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Estratégias para a escolha do Conselho de Sentença no plenário do júri 

Estratégias para a escolha do Conselho de Sentença no plenário do júri 

Por Tiago Oliveira de Castilhos e Valdir Florisbal Jung

Sem dúvida alguma, a escolha do Conselho de Sentença é um dos momentos mais difíceis do Plenário do Júri. Paira no imaginário popular que o nosso Júri é como o Americano em uma visão bem “netflixsiana”[1] de que aqui, no Brasil, temos um júri aos mesmos moldes.

Infelizmente ou felizmente não temos uma proximidade não, aqui é muito, mas muito diferente. Veja que aqui pessoas morrem pela circunstância mais banal possível, como, por exemplo, aqui tem gente morrendo por que “queimou a risca do jogo de bocha”[2]. Ou seja, um jogador alvejou outro após discussão por ter ou não queimado a risca. Veja que civilidade temos, a que nível de civilidade chegamos. 

Por óbvio que os quadros são totalmente diferentes e veja que sequer estamos a referir que vivemos sob a égide do sistema processual da civil law, baseado nas codificações, já eles se baseiam no sistema dos precedentes, da juris+prudência, ou seja, na jurisprudência, que é a common law

A pintura da arte é totalmente diferente e, por isso, temos a escolha do Conselho de Sentença também diferente e para nós, advogados, o momento mais difícil ou um dos mais difíceis da atuação da defesa no Plenário do Júri.

Ao escrever este texto, lembramos de um caso no interior do Estado do Rio Grande do Sul em que atuamos com um advogado bastante experiente que puxava a ponta do casaco do terno de um de nós e dizia:

Rejeita este jurado.

A pergunta que foi feita para este advogado foi:

Mas por quê?

A resposta era:

Não importa, não tem um porquê, apenas faz.

No Plenário do Júri não podemos agir desta forma, temos que ter, em que pese as inúmeras dificuldades, pelo menos, alguma estratégia para a escolha deste Conselho de Sentença que seja próxima da razoabilidade. 

Para isso que propomos o texto, pois precisamos criar algumas estratégias e que estas sejam calcadas em algum ponto racional, pois deste Conselho que verterá a “absolvição” ou a “condenação” do réu. São vinte e cinco cidadãos sorteados[3], a cada processo, para comparecerem ao julgamento no Plenário.

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Dentre estes, a acusação e a defesa poderão recusar imotivadamente três cada um e, se houver motivo, não há limitação de número. É necessário[4], porém, que se tenha, no mínimo,quinze jurados para realização do julgamento, pois, caso contrário, a solenidade será cancelada. Ao final, sete são escolhidos para compor o Conselho de Sentença que irá definir a responsabilidade do acusado pelo crime[5].   Mas como escolhê-los? 

O Conselho de Sentença é composto por pessoas da comunidade, cidadãos de notória idoneidade, com idade mínima de 18 anos. Via de regra, não apresentam conhecimento jurídico. Devem julgar de acordo com a sua convicção. 

Cada advogado cria um próprio método de escolha dos jurados. Ele precisa, no entanto, ser racional. A estratégia que sugerimos é a verificação dos perfis de seu cliente e da vítima e, a partir desses elementos, a realização de um cruzamento com o perfil sucinto que se apresenta na escolha dos jurados. No momento do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, defesa e acusação (nessa ordem) podem visualizar a ficha de cada jurado, onde consta o nome e a profissão de cada um. Entendemos que ao começar a escolha pela defesa, beneficia-se, de certa forma, a acusação, pois, na maioria das vezes, o promotor já conhece os jurados de outros julgamentos.  

A experiência no tribunal do júri tem mostrado que quando a vítima de homicídio ou tentativa for um homem é preferível tentar um conselho de sentença composto por mais mulheres. O contrário se aplica nos casos em que a vítima for do sexo feminino. Os jurados mais velhos têm a tendência de condenar, o que pode ser explicado pela maior experiência de vida, e são mais exigentes. Já os jurados mais técnicos, dentre os quais temos engenheiros, contadores e administradores, por exemplo, tendem a ser mais criteriosos e analisam o contexto processual mais a fundo. 

Os jurados do interior do Estado apresentam um diferencial em relação aos residentes na capital e em grandes cidades, pois não vivenciam a violência urbana e tipos graves de delitos com a mesma intensidade. Uma dificuldade em relação aos julgamentos em cidades do interior é o fato de que todos se conhecerem e muitos dos jurados sabem da vida pessoal tanto da vítima quanto do réu.

Em crimes cuja autoria é praticada por policiais, o ideal seria rejeitar os jurados mais jovens, pois eles, em geral, são mais exigentes com este tipo de delito e tendem à condenação. Deve-se ter atenção aos jurados que não demonstram nenhuma identificação com o perfil dos envolvidos. Por exemplo, se o crime ocorreu em um bar que tem como atividade jogo de sinuca, um jurado que provavelmente nunca frequentou um local semelhante deve ser rejeitado.

Algumas sugestões seriam pesquisar os júris realizados no mês atual e no anterior para analisar o Conselho de Sentença e suas decisões; ir a julgamentos anteriores e observar as expressões dos jurados, inclusive depois do término do julgamento, quando muitos comentam o resultado e, até mesmo, seu voto.

Com a informação dos nomes dos jurados, podemos pesquisar nas redes sociais aspectos que ajudariam na escolha e, por fim, buscar todos os tipos de informações úteis, conversar com outros colegas e, até mesmo, com o defensor público para o fim de buscar a empatia[6] com os jurados.


NOTAS

[1] Denominação dada àquele que assiste séries e filmes no Netflix e pensa que o mundo real é como foi apresentado em algum filme.

[2] Aqui no Rio Grande do Sul existe um jogo tradicional das famílias, muito realizado nos bairros, nas vilas, nos interiores das cidades, denominado “jogo de bocha”. Neste jogo é feito no chão de terra firme uma risca em que o jogador não pode pisar ao lançar a “bocha”.

[3] Chamamento na forma do Art. 433 do Código de Processo PenalCPP. MARQUES, Jader. Tribunal do júri: considerações críticas à Lei 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009, p.106. Ver também: NUCCI, Guilherme. Curso de direito processual penal. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2018, p. 996 e 1.007. Ver também: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 20 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas. 2016, p. 743.

[4] Recusa na forma do Art. 468 do CPP. MARQUES, Jader. Tribunal do júri: considerações críticas à Lei 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009, p.106.

[5] Número de jurados na forma do Art. 447 do CPP e Art. 472 do mesmo Codex para o juramento. MARQUES, Jader. Tribunal do júri: considerações críticas à Lei 11.690/08 e 11.719/08. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2009, p.106. Ver também: NUCCI, Guilherme. Curso de direito processual penal. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2018, p. 996 e 1.007. Ver também: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 20 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas. 2016, p. 743.  

[6] Para o filósofo a “empatia” considerada como uma projeção das emoções no objeto observado, ou seja, “(…), que considera a atividade de estética como a projeção das emoções do indivíduo no objeto estético. Segundo o principal defensor dessa teoria, Theodor Lipps, a empai ia (\.˙.’) é um ato original, essencialmente independente da associação de idéias e profundamente arraigado na própria estrutura do espírito humano (…): deste modo, é postulada como uma faculdade à parte, á qual está confiada a função de animar a materialidade bruta do mundo exterior, tornando o mundo mais familiar e agradável ao homem. (…).” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Edição revista e ampliada. Tradução 1ª edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi. Revisão da tradução e tradução dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p. 767.


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