metade desse século, os filósofos, moralistas e juristas, dedicam suas obras a censurar abertamente a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade do homem (BITENCOURT, 2012, p. 195 e 196).

Entre os pensadores mais relevantes da Escola Penal Clássica, é possível apontar, no classicismo italiano, Beccaria, Gaetano Filangieri, Gian Domenico Romagnosi e Giovanni Carmignani, representantes do período teórico-filosófico; além de Francesco Carrara, Pelegrino Rossi e Pessina, representantes do período ético-jurídico.

É importante destacar, entretanto, que Beccaria e Carrara são os nomes de maior impacto quando se fala em Escola Clássica, sendo que o segundo, inclusive,  foi quem teria descrito o que e quem “simboliza a expressão definitiva da Escola Clássica” (BITENCOURT, 2018, p. 110).

Os representantes da Escola Clássica partiram, sobretudo, de duas teorias distintas, como ensina o professor Nestor Sampaio Penteado Filho, in verbis: “Os Clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo (direito natural, de Grócio), que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano, e o contratualismo (contrato social ou utilitarismo, de Rousseau), em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança coletiva” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 45).

Por não ser uma Escola detentora de homogeneidade, a Escola Clássica possuía espécies de ramificações, já que seus principais representantes dispunham de determinados pontos de vistas distintos, ainda que os fundamentos basilares sobre os postulados fossem os mesmos. Tanto é assim que John Howard, em 1777, fundou a “Escola Clássica Penitenciária”, através da publicação de seu livro “State of Prisions”, mas sem grande sucesso, já que os representantes clássicos não lhe dispensaram atenção.

No âmbito da doutrina brasileira, também há referência à divisão da Escola Clássica. A doutrina enfatiza que é possível distinguir duas escolas clássicas: “Uma, sob influência do Iluminismo, pretendeu criar um Direito punitivo baseado na necessidade social” – nessa vertente estariam Beccaria, Filangieri, Romagnosi e Carmignani. Por outro lado, a outra vertente clássica, que é a fase definitiva da Escola, “a metafísica jusnaturalista invade a doutrina do Direito Penal e vem acentuar a exigência ética da retribuição, na pena”. Essa última vertente compreenderia os nomes de Carrara e Pessina (VIANA, 2018, p. 41).

Apesar da vasta diversidade existente na Escola Clássica, que está longe de ser cessada, é completamente possível indicar as premissas elementares que configuram e especificam a Escola, sendo elas: o método; o crime; o fundamento da responsabilidade; o fim da pena; e o criminoso.

A partir dessas premissas elementares, percebe-se, nitidamente, que o alicerce filosófico da Escola Clássica é o livre-arbítrio: o homem possui liberdade de escolha e, em razão disso, é moralmente responsável por seus crimes. A concepção básica, portanto, assenta sobre a liberdade e racionalidade humana, que são, justamente, a prova da liberdade moral. Nas palavras de Exner, o ponto de partida é o indeterminismo absoluto (der absolute Indeterminismus): “a vontade humana é totalmente livre, livre de qualquer condição determinante, assim que subtrai qualquer importância às disposições e influências ambientais” (VIANA, 2018, p. 43).

A magnitude da Escola Clássica é tão vasta que, até na contemporaneidade, é possível visualizar as reflexões do classicismo no sistema penal, principalmente quando o assusto é exigibilidade de conduta conforme; ou seja, é substancial discernir, no caso concreto, que o sujeito teve a escolha de portar-se de acordo com o direito. A inexistência do livre-arbítrio distancia a culpabilidade. É imperioso ressaltar, por fim, que os classicistas não veem o direito posto como marco inicial, tendo por escopo, na verdade, a razão para construir o direito ideal.

Da análise do exposto, podem-se extrair muitos méritos da concepção clássica, bem assim aspectos negativos. Quanto aos pontos positivos, primordialmente, destaca-se a concretização da luta contra as arbitrariedades das épocas anteriores, uma tendência à humanização, tomando o homem como referência; e, por fim, o desenvolvimento e aparecimento da fase científica da ciência penal, contribuindo, especialmente, para a construção de importantes categorias da dogmática penal, entre elas, o conceito jurídico de crime.

Curiosamente, esse último atributo é, também, um ponto negativo na medida em que seus princípios isolam o Direito Penal da realidade social. Este excesso de formalismo, tão caro ao método abstrato, não mais se adequava às novas proposições científicas sobre o homem, tampouco desempenhava papel de oferecer respostas adequadas à realidade que se descortinava na última metade do século XIX (VIANA, 2018, p. 44-45).

Percebe-se, portanto, que o método empírico, marca registrada – e intrínseca – da ciência, é inteiramente contrário aos pressupostos basilares cultuados pela Escola Clássica. Entretanto, prestigiados doutrinadores falam no “pensamento criminológico da Escola Clássica”, que diz respeito, em suma, ao fato da natureza sistemática dessa Escola permitir identificá-la como início de uma nova ciência.


REFERÊNCIAS

BARRETO, Carlos Xavier Paes. O crime, o criminoso e a pena. 1º volume. Rio de Janeiro: Coelho Branco Filho, 1938.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal – parte geral. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BITENCOURT, Cezar Roberto.  Tratado de Direito Penal: Volume 1. São Paulo: Saraiva Jur, 2018.

CALAMANDREI, Piero. Prefácio in: Beccaria. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: José Bushatsky, 1978.

PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

VIANA, Eduardo. Criminologia. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.

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Rodrigo Murad do Prado

Doutorando em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires. Mestre em Direito. Criminólogo. Defensor Público.

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