Está tranquilo, está favorável?
Por Danyelle da Silva Galvão
O Carnaval acabou há pouco. Um hit deste ano fala que “tá tranquilo, tá favorável”. O sujeito da música, em síntese, está em situação boa, confortável, alegre, e por isso repete dezenas de vezes que “tá tranquilo e tá favorável”. Óbvio que o compositor não trata, em sua música, de questões jurídicas. Mas a sua expressão é brilhante para descrever – às avessas e com o devido respeito – o panorama após a decisão do Supremo Tribunal Federal desta semana no tocante ao início do cumprimento de pena.
Situemos a questão. O Supremo Tribunal Federal, em 2009, estabeleceu que o cumprimento de pena somente é possível após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Assim caminhamos nos últimos 6 anos. Mesmo com condenação em segunda instância, em havendo recursos pendentes de julgamento em Brasília, inexistia cumprimento provisório de pena. Exatamente como dispõe a Constituição Federal: somente será considerado culpado após o trânsito em julgado!
No entanto, esta semana, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que a condenação em segunda instância já autoriza a prisão, mesmo com a pendência de julgamentos perante os Tribunais Superiores. Digo julgamentos porque após a mencionada condenação de segunda instância, ainda é possível a revisão da decisão por meio de recurso especial (Superior Tribunal de Justiça) e recurso extraordinário (Supremo Tribunal Federal), por aspectos distintos.
A mudança de posicionamento da Corte ensejou inúmeras manifestações durante os últimos dias. Sem querer ser redundante, alguns pontos, ao meu ver, merecem cuidadosa reflexão. Em primeiro lugar, considero muito curto o espaço de tempo entre a afirmação de que a condenação deveria transitar em julgado para ser executada e o retrocesso deste entendimento. Como afirmado acima, foram apenas 6 anos. É bem verdade que neste período a atual Presidente da República foi eleita e reeleita e já decorreu quase um mandato inteiro de Senador da República. Se olharmos por este ângulo, até pode ser bastante. Mas se notarmos que a nossa Constituição Federal não tem ainda 28 anos completos, é muito pouco tempo para que a Suprema Corte tenha analisado – sob o enfoque constitucional – a mesma questão e tenha chego à conclusões conflitantes.
Em segundo lugar, questiono se esta releitura do texto constitucional não deveria ser feita por meio de Proposta de Emenda à Constituição. Inclusive, pelo que acompanho e lembro da atividade do Congresso Nacional, a questão estava – há anos, diga-se – sendo discutida naquele âmbito. Isto, caro leitor: temos a PEC n. 15 de 2011, chamada de PEC Peluso, cuja proposta inicial era de transformar os recursos especial e extraordinário em ações rescisórias e, após inúmeras discussões, apresentou-se um substitutivo para, ao invés de alterar os arts. 102 e 105 do texto constitucional, alterar o art. 96, parágrafo único, dando-lhe a seguinte redação: “Os órgãos colegiados e tribunais do júri poderão, ao proferirem decisão penal condenatória, expedir o correspondente mandado de prisão, independentemente do cabimento de eventuais recursos.”
Salvo melhor juízo, é exatamente isto que restou decidido nesta semana pelo Supremo Tribunal Federal.
Além disto, mencionou-se que a execução da pena antes do julgamento dos recursos em Brasília darão maior agilidade aos processos. A duração razoável do processo é realmente importante. Não por outra razão, a garantia foi incluída expressamente no texto constitucional pela recente Emenda n. 45, que inclusive ficou conhecida como emenda da Reforma do Judiciário e desencadeou inúmeras atitudes concretas para a implementação do Poder Judiciário e para garantir uma tramitação mais célere em todo território nacional.
Entretanto, atribuir ao acusado (digo acusado em processo criminal) a lentidão do Poder Judiciário e “entregar-lhe a conta para pagar” parece-me desarrazoado. Primeiro porque aas estatísticas do próprio Poder Judiciário não apontam os processos criminais como a razão do assoberbamento dos Tribunais Superiores. E segundo porque é bem verdade que existem recursos meramente protelatórios, mas não se pode presumir que todos que lá tramitam tenham esta única finalidade.
Por fim, mas não menos importante, merece reflexão questão relativa aos efeitos secundários da condenação e o início do seu cumprimento.
O Código Penal, em seu art. 92, dispõe sobre a perda do cargo ou mandato eletivo, incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado, e inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. São verdadeiramente efeitos secundários da condenação e, para serem aplicados, devem ser motivados na sentença.
No âmbito processual, desde 2008 o Código de Processo Penal autoriza, no seu art. 386, IV, que o juiz, ao proferir sentença poderá fixar valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
Como ficarão estas questões? Serão executadas também logo após a decisão de segunda instância? Parece-me que sim, diante da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Certo é que devemos respeitar as decisões da nossa Suprema Corte, mas isto não afasta a necessidade de reflexão sobre as questões acima indicadas – dentre outras, certamente.
O difícil é aceitar que está tranquilo ou está favorável quando visualizamos que as prisões, perdas de mandatos, etc, podem ser cumpridas antes de uma decisão definitiva sobre a culpa do acusado. Ficaria um pouco menos inquieta se alguém respondesse com clareza, objetividade e exatidão esta minha pergunta: quem devolve o tempo cumprido de uma condenação posteriormente revertida perante os Tribunais Superiores?