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O que é a espiritualização do bem jurídico?

O que é a espiritualização do bem jurídico?

O bem jurídico é um limite à atividade criminalizadora do Estado. São valores ou interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da coletividade e, por essa razão, são merecedores de tutela penal.

Este princípio legitima tanto a criação quanto a aplicação de um tipo penal, estabelecendo que nenhuma criminalização será legitima se não buscar evitar uma lesão ou um perigo de lesão a um bem juridicamente determinável (princípio da lesividade/materialização do bem jurídico).

Isso porque no âmbito de uma teoria constitucional do Direito Penal, só podem ser incriminadas as condutas atentatórias a bens consagrados na Constituição Federal.

Esses bens jurídicos normalmente são relativos à pessoa concreta, tais como a vida, a liberdade, o patrimônio, entre outros. Entretanto, vêm surgindo tipos penais cujo sujeito passivo é indeterminado, com bem jurídico difuso, não se concretizando perfeitamente.

Um exemplo de bem jurídico difuso ou coletivo são os crimes ambientais. A proteção aqui é do meio ambiente. Um meio ambiente desequilibrado é prejudicial à vida e à saúde dos seres humanos, ainda que de forma reflexa. Por isso merece proteção antecipada para que não se perca.

Nesses casos, o bem jurídico se dilui num coletivo indeterminado, o que leva a doutrina a falar na chamada espiritualização ou liquefação do bem jurídico.

A espiritualização do bem jurídico foi uma expressão criada pela doutrina para criticar a tipificação de condutas que visam tutelar bens jurídicos de interesse transindividual, isto é, aquilo que pertence a uma coletividade, afirmando que tais bens são formulados de modo vago e impreciso ensejando a denominada desmaterialização, espiritualização ou liquefação do bem jurídico.

É preciso ter cuidado para não infringir o princípio da lesividade com a criação de bens jurídicos que, na verdade, servem tão somente para dar uma aparência de legitimidade a tipos penais que não tutelam concretamente bem jurídico algum.

Como esse tema é perguntado nos concursos?

QUESTÃO MP BAHIA 2010

A problemática do bem jurídico, merecedor da tutela penal, é assunto de alta sensibilidade nos dias atuais, na medida em que o direito penal contemporâneo lida, frequentemente, com questões concernentes a bens jurídicos coletivos e de alta complexidade na sua consideração, inclusive para o debate na doutrina nacional, sobretudo quando busca diferenciar bens jurídicos e funções. Assim, a tendência de espiritualização dos bens jurídicos é um dos grandes desafios do estágio atual da dogmática penal. Nesse cenário de ideias, seria correto afirmar:

I – A radicalização da tendência da espiritualização dos bens jurídicos protegidos penalmente não envolve nenhum risco para um direito penal de um Estado Democrático, antes, pelo contrário, aumenta consideravelmente as garantias individuais.

A doutrina refere-se à espiritualização do bem jurídico como uma crítica.

II – A tendência de “espiritualização” dos bens jurídicos pode ser suficientemente mitigada com a simples redução à sua característica de pessoalidade, isto é, que interesse, antes de tudo, à pessoa humana.

A espiritualização não tem como característica a pessoalidade, mas sim, trata de interesses metaindividuais (coletivos).

III – A tendência de “espiritualização” dos bens jurídicos pode ser concretamente mitigada com a consideração conjunta da noção de pessoalidade com a de substancialidade, e não ser deduzida apenas de um dado normativo.

IV – A noção de bem jurídico, neste contexto, não pode ter como objeto de proteção da norma situação referentes à moralidade pública, aos bons costumes, ao sentimento do povo e outras semelhantes.

V – O bem jurídico, portanto, como advertia Roxin, nada tem a ver com o caráter de objeto valorado, prescindindo assim de qualquer alteração do mundo exterior ou juízo de valor de qualquer natureza.

Pelo contrário, Roxin foi precursor do Funcionalismo Moderado, que pregava justamente a valoração do bem jurídico pela norma penal, ou seja, a norma deveria ter a função primordial de proteger um Bem Jurídico, levando-se em consideração as consequências dessa norma na sociedade, para fins de política criminal.

RESPOSTA: As alternativas III e IV são verdadeiras.

Até a próxima!


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Cristina Tontini

Advogada criminalista

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