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Qual a espada afiada que separa o bem do mal?

Qual a espada afiada que separa o bem do mal?

Pensar sobre a linha imaginária que divide o sistema penitenciário e a sociedade. Não é preciso de muitos rodeios para notar que não se trata de uma competição de quebra de braço onde o mais forte é o vencedor, mas algo que se trata de dois lados da mesma moeda.

Rotineiramente somos induzidos a pensar sobre problemas sociais e os crimes cometidos, através dos noticiários, jornais televisivos, revistas e redes sociais, alertas de casos de assassinato, tráfico de drogas.

Latrocínio são anunciados e, aproveitando o “gancho”, o discurso do medo propaga e é tomado como verdade pela sociedade. Assim, quando anunciados tais crimes, a manchete é ilustrada com o rosto dos “criminosos”, suficiente para desenvolver um olhar julgador, opressor e temido.

Entretanto, tal situação gira em torno do sentimento de revolta que reflete na sociedade, gerando discursos punitivistas que atingem a grande massa, como se o crime e o criminoso existissem apenas em um mundo à parte daquele em que vivemos e, assim, com tais discursos, a solução desses problemas é óbvia e prática: punição.

Nesses casos, a resposta mais satisfatória de ouvir é a somatória dos anos de prisão que será sentenciado o “criminoso”. E, assim, transmite-se uma ideia ilusória de “segurança”.

Ao perceber os problemas sociais e não entender que você – indivíduo que vive em sociedade, é parte do problema senão o próprio problema – é como viver mascarado tentando inibir sua responsabilidade escondendo sua identidade.

Até que ponto a indiferença do indivíduo não é a principal agravante que reflete no mundo do crime e que “entulha” seres humanos junto ao sistema penitenciário. Qual a proporção que a omissão pode causar dentro de um sistema que pede socorro? Já refletia Philip Zimbardo:

Um dos maiores e menos conhecidos colaboradores do mal passam ao largo dos protagonistas da injúria e provêm do coro silencioso que olha, mas não vê, que escuta, mas não ouve. Sua presença silenciosa na cena de maus feitos torna ainda mais imprecisa a linha nebulosa entre o bem e o mal. Perguntamos em seguida: porque as pessoas não ajudam? Por que não agem quando sua ajuda é necessária? Seria sua passividade um defeito pessoal, frieza, uma indiferença? Diferentemente, há mais uma vez dinâmicas sociais reconhecíveis em jogo?


Leia também:

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  • Experimento de Stanford: os efeitos devastadores da pena de prisão (aqui)

Qual a espada afiada que separa o bem do mal?

Deste modo, não se sabe apontar exatamente o que causa tamanha indiferença no comportamento, mas é possível entender que existe uma máscara usada pelo ser humano e o faz pensar que nunca faz parte do problema ou da maldade que existe no mundo. Quem sabe seja o que escreveu Shakespeare, em conto de inverno:

Decerto este meu manto, altera meu temperamento.

Sendo assim, o indivíduo se posicionando à parte dos problemas que devem ser enfrentados, podemos compreender os motivos que faz ser convincente para ele (indivíduo) o discurso do punitivismo, acreditando serem justas as medidas utilizadas para “punir”, ainda que assim seja permitido tratamento desumano e desrespeito à diversas garantias, que é regra dentro dos sistemas penitenciários, a exceção é o respeito individual.

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A espada de Dâmocles

Nesse momento, podemos usar a famosa do existencialismo de Sartre “o inferno são os outros”, pontualmente adequada para fazer uma abordagem quanto ao sentido literal da palavra “inferno” unida ao “sistema penitenciário”. 

Quando o outro é introduzido lá, quem se importa? Afinal quem são eles? São “apenas” criminosos. Porém, ainda que sejam vistas as condições precárias sofridas dentro do sistema penitenciário, não é importante e nem impressiona a sociedade: ela é completamente surda e cega. Vamos! Permita que o outro experimente o terror na terra.

No sistema penitenciário é assim: gritos de socorro abafados, numa tentativa de não pertencer ao seu próprio corpo para não suportar toda podridão humanitária que subsiste e insiste em algo falho, depreciador, desprezível e omisso quanto ao mínimo de dignidade.

Ser introduzido no sistema prisional é ter certeza que o inferno existe e ele está situado na Terra, com o próprio Diabo te recebendo com aperto de mão e tapinha nas costas com um “você vem sempre aqui?”.

Lá tem tortura e sofrimento garantido! Para qualquer um que chegou, é assegurado: não existe anjo! Simplesmente o céu é uma típica utopia diária dos presos, a luz do sol tentando ultrapassar as grades é artigo de luxo. O que mais se tem para oferecer? Aqui o “efeito lúcifer” é garantido!

Você enquanto indivíduo permite, julga necessário e correto que o outro sofra nas grandes garras do sistema penitenciário ou simplesmente acha que não é responsável por tudo isso? Ser um colaborador ou passivo para gerar o mal é ser também o protagonista? Então tomamos a pergunta inicial do texto:

Qual a espada afiada que separa o bem do mal?

Ana Flávia Silveira

Pós graduanda em Filosofia e Direitos Humanos.

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