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A estrutura do conceito de tipo de injusto

A estrutura do conceito de tipo de injusto

O conceito ou a definição de fato punível – como sistema de conceitos, critérios e interpretações do ordenamento jurídico penal, de modo a estruturar a sua aplicação – pode ser apresentado de forma operacional ou analítica, a fim de estabelecer critérios de punibilidade e de segurança jurídica (ROXIN, 1997, p. 192; CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 71).

A teoria contemporânea do fato punível estrutura-se em tipo de injusto (ação típica e antijurídica) e culpabilidade (como capacidade de punibilidade, conhecimento real ou potencial do injusto e de exigibilidade de comportamento diverso). Através da convergência da ação típica com a antijuridicidade há de haver o tipo de injusto (ROXIN, 1997, p. 195), conceito sobre o qual se estrutura a polêmica entre modelo bipartido e tripartido de crime (ou sistemas de fato punível).

Atemo-nos ao conceito de tipo de injusto, cujo desdobramento apresenta os elementos ação, tipo e antijuridicidade (ou ação típica e antijuridicidade).

De fato, não há consenso sobre as definições do conceito de ação, mas existem modelos mais ou menos diferentes. São eles: o causal, o final, o social (ação como comportamento socialmente relevante), o negativo (como a não evitação do comportamento proibido) e o pessoal (como manifestação da personalidade), dentre outros.

No presente trabalho, diante da necessidade de ser breve e expor a estrutura do tipo de injusto, estudaremos o modelo causal e final, pois se contrapõe, além de ser o último adotado pelo autor.

O modelo causal de ação aproveita-se do ápice das ciências mecânicas e define a ação como puro processo causal exterior (WELZEL, 1956, p. 40), ou melhor, como produção causal de um resultado exterior (CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 81). Uma coisa é certa: a causalidade é determinada mecanicamente pela natureza.

Este modelo dominou o século 19 e vinculou-se ao modelo clássico de fato punível, em que os elementos objetivos e subjetivos estavam no tipo de injusto e na culpabilidade, respectivamente.

Diante da ausência do elemento fulcral da ação humana no modelo causal de ação, que é o finalismo, WELZEL desenvolve o modelo final de ação, definindo esse comportamento como realização da atividade final.

Portando, a vontade consciente é o cerne da ação humana, em sua dimensão subjetiva (ou projeto de realização), como realização de um fim, através de um plano e de seleção dos meios para a sua concretização, no qual o indivíduo prevê (ou representa) as consequências (ou os efeitos), possíveis ou ligadas ao fim pretendido, de sua intervenção no plano causal exterior (CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 88; BITENCOURT, 2010, p. 262).

O autor precisa decidir sobre “1) o objetivo que pretende alcançar; 2) os meios que utilizará para isso; e 3) as conseqüências secundárias, que estão necessariamente vinculadas ao emprego dos meios” (WELZEL, 1956, p. 40).

As normas penais dirigem-se à vontade humana tanto como proibição de ações (ações dolosas ou imprudentes) quanto como determinação de ações (omissão de ação), cujo pressuposto é exatamente a finalidade (CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 88). Esta compreensão, diferenciadora dos fenômenos humanos e naturais, é a mais adequada para a construção do Direito Penal, por trazer a característica da ação humana.

O conceito de tipo, introduzido por BELLING, pode ser compreendido de três diferentes formas. De um lado, para ROXIN o conceito teria as seguintes funções: 1) função sistêmica como conjunto de elementos que permitem saber qual delito se trata; 2) função politico-criminal como garantia, atribuída ao principio da legalidade (nullum crimen, nulla poena sine lege), por estarem às condutas proibidas descritas através dos tipos; e 3) função dogmática como descrição dos elementos, “cujo desconhecimento exclui o dolo” (ROXIN, 1997, p. 277).

De outro modo, “o tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas)” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009, 383)

De fato, o conceito de tipo, em sua configuração inicial, dada por BELLING, excluía do tipo todos os elementos subjetivos, pois estes estavam ainda na culpabilidade, ou seja, o tipo era composto pelos elementos objetivos (ROXIN, 1997, p. 279)[1].

O tipo era, ademais, não valorativo ou livre de valor, no sentido de neutro, em decorrência da valoração pertencer à antijuridicidade (CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 102). Mas autores como FISCHER, MAYER e MEZGER descobririam que as justificações e os tipos dependeriam de elementos subjetivos (a intenção de apropriação nos crimes patrimoniais), o que, evidentemente, rompe com a idéia de neutralidade.

