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Estelionato previdenciário

Estelionato previdenciário

O crime de estelionato previdenciário possui previsão legal no § 3º do artigo 171 do Código Penal. Na verdade, não é um figura delitiva autônoma, mas sim uma causa de aumento de pena para o estelionato praticado em desfavor do sistema de seguridade social. Assim sendo, antes de analisar as peculiaridades do estelionato cometido contra a previdência, faz-se necessário diferenciar o crime de estelionato em relação aos demais crimes patrimoniais existentes no nosso Código Penal.

De início, cumpre mencionar que o núcleo central do crime de estelionato consiste na utilização de artifícios para que a vítima incida em erro e entregue voluntariamente a coisa solicitada pelo estelionatário. Nota-se que, no estelionato, a coisa é entregue pela vítima com animus de alienação, o que não ocorre, por exemplo, nos crimes de furto e roubo, já que nestes casos, a coisa é retirada da vítima ou dela recebida sem o referido animus de alienação.

Ademais, o que diferencia o estelionato do crime de apropriação indébita é o dolo do agente, que no estelionato se manifesta de forma anterior ao recebimento da coisa, diferentemente do que ocorre na apropriação indébita. Assim, apesar da colaboração da vítima ser essencial para caracterização de ambos delitos, no estelionato, a obtenção da vantagem indevida se dá em virtude da situação de engano na qual a vítima fora inserida, o que não acontece na apropriação indébita.

Dessa feita, no que tange ao crime de estelionato, Nucci (2015: 1006-1007) ressalta que o fato de existir torpeza bilateral entre autor e vítima não é suficiente para afastar o delito de estelionato. Para o autor, ainda que autor e vítima desejem obter vantagem indevida, ainda, assim, o crime de estelionato restará caracterizado.

Assim sendo, o referido autor exemplifica a questão através do famoso caso do estabelecimento universitário que prometeu diplomas universitários – através de um curso rápido e compacto – para os alunos que se matriculassem no referido estabelecimento.

Para Nucci, apesar da torpeza bilateral – já que os alunos almejavam obter um certificado de graduação em ensino superior na contramão da realidade nacional -, o engodo utilizado pelo estabelecimento educacional restou configurado e o estelionato consequentemente também.

Nesse diapasão, o mencionado autor ainda tece algumas críticas ao conceito abstrato de “homem médio” que ainda é utilizado pela doutrina e jurisprudência para verificação da potencialidade da farsa para fins de ludibriar a vítima e configurar a figura típica do estelionato.

Partindo dessa premissa, passaremos a analisar especificamente a causa de aumento de pena relativa ao crime de estelionato praticado contra a previdência.

Pois bem. Em primeiro lugar, cumpre afirmar que para os Tribunais Superiores o crime de estelionato previdenciário (art. 171, § 3º) praticado por terceiro não beneficiário é crime instantâneo de efeitos permanentes, o que implica em dizer que a consumação do crime para o terceiro que realiza a fraude para que o segurado receba indevidamente o benefício do INSS, só se dá após o recebimento do primeiro benefício.

Assim sendo, quando quem é realiza a fraude é, por exemplo, um despachante, o prazo prescricional só começa a fluir após o recebimento pelo segurado do primeiro benefício, antes de tal recebimento o despachante poderá até ser preso em flagrante, em função do momento consumativo do delito perpetrado se prolongar no tempo.

Por outro lado, para o segurado que realiza a fraude para recebe em benefício próprio valores indevidos, o crime de estelionato, pelo menos para os Tribunais Superiores, é de natureza permanente, o que implica em dizer que enquanto estiver recebendo os benefícios indevidos, o segurado poderá ser preso em flagrante, como também o prazo prescricional estará suspenso.

Assim sendo, em recente decisão o STJ por meio do AgRg no AREsp 962731/SC, corroborou a tese que já vinha sendo adotada no sentido de que o crime de estelionato quando praticado pelo próprio beneficiário assume as vestes de crime permanente (e não de crime continuado como a doutrina mais punitivista entende).

AGRAVO   REGIMENTAL  NO  AGRAVO  EM  RECURSO  ESPECIAL.  ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO   COMETIDO   PELO   PRÓPRIO  BENEFICIÁRIO.  PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA.  SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1.  O  acórdão recorrido encontra-se em consonância com a orientação desta  Corte  e  do  STF no sentido de que, nos casos de estelionato previdenciário   cometido   pelo  próprio  beneficiário  e  renovado mensalmente,  o  crime  assume a natureza permanente, dado que, para além  de  o  delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer  tempo,  fazer cessar a ação delitiva. Incidência da Súmula 83/STJ. 2.  Afirmado  pelo acórdão recorrido que há provas da conduta dolosa do  agravante, a revisão desse entendimento encontra óbice na Súmula 7/STJ. 3.  Inadmissível o recurso especial pela divergência jurisprudencial quando   não   cumpridas   as   exigências   legais   e  regimentais indispensáveis, especialmente a realização do cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os paradigmas citados. 4.   Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 962731/SC. Relator(a): Min. Reynaldo Soares Da Fonseca. Quinta Turma. Publicado em: 30/09/2016)

Como também ratificou o que já vinha sendo entendido em relação ao terceiro que realiza a fraude previdenciária.

PROCESSO  PENAL.  AGRAVO  REGIMENTAL  EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO  PREVIDENCIÁRIO.  ART.  171,  §  3º,  DO CP. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO  ESPECÍFICA.  SÚMULA 182/STJ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME  INSTANTÂNEO  DE  EFEITOS  PERMANENTES. SÚMULA 568/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1.  A  agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os  fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a  negativa  de  provimento  ao agravo regimental. 2. Dissociadas as razões do agravo regimental do decidido na decisão agravada. 3.  É  inviável  o  agravo  que  deixa de atacar, especificamente, o fundamento da decisão agravada. Incidência da Súmula 182/STJ. 4.  A  jurisprudência  desta  Corte  tem  entendido  que  o crime de estelionato  previdenciário praticado para que terceira pessoa possa se   beneficiar  indevidamente  da  fraude  tem  natureza  de  crime instantâneo  com  efeitos  permanentes,  devendo ser contado o prazo prescricional  a  partir  do  recebimento  da  primeira prestação do benefício indevido. 5.  Não tendo transcorrido período superior a 8 anos entre os marcos interruptivos  do  prazo prescricional, inviável o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, como pretendido na irresignação. 6. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1203461/SP. Relator(a): MIn. Sebastião Reis Júnior. Sexta Turma. Publicado em: 12/04/2018)

Por último, vale ressaltar ainda que em qualquer das duas modalidades de estelionato previdenciário, é imprescindível a demonstração do dolo como elemento subjetivo do tipo, já que o nosso sistema está alicerçado no princípio da culpa e na responsabilização subjetiva do indivíduo.


REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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