A teoria final da ação, desenvolvida por WELZEL, revolucionaria a teoria do tipo. Isso porque os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade foram transferidos para a dimensão subjetiva do tipo, ou seja, “a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal, como dolo de tipo” (CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 102). E é assim que temos as designações de tipo subjetivo (dolo e imprudência) e de tipo objetivo (causação do resultado e imputação deste).

A antijuridicidade é a contradição entre a ação humana realizada ou omitida, proibida ou mandada em um tipo legal, e o ordenamento jurídico-penal, desde que ausente alguma das justificações legais ou supralegais. A antijuridicidade da ação típica é dada pela ausência de justificação.

Ausente justificação, presente antijuridicidade. Algo como se lesse os tipos de injusto da seguinte maneira: matar alguém, exceto em legitima de defesa, em estado de necessidade etc.

Isso se deve a teoria dos elementos negativos do tipo, unificadora do tipo e da antijuridicidade no tipo de injusto, segundo a qual o tipo é “descrição positiva do tipo de injusto, enquanto os preceitos permissivos [as justificações] constituem características negativas do tipo de injusto” (CIRINO DOS SANTOS, 2012, p. 213). ROXIN entende que há “tipos positivos, fundamentadores do injusto, e ‘contratipos’ negativos, excludentes do injusto” (ROXIN, 1997, p. 284).

Desta forma, pode-se dizer que os efeitos para: a) a teoria bipartida, que considera tipicidade e antijuridicidade como dependentes, a ação justificada será atípica exatamente porque os elementos negativos (as justificações) excluem os elementos positivos do tipo de injusto; b) a teoria tripartida, que entende a tipicidade e a antijuridicidade como autônomas, a ação justificada excluirá a antijuridicidade do fato: a ação é típica, mas justificada.

Em que pese à controvérsia sobre os conceitos de fato punível (se bipartido ou tripartido), é fato que a tipicidade é a ratio essendi da antijuridicidade, ou melhor, a antijuridicidade é a essência (ou a razão de ser) da tipicidade, onde se relacionam os elementos positivos (do tipo) e os elementos negativos (das justificações).

Isso se deve porque os “conceitos de tipicidade e antijuridicidade estão de fato funcionalmente vinculados (…) apesar de sua formulação em separado” (QUEIROZ, 2010, p. 183-184). Havendo tipicidade, haverá antijuridicidade, exceto se existir alguma causa de justificação.

Na antijuridicidade, estudam-se as justificações, como elementos negativos do tipo. O fundamento (ou fundamentos) destas justificações baseia-se nas teorias monistas (fundamento unitário da justificação) e pluralistas (fundamentos diversos). Diante da diversidade de situações justificantes, razoável é a adoção de uma teoria plural e hábil a fundamentar e direcionar uma interpretação concreta das justificações.

Por fim, as justificações consistem na legitima defesa (como instrumento de proteção, através de meios necessários e utilizados moderadamente, em face de injusta agressão, atual ou iminente), no estado de necessidade (como proteção proporcional de perigo atual provocado por outrem), no estrito cumprimento do dever legal (como justificação do funcionário público para assegurar a lei ou as ordens de superior hierárquico), no exercício regular de direito (justificação pelo exercício de um direito), no consentimento do titular do bem jurídico (ou consentimento do ofendido, como ausência de interesse na proteção do bem jurídico), nas justificações na imprudência etc.

De fato, o conceito de tipo de injusto, apenas esboçado neste trabalho, que reúne ação, tipicidade e antijuridicidade, integra a teoria do fato punível, reunindo elementos dos mais importantes à dogmática penal como critério de limitação da punição e segurança jurídica.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – parte geral, volume I. 15. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal – Parte Geral. 5. ed. – Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.

QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

ROXIN, Claus. Derecho penal, parte general, tomo I: Fundamentos. La Estrutura de la teoria del delito. 1. ed – Madrid: Civitas, 1997.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei nº 7209, de 11-07-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 1994.

WELZEL, Hans. Derecho penal – parte geral. Buenos Aires: Roque Delpalma Editor, 1956. Tradução: Carlos Fontán Balestra.

ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, volume 1: parte geral. 8. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009


NOTAS

[1] Explicando a concepção de tipo objetivo de BELLING, diz ZAFFARONI e PIERANGELI que o “delito fundada sobre a cisão entre o injusto objetivo e uma culpabilidade subjetiva, este autor [o BELLING] introduziu no injusto uma distinção entre tipicidade e antijuridicidade, categorias que continuavam conservando seu caráter objetivo” ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – v. 1, p. 389, n. 227.

Gabriel Martins Furquim

Especialista em Direito Penal. Advogado.

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